quarta-feira, 23 de junho de 2010

De olhar em teus olhos

Eu gosto de olhar nos teus olhos. Porque quando eu olho assim e você me olha olho no olho eu vejo tudo, e tudo você me diz, e passam todas as emoções, prazer e dor (o limite é tão tênue), amor e fúria, fome e cuidado, libertação e mêdo, carinho e destruição. E tem momentos em que eu olho nos teus olhos e eu sinto que enxergo você, não você máscara e aparência, mas você alma e essência, não as expressões mas diretamente os sentimentos, e os anseios — e tem vezes em que nossos olhos se trocam só pra dizer, sem nenhum intermédio, que não existe nada melhor no mundo. E tem aqueles momentos em que a gente se perde nos nossos olhos, no olhar e olhar e nas melhores coisas do mundo, e os teus ou talvez os meus olhos perguntam, respondem, por debaixo do nosso silêncio, pra que serve o resto da vida?

sábado, 19 de junho de 2010

Eu e o Di

Até ontem à noite eu estava me sentindo extremamente insegura por não estar mais namorando com ele. Eu não estava me sentindo insegura pq eu achava que podia ter machucado ele, não de verdade. Acho que eu tava com mêdo de que ele deixasse de me amar. Ou que ele ficasse com raiva de mim, ou que ele sofresse. Acho que é a mesma coisa pra mim. Mas ontem ficou tudo muito bem de repente. Ok, talvez a nossa relação mude muito de repente. Mas...

Sabe, acho que talvez seja melhor pros dois. Independente de se o que cada um quer de estar solteiro vai dar certo ou não.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Pout Pourri do meu mês de Junho

Algumas das coisas aqui eu pensei faz algum tempo. Outras são bastante recentes.

Dança


Me disseram que o princípio do tango é que o homem está sempre tentando pisar nos pés da moça, e que a moça está sempre escapando por muito pouco. É assim entre eu e você. Quando você fala de mim, eu evito falar de você. Quando você se aproxima, eu me afasto. Você vem em minha direção e eu fujo. Mas se você pára, eu volto, e te dou minhas mãos e engato numa nova dança. Nós dançamos sem nos tocar, como numa capoeira. Eu dou um chute e encontro sempre o ar porque você se abaixa. Tudo para disfarçar que na verdade é uma luta. Tudo para que ninguém saiba o que realmente estamos fazendo. Se você dá um passo para um lugar, eu dou um passo para fora. Se você diz uma palavra eu não posso mais dizê-la. Se você canta uma música, eu não posso mais dizer o quanto ela é importante pra mim. Como num jogo de gô, dividindo o tabuleiro, alguns segredos são seus, outros são meus, e os que são nossos não são sequer mencionados. Porque se de repente nós formos vistos cantando a mesma música, sonhando o mesmo sonhos, olhando pra mesma ilha, então aí todos vão entender do que estamos falando, e vai ficar tão claro! E então, acho que nós dois seremos menos nossos, e mais do mundo. E como eu poderia dividir este nós com o mundo?

Eu-você


Hoje eu me dei conta de que eu sou cada vez mais você. Eu estava no sarau, conversando sussamente, e aí eu ri. Foi o seu riso. Eu balancei a cabeça e era um movimento seu. Eu andei com os seus passos e repeti os seus trejeitos e todos os meus movimentos eram movimentos seus. E todos os meus pensamentos eram palavras suas e todas as minhas lembranças eram com os seus olhos e quando eu olhar nos olhos de alguém será cada vez mais o nosso olhar, nos olhos, sempre, para sempre.

Menina-serpente


O assunto da poligamia pega fundo, ok, mas o assunto da mulher cruel pega mais forte. Se pá assim como a gente não discute anarquismo com a Lô a gente também não devia falar de relacionamentos comigo. A gente homens (mas eu nunca falo disso com mulheres, na real). A situação é a seguinte, está acontecendo agora mesmo milhares de vezes ao redor do mundo: o garoto gosta muito da menina, mas não tem coragem de falar com ela. Talvez ele ache que ela é confusa. Talvez ele ache que falar é muito agressivo e esteja tentando ser sutil. Talvez ele já saiba que ela sabe e ache que é a vez dela de agir. Em todo caso, ele não se revela, e ela sabe dos sentimentos dele mas não faz nada a respeito. Por que isso é cruel? A questão é que é muito confortável (será?) para a menina ter um cara que gosta dela, por isso ela não quer se livrar dele. Ao mesmo tempo, ela não quer, ou acha que não pode, dar o que ele quer, por isso não o aceita. Por um lado eu entendo que isso seja cruel. Por outro lado, eu sei que eu fiz isso algumas vezes, e faria de novo, porque se a menina é folgada o garoto também é covarde, e no fundo talvez a garota também seja só covarde, ou esteja muito confusa, ou ache que se o garoto realmente quiser se livrar dessa situação, hey, é só ele falar com ela, entender a situação, e se for o caso ir embora. Se pá a questão é que eu sempre me identifico com a história, mas eu sei que não é o mesmo caso. Porque no meu caso a garota não está confortável. Nunca é confortável fazer alguém que você ama sofrer.

Mordida


Eu te quero! Eu te amo! Eu penso em você o tempo todo, o dia todo, eu penso em você quando estou com ele, eu penso em você quando estou em casa*, eu passo o dia todo pensando em te chamar, depois eu desisto e volto pra minha vida de sempre. Mas você é parte da minha vida e eu me pergunto até quando eu vou conseguir te ver e não te abraçar, te ter e não te apertar, olhar nos teus olhos e não dizer que te ouvir é uma das melhores coisas do meu mundo. Como eu posso te querer tanto e entretanto... E entretanto... Entretanto... É que há tanta coisa pra tentar entender...

* eu juro que estava pensando na usp quando escrevi esta palavra... o que isso quer dizer?

Amar


Você entrou tão rápida e intensamente na minha vida, e ontem eu estava falando desses amigos que são tão próximos que eu não hesito e não preciso pensar pra dizer que amo, e sem pensar eu coloquei você no meio dos quatro óbvios de sempre. Logo depois do Bruno, acho que é simbólico.

Nessa hora, o assunto era esta história que eu vou contar:
Estávamos conversando sobre você. Eu sei que os dois estavam falando mais porque eles gostam de você e porque queriam, sei lá, te ajudar ou te proteger, ou quem sabe porque eles gostam de mim e, eu nunca entendo essas conversas que rolam entre os homens, e eu nunca entendo o que eles esperam de mim, enfim, eles estavam falando sobre você e eu senti uma coisa muito forte, que eu não consegui expressar porque parecia errado, como eu podia estar pensando aquilo mas, mas eu pensei parem de falar assim dele, eu quis dizer eu gosto demais desse cara pra vocês falarem assim levianamente dele, eu quis dizer isso mas não consegui, eu quis dizer não falem dele como se fosse só seu amigo, eu quis dizer mas não consegui entender, qual é o problema de um cara ser seu amigo, qual é o problema de falar dele, qual é o meu problema.

Lôba


E talvez pensando agora o que eu quisesse dizer fosse "parem de falar assim de mim". Porque eu não quero ninguém se pondo entre eu e as pessoas de quem eu gosto, não me importa se quem se interpõe é minha irmã, meu namorado, meu melhor amigo, meu amantes, não me importa se quem se interpõe é alguém que eu venero que eu amo em quem eu confio a minha alma, eu não quero ninguém pondo os dedos no meu território, na minha alcatéia, na minha caçada. Não quero ninguém me protegendo, me pondo limites, me fazendo exigências. Aceito avisos, alertas, até mesmo pedidos, especialmente pedidos de cuidado, de delicadeza, nunca porém pedidos de segredo ou de mentira. Eu quero ter relações diretas, íntimas e intensas com as pessoas. E intensamente verdadeiras. Tipo falar a verdade e levar tapa na cara, é isso que eu quero fazer. Seguir meu coração etc. Correr o risco de me machucar. Talvez até mesmo correr o risco de te machucar.

E:


Tudo o que eu vou te perguntar é: você quebra?
E você tem coragem suficiente para assumir a responsabilidade pelo que você sente?

sábado, 12 de junho de 2010

Beco

Tanta coisa que passou pra mim e entretanto eu não disse nada. Eu me contive tanto, eu me contenho tanto o tempo todo, porque tenho mêdo, medo de passar a mão nos seus cabelos, medo de ter coragem de perder os limites com você, porque eu gosto de você e acho que talvez seja só por que convivo tanto com gente que te ama, mas acho que gosto de verdade de você e você nem sabe, nem eu sei. Medo de te pedir pra me aceitar. Medo da dor sem sentido que eu sinto quando penso em te perder, eu que nunca te tive. Justamente porque eu nunca te tive eu tenho medo.

Mêdo do seu olhar quando eu te olhei fixamente, eu precisava te ver, era aquele o meu espetáculo, quando você olhou de volta eu não cheguei a saber o que foi a sua expressão, você entendeu, mas entendeu tudo, entendeu o que eu queria dizer e o que eu queria saber? Eu queria te conhecer menos mal para conseguir ler o seu olhar. Por que você me apavora tanto, e por que tanto me fascina? Por que eu quero saber você, e por que eu sempre te obedeço?

Será só por que eu te vejo através dos olhares dos nossos homens?

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Sobre aquilo que eu não queria explicar

É meio ridículo que eu não queira falar dessas coisas pessoalmente com você mas ainda insista em escrever sobre elas, aqui onde eu sei que você vai ler.

Eu queria conseguir pensar como você, Tássio, e não me lamentar pelos erros que eu cometi quando eu era uma jogadora novata. Mas no meu caso os erros estão aqui, muito próximos para que eu consiga me distanciar deles. Eu ainda sou novata. Então eu tenho que lidar com eles e aprender. Mas acho que a lógica da vida deve ser muito mais difícil de pegar que a do gô. Você talvez tenha visto, naquele dia em que eu tentei aprender a jogar, que em vários momentos em não via saída nenhuma e jogava apenas por intuição. Também na vida faço isso, quando me encontro em situações confusas, sigo lassa as ordens do meu coração, e às vezes é para bem, mas muitas vezes também é para mal. Você não sabe distingüir bem e mal, útil e inútil, certo e errado, mas eu consigo sentir os erros e acertos -- é claro que às vezes temos que provar o fel da vergonha para entender quem somos, o que fizemos, para onde nos dirigimos, qual o próximo passo. A amnésia do futuro é o pior tipo.

Agora algumas coisas estão tão claras, coisas que eu nunca teria imaginado pensar. Eu preciso me tornar mais forte, conseguir olhar as pessoas nos olhos e permitir que a minha própria voz fale, e não apenas a voz de sonho com que eu te conto minhas loucuras e a voz de mêdo com que eu te faço perguntas. Eu preciso falar com a voz de poder que é uma arma na minha lida. Agora eu entendo quantas dores na minha vida foram apenas falta de usar essa voz. Eu tenho que ser forte para poder controlar os demônios. Eu tenho que ter força para poder sobreviver aos seus passos dentro de mim. Eu entendo agora quantas coisas me causaram mais dor do que prazer porque eu não pude segurá-las com as duas mãos. Eu ainda preciso aprender muito. Eu ainda sou muito frágil.

Acho que aqui termina o capítulo que eu quis chamar da Coragem. O próximo trecho será chamado de Força.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Da natureza e do Nome

É interessantíssimo como as coisas mudam.

Eu sempre lembro de quando a Ana Bruner sugeriu que a gente descrevesse nossa Weltanschauung numa carta para nós mesmos dali a cinco anos. Não fiz e sempre me arrependi. De tempos em tempos penso nisso que penso que deveria escrever isso agora, mas nunca faço. Continuo escrevendo coisas menos relevantes neste espaço.

Das nossas aulas de filosofia do primeiro colegial guardo umas lembranças meio confusas, ora muito boas, ora muito ruins, e e percebo, com resignação, que muito daquilo eu aceitei sem grande reflexão e me cabia questionar, mesmo que não me fosse pedido — e muito daquilo que me pareceu profundo na época agora me parece meio insípido. Mas a lição verbal qe me pula à mente com mais freqüência, como um enigma não-respondido, ainda é a do côco podre:

— Imagine que um côco cai do coqueiro à beira do mar e mergulha na água. Se for um coco sadio, ele rapidamente volta à superfície sem sequer ter batido no fundo, por força de sua própria leveza que o expulsa da água. Entretanto, um côco apodrecido não tem o poder de flutuar, e uma vez que mergulha na água desce até o fundo e lá fica. O mergulho é a experiência negativa, e nós somos todos côcos. Por mais fundo que uma pessoa mergulhe, se ela não estiver podre, isto é, se não tiver renunciado à sua natureza, sempre poderá voltar para a superfície.

O que me pega é essa questão da natureza. Será que cada pessoa tem uma natureza, um propósito desconhecido de tornar-se si mesmo, como diz Demian? Será que cada pessoa tem um nome verdadeiro, que a descreve completamente e a partir do qual é possível compreender todas as suas atitudes?

Já levantei a questão do nome antes, e me surpreende com que leviandade meus amigos me mandam respostas para uma questão tão fundamental. Não me intriga a existência de um Deus, de fato, mas me intriga a nossa própria existência. Será que somos todos apenas partículas que se uniram por acaso, formando consciências sem significado que criaram arbitrariamente todo um universo de concepções que tenta explicar o que só existe a partir da nossa própria existência? Ou será que somos precedidos ou ao menos concomitantes a um mundo de idéias? O que é um conceito?

O que me aflige é que sem essa resposta não me parece possível distingüir se estamos indo para cima ou para baixo. Estaremos afundando como côcos podres ou voltando à superfície? Teremos asas para voar ou estas serão asas de cera fadadas a falharem a qualquer momento? Estamos voando ou caindo, mergulhando ou meramente afogando-nos? Isto que eu sinto é dor ou prazer? Estou morrendo ou isto é apenas começar a nascer? Sou um monstro, ou isto é ser uma pessoa? O que pode me fazer mal? O que pode me fazer bem? Será que alguma coisa na vida vale a pena?

O problema é que sem uma resposta não tenho um modelo segundo o qual conseguir enxergar o mundo. Eu vejo e sinto coisas, mas como saber se aquela núvem realmente anuncia tempestade, ou se ela será imediatamente varrida para longe? Não consigo dar significado ao que vejo, e assim é como se não visse nada. Tudo passa tão rápido, e na velocidade é ainda mais difícil enxergar, especialmente enxergar coisas sutis como a brisa, as folhas das árvores, as emoções contidas das pessoas.

A questão do sacrifício é fundamental. Tanto do que fazemos não nos traz prazer, entretando o fazemos, pensando num fruto futuro muitas vezes bastante distante. Mas diariamente vacilamos, sem saber se esse bem futuro é mesmo um bem, se ele vale a pena. E não temos como saber, porque não sabemos diferenciar bem de mal, porque não sabemos a que devemos dedicar nossas vidas, porque a cada instante nossas vontades mudam e nossos sonhos se tornam mais vagos e tantas vezes avessos ao que sonhávamos antes. Parece impossível realizar qualquer coisa sem se condenar a trabalhar naquilo em que já não se acredita ou sem, ao contrário, lançar-se sempre com toda a intensidade em trabalhos velozes, construídos vorazmente e que acabem logo, assim que acabar a paixão. Nesse caso, também, se não houver paixão não há viver, e corremos o risco de passarmos muito tempo mortos.

Enfim, comecei este escurso porque lembrei de uma revelação que me surpreendeu a respeito de mim mesma ultimamente. Uma dessas coisas que eu precisava ter gravado na minha carta para dali a cinco anos e que agora (bem, já passaram mais de cinco anos) meio que sumiu, e eu me sinto como se eu não fosse mais eu.

A vida toda tive a certeza de que teria filhos. Três, a menos que fosse rica, então mais. Ter filhos sempre me pareceu o certo, inqüestionavelmente certo, e não podia ser um filho único, e sempre me parecera que irmãos em dois brigam demais. Três eram o número perfeito, o número de ouro, e eu teria filhos lindos, e os ensinaria tudo o que fosse fundamental, e eles me surpreenderiam com sua individualidade, mas levariam adiante, com genialidade e graça, os valores do minha família. Até que, sem aviso, há algumas semanas, ouvi em mim mesma o pensamento: "é melhor então que eu não tenha filhos". Eu pensei que não seria bom ter filhos se eu não conseguisse ter uma família estruturada, algo como uma casa fixa, um marido, não demasiado distante das casas de meus irmãos, e se possível próximo aos meus primos, pais, tios. Mas naquele momento me pareceu possível que eu não conseguisse nenhuma dessas coisas em tempo hábil, e nesse caso eu preferiria não ter meus próprios filhos — embora ainda me restasse a opção de adotar, acabado o tempo hábil.

A verdade é que talvez mais importante que ter filhos seja ter amigos, alunos, pessoas cuja vida pode se transformar pelo meu toque, pessoas que eu posso influenciar, a quem eu posso revelar meus valores e torcer para que acreditem neles. O significado da família não se perdeu totalmente em mim, e eu ainda tenho a certeza de um dia ter sobrinhos, e não consigo conceber a vida afastada de minha família. Por outro lado, não sei mais se eu devo ter filhos, sangue do meu sangue, aquela coisa sagrada. Não sei o que estou disposta a sacrificar por isso. Existe muita coisa na minha vida que no momento me parece impensável sacrificar (e não estou falando dessas coisas típicas de gente que não tem grana e faz faculdade).

Se eu não conseguir encontrar a resposta para pelo menos uma das minhas perguntas, então não terá sentido ter filhos, para mais vidas de questionamento e passos no vazio na Perdição. Se eu me perder, não criarei um povo para vagar comigo. Mas é claro que nada posso dizer do futuro. Que sentido tem caminhar quando nada se enxerga? O sentido de talvez encontrar algo diferente, a que nunca chegaria se continuando parado. Entretanto... posso avançar tateando, não encontro a confiança para seguir com fé um caminho reto. Se não vejo nada, sinto apenas vagos cheiros... rastejo. A vida não tem nada para reafirmar nossa esperança, entretanto prosseguimos. O que devemos negar e o que devemos aceitar? Até que ponto eu devo me entregar?

terça-feira, 8 de junho de 2010

Hoje

Quanta falta de sentido na minha vida.

Hoje você me disse que a diferença entre eu e você era que você ia pro mundo e eu ia pra casa. Fiquei muito tempo pensando nisso e espero que você esteja errado. Mas no fundo eu nunca saberia como ir pro mundo. Não sei onde o mundo fica. Estou esperando que você me mostre como chega lá, mas você acha coisas erradas sobre mim, você acha que somos parecidos quando eu digo que tudo dá sempre tão errado, não me compare a você, eu não acredito, você pelo menos tem algumas histórias pra contar, histórias que aconteceram de verdade, enquanto eu tenho umas fábulas de amor e uns sonhos.

Eu perdi tanto da minha vida e do meu sol que hoje em dia eu não consigo chamar lugar nenhum de casa. O mundo não me pertence, nem nada. Não consigo encontrar a razão para todas as coisas que eu faço. Pra mim não há hierarquia, eu só faço o que eu amo mais que me parece urgente. Eu gosto do Adilson e quero merecer a confiança do Hashimoto, por isso não falto às aulas, mas o que eu queria mesmo era fugir de casa, sair um dia e só voltar quando eu me encontrar. É uma merda ter que esperar tudo o que é importante acabar pra poder realmente mudar sua vida, acho que as coisas que importam vêm assim na hora errada, sem planejar, e entretanto eu não consigo negar minha vida à rotina, por que eu tenho sonhos dentro de conformes também, embora eu nunca saiba se seguir esses caminhos algum dia vai me levar a realizar algum deles. A verdade é que eu tenho muito pouca fé na universidade, no trabalho, na realização pessoal; me parece que essas são portas que eu fechei muito tempo atrás. Agora, se insisto nisso, é por birra. O caminho que me parece que daria certo é outro, é o da liberdade total, insana e sem nenhum parâmetro. Me tacar na lama. Sair por aí, tentar ganhar a vida apenas com coragem. Mas eu não tenho coragem de fazer isso também.

Como ir pro mundo? Me parece tão inalcansável. E da minha impotência não consigo me conformar com assistir a estas aulas e pensar essas coisas que não me interessam. Eu tento me concentrar nos objetivos racionais que estabeleci para mim mesma, mas me recrimino, por que eu não fui um pouco mais zelosa e não fiz as coisas mais fáceis para mim mesma? Seis meses parece um tempo incrivelmente, insuportavelmente longo para eu ter que esperar pela minha redenção, sendo a minha redenção, veja só que pobreza, apenas a vaga esperança de poder tentar fazer uma iniciação científica. Que provavelmente só me interessa porque eu quis tanto fazer e não fiz. Meio como ir bem na faculdade. Etc.

Eu queria mesmo era um emprego, sempre quis, desde muito jovem, e nunca fiz nada, nem nunca soube muito como fazer, para conseguir. Não quis com aquela bravata garbosa dos meninos que querem algo e fazem de tudo para conseguir, quis daquele meu jeito meio cobra, quis com amargor e raiva, quis com veneno, com repulsa do meu querer e repulsa maior do meu não-conseguir, quis com vergonha do meu querer, como quis todas as coisas que me pareceram parte do mundo na minha vida. Quis com fel e sem confiança e não consegui nada. Mais tarde, anos mais tarde, quando ousei sussurrar que queria (qualquer coisa) senti que ninguém percebia por que me doía dizer. Mas doía e ainda dói, e queima, etc. Quando falei que queria, riram porque não acreditavam no meu querer, querer deveria ser com sorriso no rosto e determinação, essa coisa minha que nascia do asco não deveria ser querer, no máximo seria um tipo de invejar, e provavelmente falso. Eu não respondi. Virei a cara e andei em outra direção. Há coisas que eu sei fazer, só não são essas.

Eu peguei o ônibus pra casa, um erro é claro, mas como eu poderia evitar? Eu queria te ver e pedir por favor, me diz como enxergar uma direção qualquer pra onde ir ou pelo menos pra onde olhar. Eu sei que estou indo pra casa outra vez, eu chego em casa e percebo que não há nada pra mim aqui, este lugar sequer é minha casa. Quero pegar meu gato (que nem sei se ainda é meu, tenho-o visto tão pouco) e talvez um caderno e fugir daqui. Eu planejei fugir de casa mas eu tenho tanto mêdo e tão pouca gente que me ajudaria, ou melhor, tão pouca gente a quem eu pediria ajuda. Eu nunca consegui passar mais de dois dias sem voltar, porque está tudo sempre tão distante, e eu morreria de frio se não tivesse onde dormir, e é claro que eu não encontraria onde dormir a menos que você me oferecesse abrigo, e nesse caso não seria só uma fuga a mais, da minha casa para a de outra pessoa, outra pessoa que tem tão pouca chance de me ajudar?

Acho que na primeira oportunidade vou gastar todo o meu dinheiro numa viagem, só pegar o primeiro ônibus e ir embora, eu cansei de sonhar, eu quero ficar sozinha, eu quero olhar pras coisas e ter alguma idéia de como é estar lá. Não seria tão ruim acabar com meu dinheiro, até porque ele é tão pouco; acho que o pior mesmo é achar que ainda que a grana desse talvez eu mesmo assim não conseguisse, porque o mundo é tão hostil e desconhecido pra mim, e talvez um pouco porque eu tenha vergonha, e talvez um pouco porque eu queira que você venha comigo. Acho que o pior é temer que mesmo isso não resolvesse nada, porque o mundo não é lá fora, o mundo é aqui, todos os dias, aqui onde tudo me parece um grande lamaçal onde eu nunca avanço nada.

Às vezes eu me pergunto porque a parte importante da vida não pode ser essa que dá certo; eu me pergunto porque tem que ser tão fundamental essa parte enorme da vida que é tão difícil e funciona tão mal. Eu não sei se não seria melhor se eu fosse expulsa de casa e assim obrigada a aprender a me virar, porque no fundo o que mais me apavora é a possibilidade de eu nunca aprender e viver pra sempre na casa dos meus pais, incapaz de sair, sem conseguir me mexer. Não deixe que isso aconteça comigo. Se em três anos eu ainda estiver aqui, me expulse ou me dê um tiro. Me dê uma ordem, qualquer coisa. Um quarto com outras dez pessoas, um emprego sem futuro, eu não me importo. Qualquer coisa pra não ter que ver outra pessoa sofrer pra me dar tudo o que eu nem preciso por mais alguns anos. Qualquer coisa para não ter que aceitar viver desse dinheiro construído em cima de sonhos abandonados de outras pessoas. Qualquer coisa pra escapar desta casa.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Você

Eu apertei você, minha cabeça no seu peito, eu olhei pra você e disse: eu sou sua.

Por mais que eu ainda seja minha.

Por mais que haja tanto mais no mundo.

Tem dias em que eu te vejo e não tenho a menor dúvida de que eu só vivo tudo isso através do meu amor por você (ou através do seu amor por mim, que talvez seja a mesma coisa).

Eu ainda não terminei de te agradecer por ter salvado a minha vida.

Eu te amo.

Eu detesto como as pessoas acham que palavras de incentivo são suficientes. Não preciso de incentivo. Eu preciso de uma solução!

A Praça

Está tão quieto. Eu contemplo a praça do meu encosto de pedra, as costas frias encostam nela, as pernas que encostam na grama estão quentes, a mente está fria, o coração é quente, meu capuz ferve pra resfriar a cabeça; está tudo tão quieto. A praça vazia é tão tranqüila e eu me sinto tão inquieta; acho que parte da minha inquietude é de saber que aquietar-me não resove, não salva nada; minha calma não é espada, eu não tenho como me salvar. A pedra está fria, eu estou lendo Demian, como você pediu, e me pergunto se o garoto chamado Demian não é um pouco o garoto chamado Corvo do Murakami, do Kafka, eu me pergunto, por que está tudo tão silencioso.

Acho que é hora de trabalhar, etc. Não quero falar com ninguém. Está tudo tão parado, e nada me dá uma boa resposta para uma pergunta decente, do tipo, que porra eu estou fazendo aqui. Nada me responde. A praça é só a praça mesmo. Eu me sinto tão livre aqui. Eu tenho procurado muito a direção de mim mesma. Tudo o que eu vejo são coisas que me guiam na minha busca por um sentido, uma direção, todas as pessoas e as conversas, tudo me parece um meio.

Ontem conversei com minha mãe, como você tinha sugerido, e assim que cheguei na casa dela todos os mêdos pareceram tão infundados, e ela achou até meio bobo o maior deles, e todos os menores também, porque ela se esforça tanto para que a gente não tenha mêdo, e eu acabei contando coisas pra ela que eu não contei direito para ninguém, e apesar de ela não ter que concordar ou discordar com nada eu fiquei meio feliz porque ela pareceu se alegrar e porque ela não parece mesmo acreditar naquela bobagem de repetir as nóias dos antepassados. Eu acho que eu estou me libertando sim. Eu gostaria de ser livre. Todo o resto é menos importante.