sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Across the Universe

Olho para Sebastian, correndo atrás de mim com seu brinquedo pingando baba. Será que algum dia poderei amá-lo?



Encarava o monstro diante de mim. Ele não era feio. Não era mau. Só era velho e forte e irascível. Eu encarei o monstro, mas por pouco tempo. Depois, saí correndo. Saí correndo e me perguntei por que quisera encará-lo afinal. Saí correndo e me escondi nas sombras. Mas ele veio atrás de mim.

Às vezes, pra ser sincera, gosto de pedalar até a exaustão, e depois pedalar de volta, apenas para ficar tão cansada que isso se torne a única coisa que importa. Você me perguntou o que faz sentido, e isso é uma coisa que faz sentido: descansar, quando se está cansado.

Hoje quando Flor veio pedir meu colo, reparei que sua testa estava, na parte que deveria ser branca, rubra. Quis cuidar dela, mas ela não deixou. Ela está certa. Limpar a ferida agora faria pouca diferença. Há muitas outras feridas debaixo do pêlo. Eu quero proteger minha gata, mas não sei o que posso fazer.

Você entende?

Outra vez, eu encarei o monstro, lutei contra ele, sacrifiquei tudo o que podia sacrificar para dominá-lo. E quando o vi ferido, caído no chão, me afastei, cansada; voltei ao meu mundo sacrifeito. Acreditando-o victo, o mostro meu inimigo. Ai.
Me envergonha, até, crê-lo meu inimigo. Mas lutei, lutei e então parti. Mas não estava ele morto. E quando saí de meu catre, o monstro exibiu as presas; o monstro me abocanhou. Só por magia não sucumbi. Desde então, não ouso encará-lo, mais.

Também gosto de acumular tarefas e de executá-las todas no mesmo dia, de preferência emendando-as sem pausas. Hoje, por exemplo, foi assim, apesar de minha tarefa #1 ter sido adiada para amanhã e de eu ter me exaurido completamente durante a tarefa #3, o que me fez desistir da tarefa #4, que de qualquer forma ia ser bastante complicada.
Acho que o objetivo disso é não ir para casa, e não ter que esperar. Se eu passar o dia inteiro fora de casa, fazendo coisas, não vou desperdiçar nenhum minuto do meu dia. E vou viver esse dia como eu quiser, livre, independente. Estar a céu aberto também me deixa mais forte. Isso, e estar longe.

Em geral, o que mais facilmente faz sentido são as coisas simples: o mêdo, a fome, o calor do sol, o cheiro do mato. Há também coisas menos simples, mas indiscutíveis... como a ternura que desperta um bichano adormecido, ou o amor de um cão pelo seu dono. Há coisas essenciais, como respirar, como sentir a si mesmo... sentir o outro também. Há coisas revigorantes, como enxergar uma imensa paisagem, como ver o horizonte. Há as que dominam nossos sonhos, nossos desejos, nossas nossos objetivos, antes e depois de as experimentarmos... para mim, coisas como velejar e cavalgar. E há coisas fundamentais, como trabalhar. Work hard, work worth doing.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

A campina

Um sussurro, apenas; mas um sussurro sincero.



Era noite. Lua e estrelas sobre um vazio aéreo. Um bimotor cruzava o céu lentamente, e era com os ouvidos muito abertos que ela escutava o ressonar do monstro no horizonte. A paisagens era vazia. Uma grande campina no meio de lugar nenhum. Os antigos haviam chamado aquilo de Ass'marin, e ela usava a palavra imensidão. Os antigos haviam morrido, haviam sido enterrados, e ela usava a palavra Perdição. Para honrá-los, talvez. E ao longe o tambor abafado dos cascos de um velho cavalo.

Era noite. Muito longe era possível ouvir o rumor das ondas como uma respiração. Uma rajada de leões emboscando uma única presa, chamada O Mundo. Um vento perdido varria a distância e trazia-lhe o cheiro do sal. Se ouvisse com muita atenção, talvez, um marinheiro gritando. Uma gaivota. O vento, incessante, espalhava um cheiro de relva, que estava em todo lugar. Havia um buraco amassado no mato onde ela estava. Sinal de uma manada que passara talvez a tarde ali. Uma manada de búfalos vira o Sol se pôr.

O campo era imenso, tanto que parecia um segredo. Deviam haver predadores terríveis à espreita na relva. Presas e garras esperando dar uso a um estômago vago. Haveriam também cavernas, árvores, riachos, escondidos bem como os leões para que o olho incauto não os notasse? Haveriam rochas, e até colinas? O vento ondulava a relva, talvez ajudando a esconder o mistério do umbigo do mundo.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Another book ends


" Highway 66 is the main migrant road. 66 - the long concrete path across the
country, waving gently up and down the map, from Mississippi to Bakersfield.
66 is the path of people in flight, refugees from dust and shrinking land, from
the thunders of tractors and shrinking ownership, from the desert's slow
northward invasion, from the twisting winds that howl up out of Texas, from
the floods that bring no richness to the land and steal what little richness is
there. From all of these the people are in flight, and they come into 66 from
the tributary side roads, from the wagon tracks and the rutted country roads.
66 is the mother road, the road of flight. "

John Steinbeck


Hoje terminei, alguns anos depois, o livro As Vinhas da Ira. E é tão estranho. O final é tão estranho. Como se fosse uma estranha desistência do escritor. Como se fosse um filme que acaba com um tiro no escuro. Assim:
uma mão se ergue, com uma arma na mão. Você vê a mão, a arma (um revólver, e você que entende de armas reconhece o modelo e o calibre), um pedaço do pulso e da manga da camisa. E a imagem se apaga enquanto você ouve o estampido. E então começam os créditos. Você não sabe de quem é a mão (todos usam a mesma camisa), você não sabe quem pegou a arma, quem levou o tiro. Você não sabe nada, e é um filme policial. O policial e o bandido se encontram finalmente, e esse final indefinido. Você desiste e se aquieta. E lembra da história e sorri e pensa que o final talvez não importe tanto assim. No final, o indivíduo se dilui no coletivo. A família se desmancha. Quase completamente.

Preserve your memories.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Assumiçãozinha

Eu adoro olhar pro meu blog. Eu entro nele todos os dias, e fico olhando, meio esperando que eu ache um comentário novo, meio só olhando mesmo, pras cores. Acho que talvez eu tenha chegado bem perto do template definitivo...

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Prologues

Time it was and what a time it was it was,
A time of innocence a time of confidences.

Long ago it must be, I have a photograph
Preserve your memories, they're all that's left you



Escrevo aqui, e não ali, porque aqui não são necessárias imagens. E não é possível imaginar o que há por dentro.

Por dentro sonhos.
Por dentro vozes.
Aqui sonho tantos sentidos que me esvanece o sentido de estar num sonho.
E você (você sabe quando estou pensando em você?)
é tudo um risco imenso, o de acreditar em mentiras.
O de não se ferir com elas.
E a minha fascinação por lâminas...

Baby.
Baby você é uma lâmina.
Baby you're a dagger and I'm flesh (esperando ser dilacerada)
Baby I can tell, there's nothing left but flesh; why don't you cut me open?
Cut my eyes wide open.

Por dentro vidas sem vida,
coleções de máscaras.
Por dentro alucinações.
O passado bate à porta e você não o reconhece.
Seus amigos estão muito longe, e você não os reconhece.
Eles têm outros nomes, novas alcunhas, novos apostos, e apostam novas moedas em novas esperanças. Por dentro.
E também por fora.
Nas lembranças é que nos encontramos novamente e tudo está como deixamos;
quando saímos do apartamento que compartilhávamos deixamos as almofadas no chão, a cama desfeita e o nosso cheiro no ar. E uns pratos sujos em cima da pia. Uma torta no forno. Assim:
— Faz apenas duas horas que você partiu e a casa já está à sua espera.
Mas no nosso caso parece que fazem anos. O passado sempre parece ter acabado alguns anos atrás.

Tudo isso é apenas uma forma de dizer. O risco de acreditar em mentiras.
Acho que nós poderíamos parar de modificar o passado. Parece que quando voltei ao velho apartamento a colcha estava rasgada e as almofadas faziam as vezes de travesseiro, na cama meticulosamente arrumada. O sofá estava voltado para a janela coberta de teias de aranha. Alguém levou a tevê. E com ela os óculos de um gato. Os pratos e travessas foram lavados e guardados molhados num armário trancado.
Tudo isso para tentar expressar.
E é impossível expressar. A imaginação não chega tão longe. As possibilidades são limitadas. Há coisas a pensar e sentir, coisas que independem do passado. Coisas que se baseiam na história que está escrita por dentro. Os registros externos não significam quase nada.

Acho que não.
Desde aquele momento, muito tempo atrás.
Acho que não faz diferença agora o que acontece depois. Não há necessariamente uma história. Agora, independente do que acontecer, por muito tempo ainda, eu pensarei em você deste jeito. Eu posso não conseguir lembrar por que mesmo que te amo, mas vou continuar te amando. É ridículo assim. Mas você vai retribuir o meu amor de alguma forma. Nem sei se você sabe como ele nasceu e cresceu. Não preciso saber com certeza. Nesse caso (e no nosso caso) não há risco de haverem mentiras. Ou verdades. Ou qualquer coisa.

Talvez seja essa a solução: simplesmente não procurar o passado.
Se eu deixá-lo de lado, não terei que correr o risco.
E não importa mesmo. Eu não sinto nada. O que está assim tão distante não tem nunhuma importância agora. Não para mim, pelo menos. Eu não sou o que sou por causa de qualquer coisa que aconteceu comigo quando eu tinha quatro anos, então por que com você seria diferente? Não, eu já era assim. E depois me tornei o que já era. Porque a Capitu já estava dentro da Capitu de Matacavalos. E a pergunta, a pergunta que eu queria fazer é anterior a tudo isso, a tudo o que vocês sabem sobre mim (bom, quase todos vocês).