sexta-feira, 30 de novembro de 2007

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Nada, não. Isto tudo é só sua imaginação...



Minha gata está sentada em cima de uns livros na frente da janela, olhando pra baixo e miando agudo para algo que eu não tenho a menor idéia do que pode ser. Eu sei que ela ouve quando eu rôo o unha do indicador (que está 0,3mm maior do que eu consigo suportar) porque ela vira a orelha direita na minha direção e me manda um meio-olhar de soslaio (isso é uma redundância?). Nas cinco ou seis árvores que vejo atrás do muro branco além da minha janela, os milhares de galhos pequenos e folhudos que nasceram para compôr a majestosa exuberância do verão balançam suavemente com o vento. O azul do céu está tão claro que parece branco, e ofusca um pouco minha visão dos galhos.

Está tarde, e eu não cumpri meu dever.

Está tarde, e eu cumpri meu dever, mas não sei a que ele se presta.

Está tarde demais para correr atrás dos furos que assustam no começo do meu currículo. Estou apaixonada, quero tudo muito, e o segundo pedaço do bolo talvez eu tenha que dividir em dois. Eu gosto de mim, mas é muito difícil acreditar naquilo que faço e não faço.

Eu fui trabalhar para anestesiar a frustração de não trabalhar no meu atual emprego-faculdade. E quando chega o fim de semana estou sempre pensando odeio-sexta-feira. : "é que às vezes os ícones ficam em cima uns dos outros, aí eu não encontro...". -- esse foi o primeiro dia.



Minha gata está se debruçando para fora da janela, e eu vejo seu coração batendo rápido rápido. Nos olhos arregalados os músculos-íris relaxam fazendo as pupilas virarem uns filetinhos pretos; e os pelos logo atrás das costelas balançam conforme sua respiração se acelera.



Ninguém pode prever o que acontece depois a desilusão toma conta. Nem mesmo os elefantes.



Ouve um dia em que eu amanheci no chão de pedra do quintal da minha casa. Logo depois meus dois cachorros vieram me cobrir de baba de cachorro, sujeira de pêlo de cachorro e amor pegajoso de cachorro.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Carta de Amor

Em Alana, as histórias são escritas nos troncos das árvores e na superfície das pedras. É o velho de túnica azul que grava cada uma das letras, toda vez que chega à cidade. Assim que termina de gravar, ele parte outra vez para a Montanha do Marco de Ouro, onde espera encontrar a nascente mágica da Água das Histórias, que lhe permitirá contar todas as histórias que quiser. Entretanto, ele nunca chega à montanha, muito menos ao Marco de Ouro, e nunca chegou sequer a ouvir de longe o ruído de um regato onde desaguasse qualquer fio de água que viesse da nascente que procura! É que no caminho, o velho sempre acaba encontrando alguém que lhe conta uma história nova, intrigante e cheia de ensinamentos, e quando o velho a ouve é tomado por uma imensa necessidade de voltar a Alana e contá-la a todos os seus habitantes. Ele num instante dá meia volta, e enquanto anda vai contando a história a todos que encontra no caminho, e mesmo de si para si, recomeçando da primeira palavra assim que a termina, repetindo-a sempre como a um mantra ou uma prece, para não esquecê-la ou para espalhá-la por todo o caminho, como uma bênção.


Assim, quando chega a Alana o velho já não tem voz para contar a história a ninguém; mas a sabe de cor, palavra por palavra, e sua vontade de contá-la é ainda maior do que antes. É por isso que o velho mune-se de talhadeira ou faca e grava, nas pedras e nas árvores, cada letra da história que aprendeu — história que não vem da puríssima Água das Histórias, e que não foi sequer procurada; mas que foi ouvida ao acaso, ao redor de uma fogueira no campo, ou à mesa, na hora da ceia, ou num abrigo de chuva, ou sobre um carro de bois... ou mesmo numa estrada, da boca dum viajor que se cansa do silêncio dos seus próprios passos.