Não queria que fosse assim. Queria me libertar, queria poder voar, mas não queria assim. Na perseguição dos meus sonhos, passei por vezes por campos que desconhecias. Fugi de ti, fugi, escapei do teu amor nos únicos lugares em que não me encontrarias. Mudei meus hábitos, passei a chegar em casa mais tarde, a chegar por caminhos diferentes, a andar com pessoas diferente; recusei-me a aceitar teus imprevistos e revoltei-me sem senhuma precisão de revoltar. Eu sei que fiz vários esforços para me afastar dos teus domínios. Esqueci-me deste teu lado humano, esqueci-me de que é preciso cuidado. Tentei te desafiar, quis ignorar teus conselhos, quis costurar minha própria fantasia e, na verdade, nem tentaste intervir. Foi tudo silencioso, eu só queria provar pra mim mesma, pra mim e não para ti, que na verdade eu sei fazer as coisas por mim mesma. Eu tentei me libertar de ti, tentei cortar este cordão umbilical, inventei meus próprios caminhos e fui pra casa sem pedir a direção. Tentei ensinar caminhos aos meus irmão, aos meus amigos, tentei ganhar respeito, tentei cuidar de mim. Conversei contigo de igual para igual, ri das tuas piadas, te abracei quando estiveste triste. Tudo para me livrar de ti, desta influência assoladora que me faz me perder na dúvida: será que sou eu que falo, ou será tua esta voz? Tentei de tudo pra me libertar de ti. Cheguei tarde em casa todos os dias, sem sequer explicar o porquê dos meus atrasos. Tentei até mesmo me aproximar de ti, na esperança de que a proximidade diminuísse essa minha credibilidade infantil, assim como a tua desconfiança de mim. Admito que cada passo para longe foi minha culpa, minha vontade, mesmo que nem sempre consciente. Mesmo assim, não era isto o que eu queria.
Perdoa-me. A culpa que sinto, eu sei que não chega aos pés da tua aflição. Eu menti ao dizer que esqueci; na verdade, quando ia para casa até pensei, preciso chegar antes que mamãe se preocupe. Pensei até, e o teria dito em voz alta se não parecesse inútil, quando nos encontramos. Será que ela se preocupará? pensei, mas não quis acreditar, e tanto não quis que não acreditei. Queria esse resto de liberdade, nunca mais ter que fazer qualquer coisas debaixo da tua grande asa. Me deixei esquecer, me deixei negligenciar o cuidado mais essencial. Na verdade muito do que conversamos não teria vindo à tona se eu tivesse tido a devida responsabilidade. Por isso, arrepender-me é difícil. Tudo é difícil. O que sinto agora é nojento, e nem um pouco gostoso. Meu mêdo é que com o tempo eu repita o mesmo erro (outra vez), e sob o mesmo pretexto. Perdoas-me?
Marina: olha para mesa, começa a chorar, e deixa os seus sonhos escorregarem um pouquinho em direção ao abismo infinito
Sent at 21:04 on segunda-feira
Se me quiseres perdoar, perdoa também a necessidade que sinto de ficar assim longe de ti. Perdoa também isto: lembrei-me agora do que me levou a querer, no ano passado, ir fazer faculdade em alguma outra cidade, longe de ti, sozinha. Perdoa minha solidão. Perdoa meu afastamento. Perdoa as minhas estranhezas e loucuras, perdoa-me por não me envergonhar de nenhuma delas, por conviver com pessoas tão assim tímidas, por nunca fazer o que gostarias. Perdoa a minha negligência, perdoa a minha falta de interesse nas questões que fazem tua vida. Perdoa por ser menor do que poderia ser, e por não me envergonhar disso também. E por não manter perto os bons amigos. Perdoa-me por me sentir mais tranqüila entre meus amigos do que jamais me sentirei em casa. Perdoas-me?
Olha, eu vou me perder, eu vou me machucar, mas cada palavra tua me dá mais vontade de cometer erros e sentir as melhores e as piores coisas. Perdoa-me por não ouvir o que dizes. Perdoa-me por ser tão insensível. Perdoa-me por não te compreender, e também por ser tão incompreensível. Perdoa-me por sentir-me presa, perdoa a minha dor, perdoa estes meus pedidos de perdão. Minha vida está nas tuas mãos — e eu vou continuar lutando para escapar dessa dívida impagável.
Eu te amo, mãe. Perdoa a minha impaciência... é que o céu parece tão bonito, e eu não consigo aprender a voar...
Nenhum comentário:
Postar um comentário