quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Reflexão desestruturada sobre a minha percepção das estruturas sociais

Eu queria aproveitar para registrar uma mudança de visão de mundo que está me ocorrendo.
Percebo que nos últimos anos minha visão de mundo tem mudado mais, e mais abruptamente, do que costumava ocorrer.
Atribuo a isso um processo de amadurecimento, diversificação de experiências e adentração em estruturas sociais que fazem parte que um mundo exterior que não estavam acessíveis para mim na minha adolescência resguardada (tenho um impulso de chamar esses espaços de espaços adultos, mas agora é evidente para mim que a maior parte das pessoas que os habitam (digamos, mais habitualmente) estão aqui desde a infância ou adolescência; e essa diferença é conseqüência de uma diferença de estruturas familiares associada a posicionamentos políticos e econômicos que eu também não era capaz de ver até recentemente).

Digo "adolescência resguardada" porque estudei durante doze anos em uma mesma escola onde as diversidades do mundo exterior pareciam não alcançar. Não estou falando apenas da diversidade de classes sociais, embora essa talvez seja a mais importante. Na época, eu identificava a diversidade interna que existia: alguns alunos eram mais estudiosos, alguns eram mais artísticos, alguns eram mais politizados, etc etc etc. Mas ao conversar com pessoas de outras escolas, percebo que o padrão era as diferenças se exacerbarem, e os alunos se dividirem em tribos de estilo e comportamento; enquanto na minha escola as diferenças eram amenizadas (nunca tivemos aquelas "tribos urbanas" que aparentemente houveram em São Paulo - emos, clubbers, góticos, punks, etc (se bem que eu apostaria que existam hipsters e outros tipos "alternativos"... mas de um jeito pacífico e sem conflitos)).

Eu sempre comento como até a sétima ou oitava série, eu tinha certeza de que todos os meus colegas eram brancos, muito embora alguns colegas muito próximos distintamente não o fossem. Eu sinto que havia um esforço institucional para que nos sentíssemos sempre coletivamente como um grupo da classe mais privilegiada possível. Afinal, nosso futuro era governar o país.

Meus colegas que estudaram comigo talvez não partilhem dessa impressão.

Minha família também não era incrivelmente dada às diversidades -- tínhamos poucos amigos, se muito próximos. Aliás, eu não conhecia ninguém que não fosse da escola ou da família. Minha família também tinha uma estrutura muito bem estabelecida: as crianças se organizavam em volta dos pais que se organizavam em volta das avós; as crianças mais velhas cuidavam (e às vezes comandavam) as mais novas. Quando minha avó materna morreu, minha mãe (a filha mais velha) tomou seu lugar como organizadora da família. Isso durou alguns anos antes de as coisas ficarem confusas.

Enfim, eu costumava ver as estruturas de poder (que termo chique né) como uma arquitetura sólida, como uma organização hierárquica (como a família e o governo). Mas nos últimos anos comecei a enxergá-las como um emaranhado confuso de relações conflituosas, onde cada fio é extremamente frágil e fadado a arrebentar, mas o nó é extremamente difícil de desfazer. Acho que parte disso vêm do contato com os movimentos sociais e com o anarquismo, mas parte disso vem também de descobrir que meus modelos da sociedade, a família e a escola, não eram tão universais quanto eu imaginava.

Durante algum tempo da vida eu acreditei na cascata das relações de poder. Acreditei naquela fábula do abuso de poder, na qual o homem é abusado pelo patrão, volta pra casa e bate na mulher, que por sua vez grita com a criança mais velha, que bate na criança menor, que chuta o cachorro, que termina destroçando um bicho de pelúcia. Mas eu descobri que podem haver famílias nas quais as crianças se unem pra resistir aos abusos dos pais, em vez de abusar umas às outras.