domingo, 31 de maio de 2009

Para a seção "A vida imita..."

Então eu comecei a pensar em tentar virar uma loremaster. Tudo o que eu preciso é de muitos ranks em knowledge, aprender a fazer alguns itens e desenvolver muitas habilidades de dedução e chute. É claro que é um pouco degradante para alguém que acredita fortemente no poder da verdade e do conhecimento verdadeiro, mas talvez eu possa chegar lá por caminhos menos, bem, sujos. Acho que saber praticamente qualquer coisa é simplesmente válido.

Eu não me incomodaria de me tornar uma velha dessas que sabem tudo e estão sempre contando histórias. Eu posso viver para sempre se for pra viver assim. Eu posso perseguir histórias e criar histórias e dominar o mundo, quer dizer, influenciar os outros a acreditarem no que eu acredito e continuar aprendendo loucamente sempre. Talvez essa seja uma espécie em extinção, mas eu não acharia chato ser assim.

Ou acharia? Eu me pergunto isso sempre, se seria chato demais me dedicar tanto assim ao conhecimento, se eu não deveria deixar isso para personagens baseados em Int em vez de tomar isso como minha responsabilidade, já que, por mais que poucas coisas me deixem tão feliz quanto aprender, eu não sei se eu poderia ser feliz se aprender fosse a coisa mais importante.

Ontem quando o Kim começou a falar sobre biblioteconomia eu lembrei que eu queria fazer esse curso porque achei que ia ser um curso de passar muito tempo em bibliotecas, mas acabei desistindo porque isso parecia idiota e eu imaginei que devia ser alguma outra coisa, mas agora que eu descobri que realmente é um curso de passar muito tempo dentro da biblioteca, aprendendo muito sobre todas as coisas sobre as quais se escrevem livros, eu comecei a considerar se teria sido mais legal se eu tivesse mesmo ido fazer esse curso.

Eu não sei. Não consigo enxergar com clareza nenhuma das possibilidades. Por enquanto me parece lógico continuar onde estou, onde tenho amigos, embora não consiga me aproximar deles (talvez eu mesma não me permita uma aproximação?), onde aprendo coisas interessantes, embora sinta que não me serão úteis senão da forma que qualquer coisa no mundo é útil (exceto, talvez, O Jogo), onde tenho desafios, que embora não me deliciem ainda assim me levam a diversos limites, e onde estou aprendendo a ser forte, embora talvez à custa da inocência, da tranqüilidade e de alguns sonhos. O importante é conseguir segurar com muita força os sonhos e não permitir que nada derrube minha determinação. Mas, por enquanto, não consigo ver como sair deste campo de batalha sem estar efetivamente fugindo com o rabo entre as pernas. É muito importante que eu possa olhar nos olhos das pessoas que me insultarão no futuro.

Não sei, às vezes eu me sinto meio ridícula... Mas como eu entendo porque eu penso e ajo assim, eu começo a achar ridículo me achar ridícula. Às vezes eu só queria ser uma bárbara no meio da savana, só pra extravasar.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

E essas coisas

Eu me pergunto o que estou fazendo aqui. Esperando o próximo fim de semana, a próxima aventura trivial num mundo extremamente mágico; o próximo beijo. Quem sabe se fechar os olhos haverão dragões. Os dragões estão todos mortos neste mundo. Mas quem sabe, se eu andar e andar e andar, eu consiga chegar num lugar onde há dragões. Balanço a cabeça e me concentro na próxima tarefa. Mas minha mente cheia de perguntas não se concentra em nada. Os dragões estão mortos neste mundo, e sinto tremenda saudade de haverem dragões.
E sigo: tento lembrar quem eu era, ter qualquer lembrança, qualquer vislumbre, mas a lida te endurece e rareia o cabelo e avermelha a pele e antes que tomemos conta estamos velhos — velhos como macaco velho, sabidos, antigos e maus. Se passar tempo demais, pode acontecer, morremos. Se passar tempo demais viramos poeira por dentro. Agora mesmo estou cuspindo fuligem. Agora mesmo estou procurando ajuda, e não vejo ninguém.
Deve ser assim que os velhos se sentem, sozinhos, quando todos os seus amigos estão mortos ou senis. Deve ser assim que se sentem rodeados por crianças que sabem tudo e por um mundo que não compreendem. Como um estrangeiro, como um prisioneiro, sonhando de noite e de dia com aquela casa enorme da sua infância. Eu também tenho uma casa enorme na minha infância. E eu sinto tanta saudade daquela casa...
Parece que todos os meus amigos estão mortos, só que quem foi embora fui eu. Eu não vejo casa vazia, eu não vejo casa nenhuma. As coisas que eu faço, as tarefas, as perquisas, eu sou como aquele empregado que detesta seu trabalho e trabalha pra sobreviver. Eu nunca sei por onde começar, cada vez mais eu não entendo nada, eu procuro, eu preciso de ajuda, estou cansada de estar sempre sozinha. Mas quem sabe não estamos sempre sozinhos o tempo todo, e apenas eu não perceba porque eu sou eu e vejo apenas através de meus próprios olhos. Estou tão cansada de nada nunca dar certo.
Estou como que lutando uma guerra em terra estranha, não posso voltar enquanto não vencermos, não posso abandonar essa batalha; morrer seria mais honroso; quero voltar para casa, nunca mais estive em casa, sinto falta de tudo lá, e lá sempre haverá dragões... Como tenho mêdo! Tenho mêdo de não poder voltar, tenho mêdo de lutar para sempre; e se a guerra nunca acabar? As pessoas aqui são estranhas, mas aos poucos vou fazendo amigos. Aos poucos, muito, muito devagar, eles vão entendendo que sou ao mesmo tempo como eles e completamente diferente. Aos poucos também vou pegando a manha deste modo de vida, quando não estou gritando de desespero no meu quarto, vou entendendo as sutilezas e as belezas desta terra, e vou me tornando eles, mais e mais. Quando voltar para casa quem sabe eu terei habilidades úteis para emprestar aos meus conterrâneos. Ou será que ao voltar para casa, minha mudança terá sido tamanha que mesmo lá serei apenas diferente?
Olho para trás, o caminho de casa não existe, eu haverei de andar por léguas sem fim em busca desse lugar sagrado, eu andarei o mundo à procura de mim. É preciso que o tempo dure pra sempre para que eu possa encontrar meu lugar. De onde eu venho, existem pessoas que vivem para sempre. Assim eu poderia ver tudo, encontrar tudo, eu quero conhecer tudo e estar em todos os lugares. De onde eu venho, é esse o sonho de todas as crianças. As crianças crescem para viver assim.
Aqui, não, aqui somos todos guerreiros, não posso me distrair com bobagens porque ainda tenho muito o que aprender para poder lutar bem. Essa guerra é a minha vida. Aos poucos vou começando a entender que a vida é assim mesmo, que é aqui que vivemos, que é isto o que fazemos; aos poucos vou esquecendo de anotar o caminho de casa, aos poucos vou me afastando mais e mais e mais. Depois daqui, para onde será que eu vou? O mundo é imenso, e eu não tenho mais casa, eu devo percorrer o mundo inteiro, é isso que eu sou.
Eu sinto que estou perdendo tempo. Acho que estou atrasada. Vejo meus colegas fazendo projetos, pesquisas, participando de concursos, trabalhando. Eu não posso fazer nada disso, eu me dedico inteiramente a esta guerra. Esta guerra é a minha vida. Contra quem estamos lutando? Pelo quê estamos lutando? Eu não pergunto nada, apenas sigo as ordens. Eu não posso desistir da minha batalha. Mesmo se eu nunca vencer, continuarei lutando, continuarei tentando, até que seja o fim de tudo. De nós. Mas se eu não viver para sempre, enquanto eu estou nesta guerra eu estou para sempre morta. Tenho medo de um dia estar velha e cometer suicídio. Tenho medo de um dia ficar inconsciente.
Outra coisa de que tenho mêdo é de nunca encontrar o caminho de casa...

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Olhos brancos

Naceu num verão de Stellacranei um filhote pálido como os demais, de pelo negro como os demais, e com os mesmos caninos pontudo — mas cego. Falar, falava, mas nunca coisas compreensíveis. O velho Cedro Sábio suspirava que o menino tinha boca-de-estrela, e só podia falar aos poetas. As crianças ouviam, mas tinham mêdo. Os adultos queriam que ele ficasse quieto.
Chamaram-lhe Olhos Brancos e o deixaram na escuridão da floresta. Ele voltava sempre mas era menos homem e mais animal. Jangada Seca, pai de vinte-e-cinco mas que nunca pegara uma caça, lhe dava um pedaço de carne para dividir com o cachorro. O menino aceitava e murmurava uma prece que fazia Jangada Seca apertar os olhos e os dentes de desagrado. As crianças, se viam Olhos Brancos, cuspiam e batiam os calcanhares no chão para evitar mau-agouro. O menino se sumia na floresta, mas amanhecia no dia seguinte nos braços da estátua central do Grande Jah — dormindo em seus braços imensos, fundido à pedra anciã. E acordava rugindo um épico: palavras longas demais, belas demais, que doíam nos corações de todos os Coyotes de Stellacranei. Arma Cega, guerreira feroz e filha da mesma mãe de Olhos Brancos, atiçava o irmão com uma lança e o expulsava da praça com gritos e hissados ferozes, querendo verter-lhe o sangue. Os Coyotes não conhecem a paz, por isso ferem tudo o que desconhecem.
O único que tocou a mão de Olhos Brancos foi Folha Morta, menino de voz aguda, olhos vermelhos, pele escurecida pela doença de sua mãe. Folha Morta era exímio caçador mas também era um pária: se tocasse com suas garras qualquer um dos outros, seria desmembrado pela tribo. Folha Morta tomou o menino pela mão e o levou até além do coração da floresta e lhe apontou o caminho, mas não podía segui-lo.
— Pela margem sempre, lá o Deus., ele disse (para os Coyotes, Deus era tudo o que não podiam pegar, morder ou arranhar). Folha Morta não podia partir mas mandou com o menino seu único amigo, um homem estranho que não tinha garras, não tinha caninos e tinha a pele escura. Além disso, Olmo Tolo não falava.
Olhos Brancos respondeu numa frase só; disse que se os aéreos soprassem uma raíz, não haveria floresta, haveria flores. Depois disso partiram.
Para Olmo Tolo o mundo era uma sinfonia e para Olhos Brancos o mundo era um caleidoscópio. Nenhum dos dois poderia olhar o horizonte sem ferir os olhos. Andaram até uma cidade onde não havia lei nem nome, e mesmo quando acorrentados dentro de uma jaula seus corações ainda estavam completamente encantados. O menino devorava o pão seco que lhe jogavam e o homem o abraçava quando chegava a manhã, pedindo que lhe sussurrase uma história. Foram jogados um dia numa grande arena, e continuaram abraçados. Para Olhos Brancos, o mundo poderia ser um incrível vento luminoso. Quando ele abriu a boca, era o que queria falar. Queria falar do mundo, esse grande vento luminoso.



Os habitantes de Maxímia não eram surdos como os Coyotes. Eles ouviram as palavras de Olhos Brancos, eles vislumbraram a alma de Olhos Brancos. Um a um os habitantes de Maxímia, confusos e emocionados, levantaram-se dos seus lugares. A princípio para lhe atirar bobagens, para reclamar que não estavam entendendo nada — mas depois, cada vez mais, embevecidos, como que dominados pelas palavras fluidas, pela sonoridade, pela potência da canção de Olhos Brancos, pela perfeição de suas metáforas, pela beleza de suas construções — e tudo fluía como castelos de areia, como cartas, como um vento que vira um palácio, como aquilo que os Coyotes chamavam de Deus.

Quando terminou, Olhos Brancos abriu os olhos. Para Olhos Brancos, o mundo era incrivelmente belo.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Cuspe

Para desvelar e descalar o mundo, o mundo que ainda é escória, (não - escória é a raiva do mundo) para desmistificar o mundo, cuspo, sem som, minha impiedade, meu nojo dessa existência imunda.

Para esquecer: uma história.