segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Perguntas (e uma Maldição)

De novo estou publicando provisoriamente. Lembrem que o resto da história está aqui.

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Ainda me lembro claramente da revolta que senti naquele momento, com os olhos antigos da velha observando o efeito que suas palavras tinham em mim. Ela terminou a história com um tom tão solene que eu decidi que ela só podia ser estúpida ou louca. Eu era uma criança que acrediatava no certo e no errado, e pra mim era uma coisa errada você contar uma história que não fizesse sentido. Que tipo de história era aquela, em que o herói deixa a donzela pra trás e depois a mata, e nem se sente mal? Na arrogância infinita que os meninos aventureiros tem, eu levantei a voz e exigi que ela pelo menos admitisse sua vergonha.

- Essa não é a história de Roder, sua velha louca! Achei que a senhora ia me contar uma versão nova e melhor porque a senhora é daqui, mas essa história é pior que as que a Lilinha, que tem três anos, conta! Não tem pé nem cabeça! Como que a Faelyn podia estar dentro da caverna, se ela tava esperando pelo herói por meses e anos?! Como que Faelyn podia ser o dragão, se o dragão tinha aprisionado Faelyn um primeiro lugar?! Como que...

Mas nessa hora a velha não estava mais séria e tinha começado a sorrir de um jeito maroto, um jeito mau, como se estivesse tirando sarro de mim, se divertindo como se eu tivesse caído direitinho em sua armadilha. Eu ainda tentei insistir mais um pouco mais, mas minha imaginação estava trabalhando mais rápido do que eu podia contê-la, e atribuindo sentido à história toda.

- Sabe o que que eu acho? Eu acho que você é Faelyn, e que você inventou essa história porque você queria ser a princesa que o Roder salvou, mas não foi, e ele matou o dragão e depois fugiu com uma outra princesa, uma princesa que não chamava Faelyn, e que era muito mais bonita e mais delicada e mais jovem que você, que é só uma velha coroca que nenhum herói gosta e que nem sabe contar história!

Eu estava revoltado e tinha perdido toda a delicadeza. Quando me dei conta do que havia dito, de quão gravemente eu havia insultado aquela senhora, aquela mulher apavorante que provavelmente também era uma bruxa, eu gelei, certo de que viria uma grande punição. O sorriso dela tinha diminuído, e eu senti que havia uma certa dose de desagrado naquele sorriso duro, que parecia forçado, e no jeito como os olhos verdes estavam fixados tão intensamente em mim. Eu estava com mêdo e queria procurar uma rota de fuga, queria escapar daquela mulher, mas também não podia desviar os olhos dela. E havia um pouco de orgulho ali também, porque eu não queria virar as costas para uma mulher tão baixa que podia destruir uma história nobre como a de Roder apenas por sua própria vaidade. Felizmente, antes que eu criasse coragem de fazer alguma coisa, ela tornou a falar:

- Você comete o mesmo erro de sempre, menino, mesmo depois que eu lhe avisei. O problema não está nas histórias, está nos ouvidos de garotinhos como você, que acham que só os que as avós deles contaram é verdade. Que acham que os heróis são grandes e apaixonados por lindas donzelas, que são frágeis e só querem ser resgatadas. Garotinhos como você nada sabem de dragões. Eu lhe dei uma história de grande poder, uma história que é verdadeira e fala sobre verdades, e você vai aprender o valor dela com o tempo. Essa história é sobre como Roder matou sua primeira donzela por ser apaixonado por dragões. Você encontrará, em sua vida, outras histórias que sua avó não poderia lhe contar, histórias que não são grandiosas e não falam sobre conquistas, e sim sobre derrotas. E você mesmo também viverá suas próprias histórias, e você entenderá que nem tudo é o que parece, e que nem sempre e fácil entender de que tipo de história você está participando...

A velha não estava mais sorrindo, só estava me olhando enquanto a sua voz melodiosa me enfeitiçava outra vez, e ela de novo parecia uma mulher jovem e bonita. Eu estava coberto de calafrios.

- Por exemplo, - ela continuou - a história do ogro que você matou. Será que ele era mesmo um monstro terrível raptor de donzelas? Ou será que monstro não é você, que entrou em sua casa e o agrediu, você, que começou, como Roder, querendo salvar donzelas, e que no final só tinha pensamentos para o sangue de monstro lhe cobrindo?!

Eu não podia mais me mexer, e tinha certeza agora de que ela era uma bruxa, que sabia tudo sobre mim e que ia me transformar em alguma coisa horrível, talvez um ogro. Conforme ela falava essas coisas, seu olhar ia ficando mais intenso e assustador, embora a voz continuasse calma e agradável. Mas, de uma hora para outra, ela estava vociferando, dizendo coisas que me perseguiriam pelo resto da vida.

- Você é amaldiçoado, Meranael! Você tem a maldição do matador de monstros e do contador de histórias, e você seguirá os passos dos grandes heróis, mas não os que você imagina, e sim os que eles realmente deram. Você enfrentará desafios, e conhecerá mais pessoas e lugares do que você espera conhecer, mas você terá sede pela verdade, e ela sempre escapará por entre seus dedos. Você contará muitas histórias, mas nenhuma história verdadeira jamais estará completa, e muitas vezes as histórias verdadeiras não farão sentido como você espera. Mas, enquando sua alma humana permanecer neste mundo, você não se desviará do seu caminho."

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Puta merda.

Eu não sei porque, eu só me sinto ofendida. Não sei bem o quê. A presença de você me ofende. A palavra, o gesto, a existência. De tudo, se pá. Era pra ser mais bonito, o sonho ainda é bonito, meus olhos na realidade vêem tudo desagradável. Mesmo o que é lindo, tudo parece que me exclui. Eu tenho o que nunca mais tivera: raiva. E eu não quero ter raiva.

Eu quero ser controlada e calma e saber o que fazer na hora certa. Eu quero andar com você. Eu quero ser respeitada, eu quero me respeitar. Eu quero merecer, mas talvez no fundo eu não me ache merecedora. É muito difícil.

Eu lembro do dia em que você me empurrou para frente e me deu a oportunidade de ser o líder do bando. Eu queria agradecer a você. Eu não sabia o que fazer naquela hora, mas agora eu quero saber. Eu não quero ser aquela pessoa que não consegue tomar decisões por conta própria, eu não quero ser apenas uma observadora. Agora eu quero ser.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Manhã em Raéa

Na cidade de Raéa tudo era tão bonito! As praças estavam cobertas de lírios e as torres dos palácios se erguiam claras e majestosas em direção ao céu azul e límpido lá em cima. Em Raéa nunca chovia, nunca ficava nublado, talvez porque a cidade estava acima da maioria das nuvens, no topo dos picos fantásticos que o povo comum chamava de Heaven. É claro que o nome original do lugar era Haven, mas quem discordaria do nome que o povo dava, quer dizer, haveria um lugar mais próximo de se chamar de Céu? Os enormes pássaros de Raéa se agitavam e cantavam para despertar a cidade. Os habitantes de Raéa, como qualquer povo de boa fé, veneravam a Quemi, o Pássaro das Cores, e a Quehy, a Fênix de Luz. Exemplares jovens das duas espécies saltitavam aqui e ali, colorindo e iluminando o ar em que dançavam; mas o pássaro mais presente da cidade era o que eles chamavam de Alma dos Ventos, uma ave imponente que parecia nunca parar de crescer e que viajava distância inacreditável para fazer seus ninhos nas torres dos palácios. E, como era bem cedo, os parapeitos das janelas estavam apinhados de Almas das Manhãs, os menores pássaros de Raéa (ainda um pouco maiores que um sabiá de peito laranja), que tinham penas macias como as plumas de um bebê e que se reuniam ao nascer do sol para se aquecer, conversar com seus irmãos em trinados baixos e graves e entoar adoráveis cantigas de acordar. Não havia melhor forma de acordar que o amanhecer de Raéa! O sol entrava por todas as janelas e fazia brilhar as torres imaculadamente brancas. As casas baixas, feitas de blocos mais rudes das pedras claras das montanhas, estavam cobertas de flores delicadas que se abriam ao toque do sol. Cada porta, esculpida na mais nobre madeira jovem que crescia timidamente abaixo das nuvens, se abria, e cada janela, apenas para deixar o vento entrar. Logo todos estariam despertos, e a cidade estaria cantando com o prazer de um novo dia. Era por essas manhãs que Lyserh vivia. Ele adorava saltar para a rua e sentir o ar correndo por sua pele enquanto abrandava a queda. O azul do céu e o branco brilhante das casas e das flores o preenchia , como o calor do sol. Ele cumprimentava os pássaros ao caminhar pela praça. Era sua vez de ser feliz. Era tudo o que tinha na vida.
Neste dia, Ly também estava feliz porque ia conseguir uma coisa a mais, uma coisa a mais a que se agarrar nos momentos em que a luz parecia distante. Ele não tinha a menor dúvida de que a partir de então ele seria feliz! Ali, em Raéa, onde cada dia era perfeito, ali ele ia encontrar seu lugar do lado direito de Deus. Era impossível parar de sorrir. Ali ele ia encontrar aquilo que daria sentido à sua vida.
Ele atravessou mais algumas praças cobertas de lírios, e algumas ruas estreitas e floridas, saltitando de pedra em pedra e cantarolando para acompanhar as Almas. Antigamente ele costumava pensar com freqüência em como seria, depois da morte, é claro, ser um pássaro e passar seus dias planando e chilreando por aí; mas hoje esse pensamento sequer lhe ocorreu -- a vida parecia tão bela assim do jeito que estava! Era difícil pensar em coisas tristes ou mesmo coisas imperfeitas neste dia alegre.
Uma sombra passou por sua cabeça; a sombra do pórtico que separava seu bairro, cheio de jardins, do centro de Raéa, onde as construções altas de pedra antiga e acinzentada deixavam todo o espaço fresco e sombreado. A rua em frente era longa, estreita e cheias de portas dos dois lados, numa parede de sobrados interrompida a cada dezena de metros por vielas laterais. Mais adiante, a rua se inclinava em direção ao cume da cidade, e os topos das construções da região mais alta apareciam por trás dos telhados dos sobrados.
Lysere pôr os pés no chão e correu pelos próximos quarteirões, ansioso agora que podia enxergar a ponta do prédio ao qual se dirigia. As ruas estreitas e sinuosas do centro estavam apenas acordando, e o menino, que conhecia Raéa com a planta dos pés, corria através das primeiras barracas montadas nos mercados, e cortava caminho por dentro das galerias que acabaram de abrir, e se enfiava em ruelas esmagadas entre casarões para atravessar pracinhas nos fundos dos quarteirões. Em Raéa, conforme se chegava mais perto do cume, mais as construções tinham ornamentos e torres e balaustradas, e mais eram feitas de pedras coloridas e inclusive mais escuras, e aqui algumas delas tinham também gárgulas pretas sobre os balaústres, beirais e cumeeiras, com formato de dragão mostrando os dentes, e mais para cima ainda haveria gárgulas de pedra clara, com formato de grifo ou de águia, e nos pés e nas costas das gárgulas as Almas das Manhãs faziam seus ninhos, equilibrados.
Mas a rua que Lysere procurava era uma curta e um pouco mais larga, escondida no meio das ruas amontoadas do centro, ainda na região onde as gárgulas eram pretas e as construções eram de pedra cinza mais escura que em todo o resto da cidade. Para chegar nessa rua era preciso passar por galerias e vielas e caminhos que nem todos conheciam, e ela estava fora de todas as rotas da vias grandes, e por isso era muito vazia e tranqüila, e a essa hora da manhã parecia deserta. Essa era a rua dos mestres do conhecimento, que viviam reclusos com seus discípulos em suas torres estreitas. Cada torre era cercada por um muro baixo, com portões vazados e ornamentados que davam para a rua, e muitas delas tinham jardins ou sacadas, onde às vezes era possível ver um aprendiz dormitando, lendo ou apreciando a manhã. Algumas das torres eram apenas prédinhos quadrados de três ou quatro andares, outras eram circulares e iam afinando nos andares mais altos; algumas delas tinham portões grandes no andar térreo, outras tinham portas pequenas de madeira, e algumas ainda tinham apenas uma escada exterior que levava a uma porta-balcão no meio do segundo-andar. Muitas delas tinham os andares superiores feitos de pedra branca, como as casas das periferias da cidade. A Rua dos Mestres era uma das mais antigas da cidade, e quando Liserh corria por ela ele sentia o cheiro das madeiras e pedras escuras e das trepadeiras que cobriam todos os muros e quase fechavam as grandes janelas, e sentia o olhar das gárgulas monstruosas vigiando-o em seu caminho, o mêdo que toda criança tinha daquela parte da cidade se somando ao nervosismo pelo que ia acontecer com ele hoje. Quando chegou ao seu destino, Liserh parou para recuperar o fôlego e a calma, querendo parecer controlado e respeitável ao entrar.
Era apenas por um acaso histórico que a pena de Raéa do Braço do Grande Anjo, a força militar de elite que servia à defesa de Heaven, tinha sua sede na Rua dos Pensamentes. O prédio da sede se destacava de longe porque suas paredes eram impecavelmente brancas, livres de trepadeiras, ao invés de ter gárgulas negras e assustadoras espalhadas pelos beirais, tinha um único Grifo branco e dourado alçando vôo de cima da grande janela do terceiro andar, sobre um telhado ornamentado apenas com telhas em forma de penas. O terreno era maior do que os outros da rua, e o portão era mais alto, e o próprio prédio era mais largo, e embora não fosse um dos mais altos, ele se destacava por seu uma construção inteiriça, diferente das outras torres que tinham pedaços construídos em época diferentes. Desde a primeira vez em que vira aquele prédio, Liserh sentira que ele era especial, e quando aprendera na escola que aquela era a sede do Braço do Grande Anjo, se tornara seu sonho um dia ser chamado para entrar naquele lugar.

(estou publicando provisóriamente, deixem comentários)

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Explanação

Yeah, ok, eu vou explicar what was that all about.
Hoje tivemos uma reunião pra discutir o que vamos fazer com a nova casa, o que comprar, quanto vamos gastar, yatta yatta yatta. E eu meio que fui convencida de que meus gastos regulares vão subir consideravelmente, e eu ainda não estou convencida de que vou conseguir ganhar o dinheiro necessário, e isso me assusta. É claro que tem outras coisas envolvidas, mêdo de mudar de vida, mêdo de sair de casa, a dor de abandonar coisas familiares, a insegurança perante o futuro, etc etc. Mas a questão objetiva que mais me apavora é que eu simplesmente não sei se eu consigo grana suficiente.

Quer dizer, eu planejo conseguir bolsas de IC e monitoria, eu planejo conseguir dar aulas particulares, mas tudo isso é tão inseguro, é tanta coisa que eu nunca consegui antes e que eu não sei se eu estou simplesmente sonhando alto demais de novo... Meu mêdo é de ser obrigada a arranjar emprego, o que me obrigaria a deixar a faculdade meio em segundo plano. No fundo, meus irmãos estão empregados, meu namorado está formado, e eu me sinto a caçula, dando passos maiores do que o razoável para acompanhar o andar de gente mais velha, mais estabelecida, mais confiante. Eu estou apavorada, e eu não sei como encarar esse mêdo. Eu não sinto que exista nenhuma boa opção, eu não me sinto capaz de fazer o que é preciso, eu não acho que nada vai dar certo só porque tem que dar, de alguma forma. Eu não acho que as coisas vão se acertar.

Eu estou apavorada, e eu sei que a solução seria eu ser forte e eficiente e mostrar serviço e conquistar as coisas certas, mas eu estou tão assustada e confusa que só está mais difícil do que nunca fazer a coisa certa. E eu nunca fui boa nisso de qualquer forma. Eu sempre fui ligeiramente incompetente. E eu sinto que de repente eu não vou ter mais espaço pra isso, e que eu não vou mais conseguir acompanhar. Que eu vou simplesmente parar de conseguir bancar as coisas. Que pra mim vai ser consideravelmente mais difícil que pros outros, e que talvez eu acabe desistindo. Você não é tudo o que eu preciso, e eu não sei se eu tenho o que eu preciso pra sobreviver.

Eu estou apavorada, e eu não sei ainda se esse pavor é fundamentado.