segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

História tradicional de matamento de ogro

um monstro enorme, feio, com tufos de pelos dispersos pelo corpo deformado, com garras nas mãos e nos pés, pele cinzenta e sem orelhas.Os irmãos de Jennie o haviam cercado, e tentavam atacá-lo com suas armas, mas o ogro respondia com patadas que lançavam longe os agressores. Quando cheguei vi o último forcado ser reduzido a pedaços pela fúria do ogro, que sacudia pelo meio da lâmina o facão tomado do irmão do meio. Os homens desarmados ora se encolhiam contra as paredes da caverna, ora avançavam tentando assustar o monstro com o fogo de suas tochas. O irmão mais velho, que tinha o machado, soltou um urro de coragem e correu para o ogro numa última investida louca. Nessa hora, eu comecei a enxergar as coisas muito claramente. Vi o ogro levantar sua mão enorme e agarrar o machado das mãos do irmão mais velho, vi o irmão mais velho levantado no ar e levando um soco do ogro que o grudava na parede do outro lado da caverna; vi o ogro rugindo vitorioso e devorando cada um dos cinco filhos do ferreiro Bart, deixando Jennie para a sobremesa. Vi tudo isso antes que acontecesse e tomei uma decisão que era quase um reflexo: saquei o bodoque do bolso e atirei na cabeça do ogro.
O ogro, já com a mão levantada para pegar o machado, levou a pedrada bem no buraco onde deveria estar a orelha, soltou um rugido de susto e dor, virando a cabeça, e soltou um urro ensurdecedor quando o machado do irmão mais velho esmigalhou os ossos do seu ombro esquerdo. Mas isso não foi suficiente: o monstro baixou a mão que estava levantada na cabeça do irmão de Jennie, e eu nem cheguei a vê-lo cair desacordado no chão, porque meu sangue gelou e e meu coração começou a bater tão rápido que doía: o ogro estava olhando diretamente para mim, e seu olhar era tão furioso que eu quase conseguia enxergar meu corpo sendo despedaçado na sua imaginação. Quando o primeiro músculo do imenso corpo cinzento do ogro começou a se mexer, minha mente perdeu o controle sobre meu corpo, e quando eu comecei a entender a situação, já estava longe dali, correndo muito mais rápido do que jamais correra na vida, completamente perdido dentro da caverna, e ainda ouvindo as passadas pesadas do monstro atrás de mim.
Corri como um louco até que o caminho se fechou à minha frente. O corredor acabava de repente numa parede de pedras que subia até uma abertura no teto. Tentei escalar a parede, mas a pedra em que me segurei soltou-se e eu caí no chão, com o ogro a poucos metros de mim. Nessa hora, encurralado, não senti mais nenhum mêdo, e de novo imagens muito claras passaram diante dos meus olhos: o ogro avançando, me pegando com suas mãos enormes e dividindo meu corpo ao meio com um puxão. Num instante desembainhei o facão de meu pai, o ogro abriu os braços para me agarrar, e enfiei a lâmina o mais fundo que podia na sua enorme barriga.
O ogro urrou e se afastou com a dor, quebrando a lâmina velha do facão com o movimento, me deixando com uma coisa quebrada e ensangüentada na mão. E quando o sangue do ogro esguichou do ferimento o me deixou completamente encharcado, eu esqueci completamente de quem eu havia sido, de meus pais, de Jennie, das machadadas que os irmãos de Jennie davam no monstro atordoado até que seus urros cessassem, dos meninos da comunidade, e até de nossas aventuras épicas, que eram o que consumia a maior parte dos meus esforços na vida. Fiquei ali parado, sem prestar atenção aos irmãos de Jennie, que corriam de um lado por outro procurando pela irmã, que não a encontravam, que recolhiam suas armas, que chutavam o corpo do ogro com raiva, que me pegavam nos ombros e me levavam para o acampamento lá fora e me punham sentado do lado do irmão mais velho desacordado. Eu tinha matado um ogro, eu era um herói, e naquela noite as únicas coisas reais do meu universo eram o sangue do ogro nas minhas roupas e o facão quebrado na minha mão.

Quando chegamos em casa, as pessoas começaram a comemorar nossa vitória, e fizeram uma festa mesmo depois que contamos que não havíamos encontrado Jennie. Logo descobrimos porquê: enquanto estávamos fora, Jennie voltara para casa, dizendo que havia apenas se perdido no bosque durante um passeio. Depois de alguns dias tudo voltou ao normal: o trabalho, as brincadeiras, as histórias, incluindo a minha nova história, que eu contava várias vezes por dia. Mas eu me sentia estranho. Agora nas brincadeiras os outros meninos sempre deixavam para mim o papel do herói, mas eu me cansava logo e ia fazer outras coisas. Logo contar minha história também perdeu a graça. Jennie era a que mais queria ouvir a história, sabendo que era para ser a história de seu resgate, e até propôs um final alternativo no qual ela estava mesmo prisioneira do ogro, e eu e seus irmãos a resgatávamos heroicamente. Mas eu não tinha mais vontade de conversar com ela. Então uma noite, Tia Ida contou uma história que eu já havia esquecido, a história da primeira aventura de Roder, na qual ele salvava uma princesa encantada das garras do ogro maligno de duas cabeças. Entendi aquilo como um sinal: o grande herói havia começado suas aventuras derrotando um ogro, assim como eu! Decidi que eu estava destinado a seguir os passos do meu ídolo. Naquela noite não consegui dormir — em vez disso, juntei todos os meus pertences e parti em direção à vila perto da qual Roder matara seu primeiro dragão.

domingo, 25 de janeiro de 2009

A História do garoto que queria ser herói

Para contar a história da minha voz, é preciso antes contar a história de como conheci o dragão Rolaf, ou seja, a história de como resolvi seguir os passos de Roder, o Grande Herói, quando eu era apenas um menino.
Eu nasci no campo, exatamente como aquela mulher. Acordava cedo para ajudar minhas irmãs no trabalho, e sempre que podia me juntava a outros meninos para explorar lugares perigosos, correr atrás de cachorros e brincar de heróis e vilões. Cresci vendo histórias desenhadas dos grandes cavaleiros matadores de monstros, e recriando nos bosques perto de casa as aventuras que Tia Ida, a irmã velha de meu pai, nos contava nas noites frias. As melhores histórias eram as do grande herói Roder, o fabuloso guerreiro que matara oito dragões e desaparecera dentro da caverna de um nono. Em todas as brincadeiras havia briga para ver quem seria Roder, e eu sempre brigava mais do que todos, porque queria ser um herói de verdade, e não apenas nas brincadeiras. Havia para mim uma única coisa que parecia tão importante quanto viver grandes aventuras e derrotar monstros terríveis — essa coisa era Jennie, a filha do ferreiro, por quem eu era tão apaixonado que até nas brincadeiras com os outros meninos eu sempre jurava lutar em honra dela. Eu lhe dava flores todos os dias e até já havia decidido nosso casamento, quando Jennie desapareceu misteriosamente numa noite sem lua.
Vivíamos numa comunidade muito pequena, e todos ficaram muito preocupados. As tias de Jennie convenceram todas as outras tias de que a garota fora raptada por raposas, em cujo caso seria preciso suborná-las com presentes para que a devolvessem. Os amigos do pai de Jennie, inclusive o meu pai, achavam mais provável que ela tivesse fugido com algum rapaz desconhecido que passara pela região recentemente. Porém a opinião que realmente importava era a dos irmãos de Jennie, e eles logo decidiram que isso era coisa do ogro que vivia no coração da floresta escura atrás da qual o sol sempre se punha. Organizaram-se para uma missão de salvamento sem demora, e eu, que não podia perder aquela aventura, juntei minhas coisas (uma camisa velha, o facão de meu pai, algumas frutas que mamãe deixara madurando num cesto, um estilingue) e fui escondido atrás deles. A caverna do ogro ficava bem mais longe do que eu imaginava. Enquanto os homens armavam barracas de acampamento, eu dormi no chão de folhas úmidas, coberto por galhos quebrados. A floresta era muito mais hostil que os bosques nos quais eu costumava brincar, e era muito difícil acompanhar os irmãos de Jennie sem que eles me percebessem. Depois de três dias chegamos a uma caverna enorme, uma abertura na terra que parecia uma boca aberta, e os irmãos de Jennie largaram suas trouxas, acenderam tochas e pegaram suas foices, machados, forcados e facões para atacar o monstro. Assim que eles entraram, peguei o facão e o bodoque e me esgueirei atrás deles.
A entrada da caverna era uma galeria enorme, que depois ia afinando e afundando e se enchendo de enormes estalagmites. Eu me escondia atrás delas, perto das paredes, para não ser percebido. Quando o corredor ficou muito estreito me deixei ficar para trás, mas em seguida o caminho se dividiu em vários, e eu não sabia mais por onde eles haviam seguido. Segui somente minha intuição, ou minha sorte, e me meti num corredorzinho estreito e sinuoso. Logo percebi que estava sozinho naquele caminho, e ja estava pensando em voltar quando ouvi um urro medonho, que fez todos os pêlos do meu corpo se arrepiarem, e entendi que eles haviam dado de cara com o ogro. Ouvi gritos, urros e barulho de coisas quebrando, e saí correndo na direção deles, para o fundo da caverna. O corredor ficava cada vez mais escuro e úmido, mas afinal eu vi o brilho das tochas dos irmãos de Jennie, e logo depois, vi o que eu esperava ver com o coração pulando e segurando a respiração:

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Seqüela

Voltei de viagem ontem, infelizmente esqueci de acessar o jupiter (o que me obriga a ir na usp fazer um monte de coisa chata), tive uma noite boa apesar de ter dormido pouco, acordei cedo, tudo está meio... normal. Demais.

Aí fui ler blogs e tal, li o blog do Yuri, e li o texto ao qual ele se referia e pensei... que estranho ler aquilo, fazia tempo que eu não parava pra pensar naquele dia mas.

Às vezes é estranho pensar que aquele tempo de começo do colegial realmente aconteceu e foi daquele jeito. É o que eu estava pensando. Hoje somos todos tão diferentes, crescemos tanto, aprendemos tanto, mudamos tanto, que algumas coisas não fazem sentido, parecem impossíveis, alguns sentimentos que lembramos de ter sentido não têm mais nada a ver, e é assim que é estranho o fato de o tempo passar e as coisas ficarem diferentes do que eram antes. Muitas vezes eu nem entendo coisas que eu ou você escrevemos naquele tempo; tudo parece completamente esquisito. Mas são coisas que ainda me fazem sentir alguma coisa quando me lembro. Aquilo ainda faz parte de mim, de alguma estranha forma.

Em Brasília descobri que aquela queda da cachoeira ainda me assusta também. Descobri isso quando o diogo resolver pular num barranco bastante íngreme e muito alto que terminava logo antes de um laguinho raso, e eu a princípio achei legal, mas fui ficando com mêdo, muito mêdo de que ele se machucasse, muito mêdo mesmo, e de repente eu precisava gritar com ele e tantar dissuadi-lo daquilo, pra que ele também não pensasse algo como "eu não morro, só me machuco muito".

Mas ele me ignorou e pulou de cabeça, e assim que ele tocou na grama eu percebi que estava tudo bem, e parei de me preocupar. Detestei aquele mêdo. Me senti desmoronar completamente.

Pouco tempo depois, estávamos correndo na chuva e pulando cerquinhas pra aproveitar as vistas de cima de alguns monumentos.

Gostei de Brasília. É uma cidade bonita, com poucos muros (mas todos estão pichados), monumentos interessantes, algumas construções fascinantes, um pombal feito por niemeyer, preços baixos e muitas, muitas mangueiras (a árvore, não o objeto). Por outro lado, não gostei de Brasília! Nessa época do ano, e em dia de semana, é uma cidade imensa e vazia, sem gente na rua, com gramados demais, arrumada demais, a grama aparada demais, espaço demais, sem nada pra ocupar aquela imensidão de, bem, de grama. Preciso voltar a Brasília numa época em que ela esteja menos cidade-fantasma.

Preciso receber as fotos da viagem pra ilustrar o que estou dizendo.

Fatos interessantes dessa viagem:

- Numa das nossas cavalgadas meu cavalo tropeçou três vezes. Pouquíssimas vezes senti um pavor tão instantâneo quanto no momento em que o corpo da minha montaria começou a cair para o lado.

- Atirei com uma Winchester .44 que parecia tirada diretamente de um filme antigo de faroeste. A arma era deliciosamente balanceada e sensação do disparo, incluindo o recuo e o estampido, foi incrível. É claro que eu errei o alvo, mas isso realmente não importou muito.

- No meio da viagem descobri que vários dos amigos colegas do diogo são mais novos que o ugo! Isso é tão esquisito! Bom, agora oficialmente eu não posso mais considerar o Ugo como mais novo.

- Fizemos um jogo muito legal em que todos fecham os olhos e uma pessoa anda até uma das outras, e essa pessoa tem que perceber que aquela está na frente dela e falar "eu". Quero ensinar esse jogo pra todo mundo e jogá-lo muito mais vezes!

- Cortei o cabelo do diogo ^^ Não vou dizer que ficou lá muito bom, mas ficou melhor do que o que estava, e foi divertido pacas!