segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Livros debaixo dos livros

Li uma newsletter da Olivia Maia hoje, e eu devia estar escrevendo um e-mail pra ela, mas de qualquer forma que coisa boba imaginar que uma pessoa quer receber um e-mail comigo falando bobagens da minha cabeça e de como os pensamentos dela me impacaram (era pra ter um t ali entre o c e o a, mas não foi e acho que vai ficar assim mesmo, me empacaram), afinal eu sou só uma pessoinha meio boba que constantemente sente que não está conseguindo mergulhar num mar de histórias.

Ultimamente eu tenho lido pouco, e às vezes passado meses sem ler nada. Pra pessoas como eu (e, eu acho, Olivia), que meio que se construíram a partir de livros, isso é um pouco como... Passar dias e dias sem sair de casa, sem olhar pela janela. Você engana, vive, faz outras coisas, mas com o tempo começa a se sentir vazio por dentro, e percebe que naquela parte de você em que costumava haver uma floresta tropical de histórias e cenários e momentos e personagens, agora há uma seca brutal e quase que um deserto... Com o tempo a vida fica parecendo menos, e as palavras vão faltando, e as emoções ficam inacessíveis... 

O que me perturba é que ultimamente eu tenho evitado ler. Há livros e livros na minha estante que eu não li, e eu não pego nenhum deles. Eu leio webcomics, em momentos de cansaço ou tristeza ou quando o vazio fica muito grande eu leio um quadrinho inteiro de cabo a rabo, mas aí acaba e eu fico mordiscando as migalhas de webcomic que saem toda semana, e eu tenho que acompanhar uns vinte ao mesmo tempo pra conseguir sobreviver. Não tenho comprado quadrinhos porque é caro, e não tenho lido livros porque... Bom, muitas coisas.

Em parte porque eu sinto falta de ler em português, porque eu tenho lido demais em inglês e eu sinto que estou me expressando melhor em inglês que em português e quantas vezes eu fico tentando traduzir do inglês pro português alguma frase ou sentimento sem conseguir de verdade. Em parte porque eu não tenho mais saco pra livro mal traduzido, me dá umas ganas, incomoda, o livro tem que ser fenomenalmente bom pra eu conseguir continuar lendo. Em parte porque ás vezes eu começo a ler um livro e descubro o quanto ele é horrivelmente machista, e aí eu largo o livro no meio, e quão horrível é largar um livro no meio? Em parte é porque dos meus dezoito anos pra cá eu me esforcei mais e mais pra viver no mundo real e tentar impactar o mundo real e conviver com pessoas reais e fazer alguma diferença, sabe? E sabe o quê? Em algum lugar nos últimos anos eu comecei a me arrepender disso. Sério. No começo eu já questionava se tinha sido uma boa idéia, porque eu ainda não tinha ganhado nada e já estava perdendo muito. Depois por um tempo eu comecei a viver coisas incríveis que faziam tudo valer a pena. Mas depois de um tempo eu comecei a sentir mais e mais falta de quem eu era, e menos orgulho de quem eu sou. E eu comecei a passar por coisas estranhas como tédio e falta do que fazer, quando antes eu sempre teria coisas em que pensar e histórias para descobrir. E parte disso é que eu não tenho vontade sequer de ler livros... Não é que eu não leia livros, mas eu leio eles todos de uma vez e depois fico evitando ler livros porque "esse é um tempo que eu não tenho pra perder". Mas eu sinto um vazio brutal que vem diretamente de não estar lendo um livro... E ao mesmo tempo fica cada vez mais difícil escrever, desenhar e criar em geral.

Me ocorreu agora que também eu tenho quase que não assistido filmes e nem TV. Parece bobo, mas eu acho que talvez eu esteja sentindo os efeitos de não ter a oferta de séries e filmes, mesmo que bobos, histórias mesmo que bobas, todos os dias, o tempo todo. Em
Compensação, eu me regozijo com cada artigo bem escrito, científico ou jornalíslico, cada livro didático ou tutorial que me interessa. Eu tenho jogado pouco também, e dado cada vez mais importância aos jogos. Estou me agarrando às migalhas que me dou.

É isso, só.
Estou me sentindo bastante vazio por dentro, mas posso me obrigar a me alimentar melhor.

sábado, 27 de dezembro de 2014

Pilha de papéis

Estou tendo um acesso de filosofia adolescente, porque esta pilha de papéis está parecendo uma metáfora pra minha vida. Essa coisa no fundo da pilha, enterrada e inacessível, é meu diário da adolescência, cheio de histórias, reflexões, poemas, desenhos, viagens. Em cima estão listas de exercícios, cadernos de estudo, apostilas de cursinho, etc etc etc, simbolizando o tanto de conhecimento que eu tento obter e como eu sinto que aprendo tudo de forma rasa e desconeca, como num cursinho, e não como num livro aprofundado sobre o assunto. Eu sou uma apostila de cursinho, não um livro autoral que reúne todo o conhecimento novo e aprofundado num tema. Mais pra cima na pilha tem um bloco de papéis em branco, que simbolizam justamente a quantidade de papéis em branco que eu tenho, resultado de tentativas de preenchê-los com muitos projetos que eu demonstro não ser competente o bastante para realizar. Resumindo, eu tento cobrir a minha falta de profundidade com projetos novos que eu nunca consigo terminar a acabam se tornando mais provas da minha falta de aprofundamento; e no fim a coisa de que eu mais me orgulho são as minhas lembranças da adolescência, quando eu era capaz de mais profundidade, e de preencher folhas em branco. 

Este post em si apenas reitera o que estou falando.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Segregaçã Etária

Eu tava aqui pensando em como a segregação etária perpetrada pela escola é um problema. Deixe-me explicar.

Quando eu tava no colegial, eu tinha muites amigues, unides entre outras coisas por quão desajustades nós éramos à ordem social escolar. Algumes de nós tinham sofrido muito bullying na mesma escola. No colegial, quando começamos a nos envolver em romances adolescentes e outras situações novelescas, nossas inseguranças e imaturidades, misturadas com as nóias com que anos de exclusão social haviam nos imbuído, começaram a causar conflitos entre nós. Eu me lembro de um amigo que decidiu sabotar meu namoro com outro cara, por exemplo. Na época eu morri de raiva dele por que a atitude dele me fez tomar decisões erradas e sofrer. Muitas pessoas pareciam querer que eu fosse mais "puritana" ou sei lá. Vários dos nossos amigos estavam "no armário", ou saindo dele e ainda meio perdidos. Hoje em dia eu olho pra trás e penso que a pessoa que eu sou hoje teria lidado com tudo aquilo, dialogado, resolvido os problemas. Mas aí eu penso que eu hoje em dia não posso nem ajudar adolescentes a entender os problemas confusos nos quais eles se metem. Será que teria ajudado se na época nós pudéssemos ter tido amizade com pessoas mais velhas? As pessoas mais elhas na nossa vida eram sempre parentes e professores e colegas de trabalho dos nossos parentes -- boa parte eram que pessoas com quem eu não conversaria sobre nada pessoal, nem no passado, nem hoje. Nós estávamos constantemente inventando o mundo em que vivíamos, ou tentando sobreviver às complicadas hierarquias sociais da micro-sociedade adolescente da escola. Isso poderia até ser libertador, mas na prática a micro sociedade era tão hostil quanto nós esperávamos que o mundo lá fora fosse. Eu não sabia que eu ia conseguir me libertar das inúmeras correntes que me prendiam na escola. Eu não sabia que a vida ia ser maior e melhor e mais livre, e que eu ia concluir que não valia a pena ter nenhuma daquelas nóias, e que eu ia ter vergonha dos meus preconceitos bobos da adolescência. Eu não sabia que eu ia ter uma comunidade queer, não-mono, não-binarista de amigues que iam prezar pela miberdade e segurança de todo mundo. O mundo humano parecia desinteressante e limitado. Eu preferia a solidão à interação social. Naquela época, meu amigo fez uma piada, quando eu estava brincando com um pedaço de pau ele olhou pra mim e falou "você gosta de um pau, hem?" E eu tive que juntar 200% da minha força de vontade pra encarar de volta e falar "claro! Você não?".. Eu lembro porque foi extremamente significante. Hoje eu dia eu faço essas coisas sem nem pensar. Eu também lembro da minha primeira conversa sobre sexo, quando eu tinha 18 e fui numa viagem com amigues da minha irmã mais velha (todos e todas cis e hétero). Pensa só, no colegial eu tive que defender a minha honra e de meus namorados e amigos inúmeras vezes, mas eu nunca tinha tido uma conversa de verdade sobre sexo, na qual eu pudesse falar e perguntar e rir das piadas bobas e ouvir histórias boas e ruins e verdadeiras. Eu só tinha participado de piadas, zueiras, ofensas e bullying. Eu tinha vontade de conhecer outros tipos de pessoas, outros estilos de vida, mas eu só consegui isso depois de sair da escola. De fato, depois da escola todo mundo foi ficando mais seguro de si e se descobrindo e saindo dos armários todos. Demorou um tempo, mas aconteceu.

Quando eu penso na minha história de vida tudo parece meio surreal. Não sei se é só dissociação mesmo, porque eu passei tanto tempo sentindo que tudo era uma enganação, e porque eu dava tanta mais importância a histórias fictícias, ou porque falando objetivamente nada aconteceu, mas subjetivamente minha vida parecia um filme da Bridget Johnes. Acho que grande parte é porque nada bateu com o que era pra ser adolescência, com os relatos de adolescência que eu ouvi, tanto na época quanto depois. Eu ouvi relatos de adolescentes que tinham poucos amigos e odiavam todo mundo, e relatos de adolescentes que tinham vários amigos e iam em festas e bebiam escondido dos pais, e relatos de adolescentes que trepavam muito e passavam o dia na rua, mas nenhum relato era de adolescentes que não bebiam, não trepavam, não fumavam (essencialmente por moralismo barato, me parece), tinham infinitos amigos, gostavam de várias pessoas, inventavam histórias fofas e malucas e horríveis e não sabiam se comunicar direito com os outros adolescentes. Ainda fico me perguntando se não há adolescentes como nós na minha velha escola, perdidos e empolgados e se machucando uns aos outros por pura ignorância coletiva.

Enfim eu desviei um pouco do assunto original, mas eu acho que teria ajudado se nossas ofertas de amizade não fossem tão limitadas em faixa etária, se pudéssemos ter mais contato com pessoas mais novas e mais velhas com quem nos déssemos bem. Acho que teríamos ficado menos à mercê dos moralismos que os adultos da geração de nossos pais queriam que acreditássemos.