sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Segregaçã Etária

Eu tava aqui pensando em como a segregação etária perpetrada pela escola é um problema. Deixe-me explicar.

Quando eu tava no colegial, eu tinha muites amigues, unides entre outras coisas por quão desajustades nós éramos à ordem social escolar. Algumes de nós tinham sofrido muito bullying na mesma escola. No colegial, quando começamos a nos envolver em romances adolescentes e outras situações novelescas, nossas inseguranças e imaturidades, misturadas com as nóias com que anos de exclusão social haviam nos imbuído, começaram a causar conflitos entre nós. Eu me lembro de um amigo que decidiu sabotar meu namoro com outro cara, por exemplo. Na época eu morri de raiva dele por que a atitude dele me fez tomar decisões erradas e sofrer. Muitas pessoas pareciam querer que eu fosse mais "puritana" ou sei lá. Vários dos nossos amigos estavam "no armário", ou saindo dele e ainda meio perdidos. Hoje em dia eu olho pra trás e penso que a pessoa que eu sou hoje teria lidado com tudo aquilo, dialogado, resolvido os problemas. Mas aí eu penso que eu hoje em dia não posso nem ajudar adolescentes a entender os problemas confusos nos quais eles se metem. Será que teria ajudado se na época nós pudéssemos ter tido amizade com pessoas mais velhas? As pessoas mais elhas na nossa vida eram sempre parentes e professores e colegas de trabalho dos nossos parentes -- boa parte eram que pessoas com quem eu não conversaria sobre nada pessoal, nem no passado, nem hoje. Nós estávamos constantemente inventando o mundo em que vivíamos, ou tentando sobreviver às complicadas hierarquias sociais da micro-sociedade adolescente da escola. Isso poderia até ser libertador, mas na prática a micro sociedade era tão hostil quanto nós esperávamos que o mundo lá fora fosse. Eu não sabia que eu ia conseguir me libertar das inúmeras correntes que me prendiam na escola. Eu não sabia que a vida ia ser maior e melhor e mais livre, e que eu ia concluir que não valia a pena ter nenhuma daquelas nóias, e que eu ia ter vergonha dos meus preconceitos bobos da adolescência. Eu não sabia que eu ia ter uma comunidade queer, não-mono, não-binarista de amigues que iam prezar pela miberdade e segurança de todo mundo. O mundo humano parecia desinteressante e limitado. Eu preferia a solidão à interação social. Naquela época, meu amigo fez uma piada, quando eu estava brincando com um pedaço de pau ele olhou pra mim e falou "você gosta de um pau, hem?" E eu tive que juntar 200% da minha força de vontade pra encarar de volta e falar "claro! Você não?".. Eu lembro porque foi extremamente significante. Hoje eu dia eu faço essas coisas sem nem pensar. Eu também lembro da minha primeira conversa sobre sexo, quando eu tinha 18 e fui numa viagem com amigues da minha irmã mais velha (todos e todas cis e hétero). Pensa só, no colegial eu tive que defender a minha honra e de meus namorados e amigos inúmeras vezes, mas eu nunca tinha tido uma conversa de verdade sobre sexo, na qual eu pudesse falar e perguntar e rir das piadas bobas e ouvir histórias boas e ruins e verdadeiras. Eu só tinha participado de piadas, zueiras, ofensas e bullying. Eu tinha vontade de conhecer outros tipos de pessoas, outros estilos de vida, mas eu só consegui isso depois de sair da escola. De fato, depois da escola todo mundo foi ficando mais seguro de si e se descobrindo e saindo dos armários todos. Demorou um tempo, mas aconteceu.

Quando eu penso na minha história de vida tudo parece meio surreal. Não sei se é só dissociação mesmo, porque eu passei tanto tempo sentindo que tudo era uma enganação, e porque eu dava tanta mais importância a histórias fictícias, ou porque falando objetivamente nada aconteceu, mas subjetivamente minha vida parecia um filme da Bridget Johnes. Acho que grande parte é porque nada bateu com o que era pra ser adolescência, com os relatos de adolescência que eu ouvi, tanto na época quanto depois. Eu ouvi relatos de adolescentes que tinham poucos amigos e odiavam todo mundo, e relatos de adolescentes que tinham vários amigos e iam em festas e bebiam escondido dos pais, e relatos de adolescentes que trepavam muito e passavam o dia na rua, mas nenhum relato era de adolescentes que não bebiam, não trepavam, não fumavam (essencialmente por moralismo barato, me parece), tinham infinitos amigos, gostavam de várias pessoas, inventavam histórias fofas e malucas e horríveis e não sabiam se comunicar direito com os outros adolescentes. Ainda fico me perguntando se não há adolescentes como nós na minha velha escola, perdidos e empolgados e se machucando uns aos outros por pura ignorância coletiva.

Enfim eu desviei um pouco do assunto original, mas eu acho que teria ajudado se nossas ofertas de amizade não fossem tão limitadas em faixa etária, se pudéssemos ter mais contato com pessoas mais novas e mais velhas com quem nos déssemos bem. Acho que teríamos ficado menos à mercê dos moralismos que os adultos da geração de nossos pais queriam que acreditássemos.

2 comentários:

Utak disse...

Não sei se a questão é só idade, mas com certeza concordo. Acho que nós, ainda mais que os outres, tivémos amigues nos anos mais velhos, que já serviram como um bom impulso libertador. Eu pelo menos me sentia muito mais livre e aprendiz quando podia andar com vocês do que quando era obrigado a andar com pessoas da minha idade.

Claro que não tem nada a ver com a liberdade que temos hoje.

Acho que, mesmo pessoas mais velhas, não iam ter a subcultura que temos hoje. É uma subcultura rara, acho que principalmente pra época. Hoje está bem mais forte que naqueles tempos, ou pelo menos é o que me parece...

Charles Bosworth disse...

Fiquei pensando nisso o dia todo hoje.
Não acho que as pessoas mais velhas poderiam necessariamente ajudar a passarmos pelos problemas. Às vezes eu sinto que elas jogam muito das frustrações e medos para os mais jovens, como tentativa de reparar chances que elas mesmas perderam, talvez.
Mas por outro lado fiquei pensando nas pessoas que eu conheço que tem mais de 50 anos e que eu realmente considero como amigos. São poucas, mas são pessoas muito queridas para mim. E foi por acaso que nos conhecemos em um curso, porque de fato nossa sociedade não tem quase nenhuma interação entre pessoas de idades diferentes!!! As pessoas que não têm avós para conversar podem acabar sem noção nenhuma da diferença entre as gerações.
Acho que isso, para mim, é o mais importante nessas amizades. Mais do que os conselhos que uma pessoa mais velha pode dar para uma mais jovem. O que vale nessas amizades é conhecer pessoas que foram criadas em épocas e contextos muito diferentes de você, mas com os quais é muito fácil conversar e interagir (no sentido de mesma língua, mesma cultura). São pessoas muito diferentes que vivem nos mesmos espaços mas interagem muito pouco... Acho que você teve um insight bem interessante.
Imagina uma cidade de duas populações, em que uma é fantasma para a outra...