segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Carta de Amor

Em Alana, as histórias são escritas nos troncos das árvores e na superfície das pedras. É o velho de túnica azul que grava cada uma das letras, toda vez que chega à cidade. Assim que termina de gravar, ele parte outra vez para a Montanha do Marco de Ouro, onde espera encontrar a nascente mágica da Água das Histórias, que lhe permitirá contar todas as histórias que quiser. Entretanto, ele nunca chega à montanha, muito menos ao Marco de Ouro, e nunca chegou sequer a ouvir de longe o ruído de um regato onde desaguasse qualquer fio de água que viesse da nascente que procura! É que no caminho, o velho sempre acaba encontrando alguém que lhe conta uma história nova, intrigante e cheia de ensinamentos, e quando o velho a ouve é tomado por uma imensa necessidade de voltar a Alana e contá-la a todos os seus habitantes. Ele num instante dá meia volta, e enquanto anda vai contando a história a todos que encontra no caminho, e mesmo de si para si, recomeçando da primeira palavra assim que a termina, repetindo-a sempre como a um mantra ou uma prece, para não esquecê-la ou para espalhá-la por todo o caminho, como uma bênção.


Assim, quando chega a Alana o velho já não tem voz para contar a história a ninguém; mas a sabe de cor, palavra por palavra, e sua vontade de contá-la é ainda maior do que antes. É por isso que o velho mune-se de talhadeira ou faca e grava, nas pedras e nas árvores, cada letra da história que aprendeu — história que não vem da puríssima Água das Histórias, e que não foi sequer procurada; mas que foi ouvida ao acaso, ao redor de uma fogueira no campo, ou à mesa, na hora da ceia, ou num abrigo de chuva, ou sobre um carro de bois... ou mesmo numa estrada, da boca dum viajor que se cansa do silêncio dos seus próprios passos.

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