sábado, 22 de dezembro de 2007

Apenas um pensamento...

...desses que não adormecem nunca.


Ultimamente postar neste blog tem me feito me sentir meio ridícula. Como se isso fosse me ajudar a perder seu respeito. É tão devastador, sentir sempre que você está milhares de anos na minha frente... E o pior é pensar que eu até preferia que você nem lesse estas palavras, ou que, se as lesse, não entendesse. Mas, ao mesmo tempo, é tão desanimador pensar que você pode não me entender... Como se isso fosse me ajudar a perder meu respeito por você.

O que provavelmente tornaria minha vida mais fácil, mas mais vazia. Mas eu queria... sim, eu queria me livrar desse poder que você tem sobre mim. Eu queria dizer que meu reino é tão grande quanto o seu. E, em algum lugar no fundo, eu acho que é mesmo.

No silêncio barulhento da cidade, eu me pergunto no que você está pensando.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Os Espíritos que Calam

Profet, said I, bird of evil!


De todos os meus mêdos, de todos os meus sonhos,
foste sempre o mais terrível, o mais medonho.
Tivestes tantos poderes,
causastes tantas desgraças,
que toda vez que te via
eu (criança) estremecia.

E era duro o segredo: dizer que não mais queria,
dizer que não te esperava, dizer que tu não roubavas
as noites em que eu dormia. Dizer que não eras nada,
mas eras todo o meu reino — tu eras o meu segredo, meu demônio companheiro.

Se eu tive muitos triunfos, foi pelo teu desafio;
Mas perdi minhas vitórias, e por fim me derrotaste.
Não foi sonho nem desejo, não foi sorte, não miragem.
Com todos os meus sonhos e desejos,
o que venceu foi a realidade.
Te tornaste um espantalho, como os demônios tão vil.
E sem querer me obrigaste
a fugir do teu poder, a me esconder na verdade.
De todos os meus sonhos e desejos, te tornaste o mais voraz e o mais vazio.

Espantalho dos meus mêdos,
deixe em paz os meus segredos.

Espantalho de demônios,
não espante mais meus sonhos;

Meus sonhos são como corvos, são pensamentos que falam
e, de todos os meus mortos, são demônios que não calam.
Espantalho dos desejos, me permita ressonhar os que se espantaram.


..................



Estou sentindo uma tremenda dificuldade (maior que a normal) para concluir meus poemas, ultimamente. Sinto que não estou produzindo nada que presta, por causa disso. (É só olhar o que eu postei no meu fotolog — imenso, mas dispensável a partir da quarta estrofe). Mas enfim.

(PS.: o corretor de texto do Mozilla sublinhou "fotolog" e eu cliquei para adicionar ao dicionário (adoro essa frase). Ele estava sugerindo como correção "patologia", "ontologia", "grafologia", "fotolito", "mitologia", e mais algumas palavras que eu nunca vou usar na minha vida...)

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Eu tenho uma pergunta:

Quem ainda lê este blog?

porque eu tenho me esforçado até para escrever coisas legais, e me sinto frustrada de não receber quase nada de feedback mesmo assim...

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Trivialidades - Magic and Might

Apenas alguns fatos da vida.


Ontem, depois de algumas horas tentando jogar Magic com o Ugo e o Di (!!! Agora eu até sei o que é "virar" uma carta! XDDD), quando eles foram embora, eu (muito sonolenta e cansada) fui fazer algumas palavras cruzadas. Para minha própria surpresa, eu consegui terminar uma Direta que estava por terminar havia meses! Então... Eu fui encontrar minha mãe, que estava assistindo TV, e acabei ficando pra ver um Lei&Ordem Criminal Intent, e logo depois começou um filme... e é claro que eu não pretendia ver o filme, mas a Talita chegou e disse que queria ver aquele filme havia muito tempo, e ele parecia legal mesmo, então... bom, eu acabei assistindo o filme inteiro. Depois eu quis fazer mais algumas palavras cruzadas, mas a Sem-Diagonal estava muito difícil e a próxima Direta também.... resumindo a história, eu capotei de roupa mesmo, e fui acordada no dia seguinte por meu pai, que passou para apagar a luz. Era quase meio-dia.

Ontem eu fui assistir Beowulf com meu maninho, e gostei bastante do filme ^^. Só achei que o final deveria ser mais conclusivo. Esse negócio de deixar o final duvidoso (do tipo "o espectador escolhe o que ele acha que aconteceu") algumas poucas vezes é uma boa idéia (no Tropa de Elite, por exemplo, funcionou), mas em alguns casos é uma bobagem. Acho que o diretor tem que tomar um pouco mais de partido. Mas isso não importa, porque o filme é muito legal. Especialmente a música do começo; queria ter prestado mais atenção nela.

Paragens Internas: a procura das saídas

I want you to notice
when I'm not around


Você chegou aqui por acaso, por isso não sabe onde está.
Mas saberá.
O mar lamberá suas pernas, e você chorará com a cor do pôr-do-sol. As nuvens envolverão seus passos, e a relva sussurrará o caminho. Não demorará muito, talvez apenas sua vida inteira. Talvez um caminho se abra e você corra por ele, e chegue imediatamente ao portal que leva para fora. Ou talvez nenhum barco jamais chegue neste porto, e nunca saiamos daqui. Eu e você não temos nenhum poder. Eu e você somos apenas brinquedos, convictos de que as palavras que falamos saem mesmo de nossas gargantas de pelúcia ou madeira. Você, porém, é melhor do que eu. Você conhece o mundo lá fora. Você pode intuir que existe algo de real além deste universo.
Estamos longe agora, mas logo estaremos perto. É preciso querer, é claro, e ser capaz de sentir sinceramente. O mar, você vê, não esteve sempre aqui. Ele costumava ser muito distante, apenas uma paisagem no horizonte, aonde chegávamos através de um caminho secreto. Esta região estava então coberta pela floresta densa, e mais adiante começava uma deslumbrante planície. Com o tempo a floresta recuou, se desfez em pequenas matas, e o nível do mar subiu, cobrindo toda a planície e parte da terra seca. Isso foi antes dos primeiros portos, antes que o Sonho inflasse pela primeira vez suas velas negras. Você não é daqui, por isso não sabe. Eu sei, porque não existo lá fora.
Na verdade, mesmo que você tenha chegado até aqui pelo mar, só é possível sair através do Segundo Mirante. Para chegar até lá, talvez nos arrisquemos muito, e talvez criemos muita turbulência. Nada disso tem importância. Quando atravessarmos a floresta maldita e batermos às portas do castelo vazio, só aí saberemos se será possível escapar. Escapar, por mais fascinante que seja este mundo, é absolutamente necessário; por outro lado, a terra, as águas e as florestas, e até mesmo o ar, não podem suportar que qualquer um de nós desapareça! O mundo inteiro estará contra nós, enquanto procuramos a saída. Apenas quando desistirmos seremos bem-vindos. Eu, por exemplo, já havia desistido, e por isso pude aproveitar muitos séculos ou segundos de uma vida tranqüila. Você, porém, não pode se submeter a essa existência. Se fizer isso, você deixará de existir.
Na verdade, existe outro caminho pelo qual se pode chegar ao lado de fora. Dizem que há uma porta na parede de um poço dentro da menor galeria da caverna mais escura que há no paredão da Fenda entre o deserto e o pântano; bastante perto da morada do Grande Urso. Porém, eu jamais aconselharia alguém a procurar essa porta. Existem inúmeros caminhos para se chegar ao Segundo Mirante, e nenhum deles é mágico; mas há apenas dois caminhos não-mágicos para a Porta na Parede do Poço, e ambos são extremamente perigosos. Para chegar à pequena galeria onde está o poço, você precisa descer o paredão da Fenda, encontrar a entrada da caverna escura, atravessar galerias imensas, pontes decadentes e túneis serpenteantes, e finalmente nadar através de um fosso subterrâneo com uma correnteza terrível — e mesmo se chegar ao outro lado, haverão milhares de pequenas galerias, e você terá que procurar, no escuro, até encontrar a certa. A vantagem é que a galeria do Poço é a única iluminada: há um buraco no teto na caverna, por onde passaria uma pessoa. Essa é a segunda entrada; e é tão terrível quanto a primeira! Não apenas a queda é enorme, como o buraco é guardado por criaturas monstruosas: lobos-esqueleto com chifres sangrentos e língua de cobra, aranhas e formigas do tamanho de um homem cobertas com escamas de dragão, coelhos e tartarugas do tamanho de aranhas com as mandíbulas cheias de veneno, e outras feras que não sou capaz de descrever. Dizem, porém...

...dizem que as feras guardiãs temem, ou respeitam, os espíritos malignos e maliciosos, e que se chegar uma pessoa acompanhada desses espíritos, elas lhe darão livre passagem. Por isso, a galeria do Poço está cheia de uma energia maligna, dos espíritos que são deixados para trás pelas pessoas que atravessaram a Porta. Você acabou de chegar, por isso não sabe o que isso significa.
Mas saberá.

sábado, 8 de dezembro de 2007

Esconderijo

Para aqueles que nunca irão entender.



Cubra seu coração de mêdo
Cubra seu coração de mêdo
e descubra...
Se descubra...


Estou tentando entender o que não estou fazendo, o que não vejo, não sinto, não entendo. Eu não estou sequer me esforçando. Eu não sei para que lado devo olhar agora. É tão terrível assim? ficar com mêdo? não ter a menor idéia do que fazer em seguida?

Não deixe o bicho papão te pegar
Não deixe a noite cair
Pode ser que o Papai venha aqui te ninar
Se você não conseguir dormir...


Se há uma pergunta, essa pergunta não é o silêncio, essa pergunta não é a solidão, não é sequer o desamparo. Ou será o desamparo? Será que a pergunta não é somente o desespero absoluto, a desorientação, a falta absoluta de parâmetros, de tato?

Cubra seu coração de mêdo,
Enterre-o num punhado de pó
Deixe-o crescer em segredo
e o descubra quando estiver só...


Às vezes eu tenho raiva do mundo, mas não tenho como poder ter raiva do mundo, o mundo deveria é rir de mim. E eu olho ao redor de mim tentando imaginar quem é que deveria não rir de mim. Eu já não estou oferecendo nada, eu já não tenho mais o que oferecer. Estou pedindo ajuda e ninguém pode me ajudar (vocês sabem). Às vezes quando chega a sexta-feira tenho uma raiva que me faz me sentir criança outra vez... E me sinto absolutamente estúpida, porque, porra, é só uma coisa da vida, uma coisa que todos enfrentam todos os dias, isso de ter que fazer sacrifícios, de não fazer aquilo que se quer fazer, isso de ter mais coisas pra fazer do que parece possível...

Descubra o que há pra se perder
Descubra se há algo a se ganhar
Se você apenas se esconder
sua vida nunca vai mudar...


Acho que há algo mais (uma força, uma energia, uma coragem) que costumava haver na minha vida e que hoje eu não consigo encontrar. Hoje eu estou apenas apavorada, perdida, sem entender nada do que está acontecendo, presa a uma vida inconclusiva por... por uma coisa que talvez seja justamente a coisa mais importante...

Cubra seu coração de mêdo
Cubra-se de pavor...
Se afogue nesse banal enredo
e descubra...


Acho que a vida sempre foi muito fácil — sempre foi algo que eu podia desligar quando me enchesse o saco, e religar depois. Mesmo os escritos, os desenhos, os planos, grandes e pequenos: eu sempre desisti quando chegava na parte difícil... Nunca tive fé o suficiente na minha capacidade de terminar, de passar para a próxima fase. Ainda se fosse um problema matemático ou um jogo de vídeo-game, em que há sempre uma garantia de que existe uma resposta simples... (os problemas da escola eu em geral terminava, mesmo que fossem muito difíceis. dos vídeo-games eu cansava mais rápido...)





É muito difícil terminar a maratona por último.
Também é muito difícil realizar qualquer coisa para ninguém.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

E quando acordo, o tempo já passou...

(lá em casa tem um poço, mas a água é muito limpa)


O dia cresce dentro de mim. Nascem no dia olhos, braços, orelhas, pés, rabo, barriga, coluna vertebral e um pequeno sol vermelho, matinal, meio achatado nos pólos. O dia brinca comigo dentro de mim, devorando os espíritos fracos e puxando e esticando os fortes. O dia me cria fome e me faz crescer e querer coisas absurdas. Eu o vou atravessando, leve, grande, rindo, o dia me carrega na sua carruagem apolínea sob um grande arco invisível no céu encantadoramente azul. O dia me transforma. Eis que finalmente o sol, luminoso e redondo, surge perante os meus olhos, e eu apaixonada grito (o silêncio é um grito de quem não pode gritar) meu amor ao dia.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Todos os dias, quase sem querer

É determinação, fuga do dever ou vício, isto que me traz de volta, sempre, às (pequenas) letras?


Claramente a manhã se infiltra entre as cobertas. Meu corpo me acorda suave um segundo antes do despertador. O dia escorre por minha testa, por entre meus olhos, por meu nariz, por sobre meus lábios (eu sinto seu gosto); o dia morno e vivo em milhões de pequenos corações escorre por meu queixo, desce meu pescoço, (percorrendo), escorre por meu peito, entre meus seios (doloridos, com o peso do sono), se espalha por minha barriga (se empoça — se apossa? — em minha barriga) , entra por meu umbigo, invade meu útero e (quiçá?) me engravida.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Paixão rouba nossos sonhos

minha vida é um mundo de mentiras muito bem contadas. não poder nunca contar a verdade é o meu segredo. acreditar nas mentiras é o meu segredo. não ter segredos é o meu segredo. devorar-te se me decifrares é o meu segredo.


Nos teus olhos eu vou, lentamente, encontrar minha perdição.

Eu queria saber se te feri. Queria saber se me perdôas. Queria me desculpar por minha força bruta, por minha fraqueza (queria desculpar-me por minha franqueza).
Não percebes que me machuco quando dizes coisas assim? Não percebes minha careta, minha falsa-indiferença, não notas que desvio o olhar e não ouso correr atrás de ti? Não notas que por dentro quero chorar (mil coisas) e sinto-me tão perdida e? Não está claro que quando tenho sono viro só instintos e paro de pensar?

Ontem tantos arrependimentos... (fúteis)...

Discurso:


Não só eu falo as coisas importantes todos os dias (e não só com palavras). Também não posso falar a todos aquilo que poderia falar individualmente.
A vida não é tranqüila assim para alguém que um dia estendeu a mão, e teve roubado o braço. Porque minhas palavras são meu coração: se eu lhes estender meu coração, alguns entre vocês o comerão — sem hesitar o agarrarão com as mãos viradas em garras e — e me deixarão perdidamente só, sem coração. Meu coração é meu grande companheiro.

Baile:


Oh, sim, eu gosto de dançar. E gosto (muito!) de ver os outros dançando. Especialmente quando são meu pai e minha mãe, ligeiramente altos e muito (muito!) alegres, dançando juntos e chamando todo o resto das pessoas pra dançar. Eu gosto de dançar. Eu gosto muito de dançar. Eu queria (queria mesmo) saber dançar com você.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

gatonajanela.img

Nada, não. Isto tudo é só sua imaginação...



Minha gata está sentada em cima de uns livros na frente da janela, olhando pra baixo e miando agudo para algo que eu não tenho a menor idéia do que pode ser. Eu sei que ela ouve quando eu rôo o unha do indicador (que está 0,3mm maior do que eu consigo suportar) porque ela vira a orelha direita na minha direção e me manda um meio-olhar de soslaio (isso é uma redundância?). Nas cinco ou seis árvores que vejo atrás do muro branco além da minha janela, os milhares de galhos pequenos e folhudos que nasceram para compôr a majestosa exuberância do verão balançam suavemente com o vento. O azul do céu está tão claro que parece branco, e ofusca um pouco minha visão dos galhos.

Está tarde, e eu não cumpri meu dever.

Está tarde, e eu cumpri meu dever, mas não sei a que ele se presta.

Está tarde demais para correr atrás dos furos que assustam no começo do meu currículo. Estou apaixonada, quero tudo muito, e o segundo pedaço do bolo talvez eu tenha que dividir em dois. Eu gosto de mim, mas é muito difícil acreditar naquilo que faço e não faço.

Eu fui trabalhar para anestesiar a frustração de não trabalhar no meu atual emprego-faculdade. E quando chega o fim de semana estou sempre pensando odeio-sexta-feira. : "é que às vezes os ícones ficam em cima uns dos outros, aí eu não encontro...". -- esse foi o primeiro dia.



Minha gata está se debruçando para fora da janela, e eu vejo seu coração batendo rápido rápido. Nos olhos arregalados os músculos-íris relaxam fazendo as pupilas virarem uns filetinhos pretos; e os pelos logo atrás das costelas balançam conforme sua respiração se acelera.



Ninguém pode prever o que acontece depois a desilusão toma conta. Nem mesmo os elefantes.



Ouve um dia em que eu amanheci no chão de pedra do quintal da minha casa. Logo depois meus dois cachorros vieram me cobrir de baba de cachorro, sujeira de pêlo de cachorro e amor pegajoso de cachorro.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Carta de Amor

Em Alana, as histórias são escritas nos troncos das árvores e na superfície das pedras. É o velho de túnica azul que grava cada uma das letras, toda vez que chega à cidade. Assim que termina de gravar, ele parte outra vez para a Montanha do Marco de Ouro, onde espera encontrar a nascente mágica da Água das Histórias, que lhe permitirá contar todas as histórias que quiser. Entretanto, ele nunca chega à montanha, muito menos ao Marco de Ouro, e nunca chegou sequer a ouvir de longe o ruído de um regato onde desaguasse qualquer fio de água que viesse da nascente que procura! É que no caminho, o velho sempre acaba encontrando alguém que lhe conta uma história nova, intrigante e cheia de ensinamentos, e quando o velho a ouve é tomado por uma imensa necessidade de voltar a Alana e contá-la a todos os seus habitantes. Ele num instante dá meia volta, e enquanto anda vai contando a história a todos que encontra no caminho, e mesmo de si para si, recomeçando da primeira palavra assim que a termina, repetindo-a sempre como a um mantra ou uma prece, para não esquecê-la ou para espalhá-la por todo o caminho, como uma bênção.


Assim, quando chega a Alana o velho já não tem voz para contar a história a ninguém; mas a sabe de cor, palavra por palavra, e sua vontade de contá-la é ainda maior do que antes. É por isso que o velho mune-se de talhadeira ou faca e grava, nas pedras e nas árvores, cada letra da história que aprendeu — história que não vem da puríssima Água das Histórias, e que não foi sequer procurada; mas que foi ouvida ao acaso, ao redor de uma fogueira no campo, ou à mesa, na hora da ceia, ou num abrigo de chuva, ou sobre um carro de bois... ou mesmo numa estrada, da boca dum viajor que se cansa do silêncio dos seus próprios passos.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Procura-se

Estou procurando alguns livros e filmes que provavelmente emprestamos para alguém e esse alguém nunca mais devolveu. O problema é que emprestamos muitas coisas por aqui e depois de um tempo acabamos esquecendo quem está com o quê. Os itens perdidos que estou procurando atualmente são:

Livro Harry Potter e o Cálice de Fogo (o quarto da série)

Livro O Rei do Inverno da coleção 'Crônicas de Artur' de Bernard Cornwell -- com a Lori

Filmes (VHS) Hook - a Volta do Capitão Gancho e Peter Pan(desenho animado) ambos da Disney e talvez em fitas gravadas (tenho motivos para crer que alguém está com os dois)

Se você tiver um exemplar de algum desses em casa e não tiver certeza absoluta de que ele pertence a você, por favor dê uma conferida. Esses são livros caros e eu não quero ter que comprar de novo...
Aliás, se alguém aí estiver com qualquer coisa minha, de meus irmãos ou da "Casa dos Salles", por favor avise; Estou tentando inventariar tudo o que é nosso e que não está conosco.

E se algum amigo meu ler isto e lembrar de alguma coisa que está faltando na própria casa, pergunte se não está conosco, que nós também pegamos muita coisa emprestado e nem sempre lembramos de devolver.

Muito Obrigada;
Marina

domingo, 14 de outubro de 2007

A Morte de uma História, a Lenda de Black Bellamy e a Mulher dos Ossos - parte 3a

Este texto ainda é dedicado ao Ugo, embora eu tenha recusado seu convite, hoje. Acho que como o Ugo não está dentro do meu mundo interior, eu teria que caminhar, atravessando florestas e montanhas, até as fronteiras dele (até a minha superfície) para conseguir encontrá-lo, e isso me deixa terrivelmente cansada. As pessoas acham que na mente as informações são independentes, e que é possível pular de uma para outra automaticamente; mas a verdade é que toda vez eu percorro um confuso e difícil caminho de um ponto da mente a outro. Acho que é por isso que as vezes eu preciso ficar sozinha, em casa, parada num único sentimento de familiaridade. Me limitando às pequenas distâncias. Caminhando devagar. Descansando.

Peço desculpas por ter me escondido atrás da desculpa mentirosa de um trabalho. Falta-me às vezes, sabe? um pouco de coragem...



Foi preciso que eu me perguntasse, quando cresci, de onde vinha cada coisa. É preciso que se saiba (que se entenda) quais são nossas influências, como se cria nossa bagagem cultural. Existe pouca coisa que se cria por si própria. É preciso saber quem nos criou.
A primeira vez que me fiz essa pergunta, queria saber que tipo de animal eu era. A Lôba que eu queria ser, era uma lôba das lendas romanas? Era o Akela do filme do Mowgli? Era Caninos Brancos, ou Buck? Acho, sem muita certeza, que meu ídolo afinal era o próprio filhote de homem; e era também a pantera negra, Bagheera, e era a Mãe Lôba, que se chama Raksha. Reli o livro várias vezes procurando às cegas por mim. Vivi outras coisas depois, e outras coisas me fascinaram, mas nada foi tão forte, tão violento, e seguro.
Depois, perguntei de onde vêm os dragões. Estava absolutamente apaixonada por eles, e não conseguia entender a vida de outra forma. Mas achava estranha a presença deles em mim. Não sabia por que eu podia pensar em dragões. Levei muito tempo para lembrar dos filmes e contos de fada, e notei que os primeiros dragões que eu conhecera não tinham nada de fascinante. Mas talvez o fascínio estivesse oculto, pairando, esperando apenas o momento certo de se revelar. E despertou nos meus anos de ginásio, na espada de Lancelote, na peça que Bilbo prega em Smaug, no céu de Fantasia, em Nêmesis, Terry Pratchet, Nárnia, Holy Avenger, talvez até Harry Potter. E, talvez principalmente, jogos de fantasia, cujos cenários baseiam-se assustadoramente nas criaturas da Terra-Média. Lembro-me inclusive da primeira vez em que me deparei com um romance cujo assunto central eram dragões! Aquele formigamento na barriga, como se eu estivesse diante de um tesouro, como se aquela paixão pelos dragões fosse algo só meu, algo secreto, e o livro fosse um segundo segredo para saciar o primeiro! Como posso não ter notado que o mundo inteiro sofre a mesma doença?

Agora, me pergunto: e os piratas?

Consigo pensar no Capitão Gancho e em Simbad, o marujo. E no Corsário Negro, protagonista de um livro de aventura do qual eu só li a versão infantil (ou seja, resumida em menos de trinta páginas, com letras grandes). Todos têm lá a sua importância na minha própria história. Os piratas, naturalmente, me ensinaram coisas terríveis sobre a vida, coisas como a crueldade infantil, encarnada em Peter Pan, e como a resignação. Mas nem por isso deixei de associar a eles um certo senso de liberdade e independência necessários. Lembro da primeira vez em que me deparei com um autêntico romance de pirataria, em livro velho, cor de madeira, chamado Captain Blood. Mas justamente na parte em que o Sr. Peter Blood virava um pirata (e passava a se Pedro Sangue, o que eu achava muito divertido), perdi o interesse no livro e o larguei. Depois disso, só fui redespertar meu fascínio com Piratas do Caribe. E depois, One Piece. Apesar do entusiasmo inicial que essas duas obras me causaram, aos poucos (com as seqüências e o desenvolvimento das sagas) elas foram amortecendo em mim o que eu procurava. Aos poucos foi como um tiro no peito que se demorou anos para sentir. Aos poucos os piratas dentro de mim morreram, ou passaram a nunca ter existido. Eu fechei os olhos para eles, continuei gostando daquele sonho bobo de piratas, e só. Aos poucos eles se tornaram uma brincadeira de criança com os amigos. E só.
Com Black Sam Bellamy não foi assim.

Quando li O Lobo do Mar, eu estava procurando um livro sobre lobos e sobre piratas ao mesmo tempo. Sinto que esse livro não existe; mas aquela história me fez esquecer de ambos e me focar no Mar, que existe, e nos homens que navegam nele. O mesmo me causou A Volta ao Mundo em um Doze-Pés, com a diferença de que era uma história verídica, o que a tornava muito mais interessante (embora não tão... edificante, por assim dizer). Mesmo assim, não cheguei a procurar outras livros do gênero — simplesmente não tive interesse. Encontrei O Príncipe Pirata meio por acaso, porque minha irmã me havia mandado lê-lo muito tempo antes, e eu achei que o livro podia ser sobre um homem que era ao mesmo tempo príncipe e pirata (numa mistura de Corsário Negro com Robin Hood que a minha mente criou por conta própria). Mas o que encontrei foi um relato simpático da busca de um homem pelo navio de seus sonhos: a Whydah, a maior (e última) embarcação do pirata Black Sam Bellamy.


nota: este texto está incompleto, é claro. Eu realmente gostaria de terminá-lo de uma vez e acabar logo com isso, mas está meio difícil. Mais tarde eu termino, provavalmente também apagando algumas partes. Mas... mais tarde.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

A Morte de uma História, a Lenda de Black Bellamy e a Mulher dos Ossos - parte 2

Este texto ainda é dedicado ao Ugo, embora talvez não pareça. É que eu achava que o Ugo não existia nas minha paisagens internas (o que quero dizer é que não há uma metáfora associada a ele — ele é ele mesmo), mas agora vejo que um rapaz distinto se aproxima da costa e procura pelo horizonte seu futuro navio... Mas essa é uma história para ser contada outro dia...



Eu não sei exatamente o quê no texto do Ugo simplesmente disparou algo em mim. Relendo várias e várias vezes aquele texto, não consigo reencontrar a certeza e a clareza com que os ideais dos piratas de Black Sam Bellamy afloraram na minha mente, e a necessidade de contar sua história que se infiltrou determinantemente em mim. Acho que nada disso teria acontecido se minutos antes eu não estivesse lendo aquele livro; se naquele livro não estivesse escrita aquela singela palavra, se não estivessem transcritas aquelas histórias simbólicas, eu não estaria, certamente, escrevendo isto aqui.

Clarissa Estés, a autora do livro, diz que onde quer que ela fosse, ouvindo e buscando lendas e vivências, essas histórias, de pessoas que se dedicam aos ossos, que ressucitam os mortos, ou de uma mulher que é uma loba que é uma mulher, a perseguiam. La Huesera, a Mulher dos Ossos, é uma velha que percorre os desertos recolhendo ossos que podem se desfazer na areia. Ela mora em uma caverna cujo chão está coberto de ossos de lagartos, cobras e pássaros, mas o que a velha mais procura são ossos de lobos. Quando ela finalmente reúne um esqueleto completo de um lobo, e arruma cuidadosamente cada pequeno osso numa escultura no chão da caverna, ela senta-se diante dos ossos e pensa na canção que irá cantar. Quando a canção se revela para ela, então, ela estende suas mãos sobre os ossos, e começa a cantar, e conforme ela canta os ossos se levantam e se cobrem de carne.
Ela canta mais, e a carne se cobre de pele e os pêlos se levantam. Ela canta mais e mais forte, e a criatura-lobo levanta a cabeça e sua cauda ganha uma bela curva para cima. Ela continua a cantar, e a criatura-lobo começa a respirar. Ela canta mais e mais, e o lobo abre os olhos e dispara para fora da caverna, correndo pelo deserto com os pêlos brilhando sob o luar. Então, alguma coisa na noite, talvez um raio de luz que a lua cheia lança em seus olhos, talvez um resto de vento que levanta a poeira no seu caminho, ou as gotas da água de uma lagoa que voam sob seus passos, arrebata a criatura-lobo, e ela se transforma numa mulher, que corre nua pelo deserto, rindo e uivando para a noite. Eu gosto de imaginar que isso acontece exatamente no momento em que soa a última nota da canção da velha, na caverna.

O fato de a Mulher dos Ossos ser também chamada de La Loba me acorda para a idéia de que a velha e a mulher-lôba são na verdade a mesma coisa: algum dia a Mulher que Corre será velha, gorda e circunspecta, e andará pelos desertos recolhendo ossos de seus irmãos lobos. Ela dará vida e juventude a velhos ossos, repentindo o ritual ancestral de infinitas mulheres antes dela, que são, afinal, a mesma. Essa visão do conto, bastante diferente da discutida no livro, é uma repetição de uma história pessoal que a autora havia contado na introdução — um sonho seu, no qual ela contava suas histórias de pé sobre os ombros de uma mulher muito velha, que por sua vez estava de pé nos ombros de outra ainda mais velha, e assim por diante. Mulheres que Correm com os Lobos é um livro sobre a necessidade de se resgatar em todas as mulheres sua força instintiva e intuitiva, sua força criativa, sua liberdade, sua conciência, etc; entretanto, o que realmente me pegou foi essa idéia de continuidade, essa força das histórias, e a palavra "cantadora", contadora de histórias, que é como a autora (que eu tenho vontade de chamar de "narradora" e "protagonista") descreve a si mesma. Naquele instante me vieram à mente todas as pessoas na minha vida que haviam me contado histórias, fosse para ensinar, fosse para acalmar, ou simplesmente para divertir; me veio à mente a imagem de minha vó contando histórias para os netos na sua grande cama de casal.



Sabe, minha vó morreu quando eu tinha dezesseis anos. Dezesseis anos parece muito tempo para se conhecer alguém, mas a verdade é que nos últimos anos, quando eu finalmente tinha maturidade suficiente para enxergar as pessoas como pessoas (embora não completamente dissociadas de seu caráter simbólico), quase não vi minha vó. Assim, no dia em que ela morreu, demorei muito tempo para entender por quem, exatamente, eu estava chorando. Lembro que chorei primeiro pelos meus pais e tios, que haviam perdido sua mãe; depois, chorei pela avó que era minha, que contava histórias, que tinha uma voz doce, que errava os nomes, que servia almoços gostosos, que nos levava a lugares diferentes, que me ensinou a jogar xadrez, que eu amava; e só no fim, depois de aprender sobre ela inúmeras coisas que eu nunca tinha pensado, é que comecei a chorar pela pessoa que minha avó era: a mulher grande, forte, amorosa, amada por todos, a que ia em frente sem se embaraçar com seus próprios erros, a professora, a psicóloga, a que vencia os jogos de buraco, que ensinava os netos antigos joguinhos de lógica, que queria nos levar para o pantanal, que assistia filmes na sessão da tarde e aprendia com eles, e aprendia com tudo.
De certa forma, ler esse livro que minha avó leu, que foi importante para ela, é iniciar uma jornada à procura dela, de quem ela era, do que ela buscava. Enquanto leio, estou, mesmo sem querer, imaginando o que ela pensou quando leu aquilo, o que ela sentiu. Será que ela encontrou sua Luz del Abyss, será que mergulhou no Río Abajo Río? Qual será a história que mais a emocionou? Será que ela também se sentia na obrigação de contar histórias para nós, de nos ensinar coisas através delas? Será que ela se inspirou com esse livro, ou será que ele apenas reforçou o que instintivamente ela já buscava? Será que ela viveu a Loba dentro dela até o fim dos seus dias? Será que foi isso que lhe deu coragem, até o fim? para viver seu amor, para mudar sua vida, para ser "completamente feliz", como ela me disse? Para aceitar a morte? Para estender, ou segurar, a mão no momento certo? Será que minha avó foi verdadeiramente forte? Será que ela também desviou os olhos, e não quis olhar para as cavernas mais escuras do seu ser? Será que um dia ela teve muito, mas muito mêdo? Será que ela olhava para cima à procura do céu completamente azul?

Enquanto leio, enquanto escrevo, enquanto penso e sonho, olho para baixo e vejo que estou pisando nos ombros de minha avó. Mas ela quase não sente meu peso; ela poderia agüentar todos os netos em uma só asa, e sabe-se lá o que mais, na outra. Minha avó é uma enorme águia, um pássaro grande como o Róque (o mesmo Róque que olho passar voando da janela de minha torre, gato) mas com um olhar doce, arredondado, e não pontiagudo como o das aves de rapina. Ela é grande e protetora como uma mamãe galinha, com todos os pintinhos ao redor; mas seu olhar também não é assustado como o da galinha e o dos passarinhos. Também não é um olhar reflexivo e misterioso como o das corujas. É um olhar cálido, familiar. É um olhar como o de uma mãe. É algo que me faz procurar por ela, agora, tanto tempo depois. Finalmente.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

A Morte de uma História, a Lenda de Black Bellamy e a Mulher dos Ossos - parte 1

Este texto é dedicado ao meu maninho Ugo.



Foi uma sucessão de coisas, naturalmente. Quando eu era pequena, vovó reunia os netos para contar fábulas e contos de fadas que ensinavam pequenos segredos da vida. Quando viajávamos, minha prima inventava histórias alegres balançando na rede da varanda. Quando minha prima parou de contar histórias, achei que deveria assumir seu papel, inventando aventuras de pequenos animais para minhas primas menores. Mesmo quando minhas primas pararam de ouvir minhas histórias, ou eu deixei de querer que ouvissem, meus amigos-irmãos da escola às vezes pediam que eu lhes narrasse alguma coisa; e eu tentava contar-lhes as mesmas passagens fantásticas que vivia a contar para mim mesma. Mais tarde, quando nós nos afastamos, me reaproximei das histórias inventando-as em conjunto com meu atual namorado. Porém, quando, sexta-feira passada, meu maninho pediu que eu contasse uma história, me embaralhei, insegura, e comecei a contar uma história errada, e acabei me calando sem contar coisa alguma. Mas cheguei em casa ligeiramente envergonhada, e durante este última semana não paro de pensar nisso.

Sobre muitas coisas, é preciso dizer que os últimos poucos anos têm sido anos de nascimentos e mortes. Nascimentos e mortes, naturalmente, são indicativos de alguma mudança profunda no funcionamento das coisas. Como, digamos, rituais coletivos de amadurecimento. Não é possível esquecer que todas as árvores paulistanas nas quais subi e sobre as quais sonhei foram impiedosamente desfiguradas. Também paisagens internas, metafóricas, dentro de mim foram esquecidas ou transformadas, perdendo parte de suas características sem que houvesse com isso esclarecimento do seu significado. Em outras palavras, está se tornando cada vez mais difícil discernir a verdade.

E, afinal, quero falar do evento determinante que me trouxe até aqui neste momento.

Há mais ou menos dois dias, eu terminei de ler o último volume da famosíssma coleção das aventuras de Harry Potter. Deixando de lado minhas impressões específicas sobre esse livro (podemos discutir isso depois, né??), ler a última frase da última página do epílogo do último livro foi um choque muito grande, maior do que simplesmente acabar de ler uma história que passou anos se infiltrando nos meus pensamentos, nas minhas referências, na minha visão do mundo, por que foi um final surpreendentemente conclusivo (deixando de lado a incompletude das informações oferecidas pelo epílogo). Foi um daqueles finais que acendem, em uma pessoa como eu, o fogo e o ímpeto de buscar mais, criar mais, ler e compreender e continuar a história, e torná-la completa e infinita, e fundi-la a outras, e criar outras, e explodir e recriar como um peixe mil-bocas todo o universo imaginário que fervilha em algum lugar no fundo de nós. Levei horas assistindo o clarear do céu incapaz de adormecer; e quando adormeci, sonhei com mundos mágicos, e com ler novas e velhas histórias fantásticas; e quando acordei ainda estava passando e repassando em pensamento cada cena do livro, e recorri a ele várias vezes para tirar alguma dúvida, e resisti à vontade de ler de novo a coleção inteira, e não consegui sequer pensar em começar algum outro livro; e assim foi até o dia seguinte (ontem). Ontem foi um dia meio confuso, e lembro que antes de sair de casa, na hora do almoço, olhei para o livro e senti uma leve repulsa, como se estivesse olhando um cadáver ("dead body", no original). Finalmente, lá pelo final da tarde, enquanto Charles passava rapidamente de um site a outro no meu computador, olhei de soslaio para a estante de livros, por cima do cadáver de Harry Potter (que se tornara um ponto para o qual eu simplesmente parara de olhar), e vi, com um fulgor criativo já despertando no peito, um livro me chamar, com voz suave.

Algo chamara minha atenção quando eu lera as anotações de uma velha entrevista com minha avó. Vovó Celma era formada em diversos cursos de psicologia, e invadira diversas palestras pagas na sua inocência e vontade irrefreável de aprender mais e mais. Ela vinha de uma boa escola de Caratinga e de um infância acompanhando com um livro a Hora da Tia Chiquinha, programa educativo da rádio mineira. Seu pai ensinava os passarinhos a cantar. Quando perguntei quais filmes e livros haviam sido importante para ela, ela falara de O Nome da Rosa, Filhos do Paraíso, Sidarta, A Vida é Bela, O Sol é para Todos, Capitães da Areia, Memórias de um Médico e... ah, e ali está, o livro que sorria para mim da estante, o livro que uivava para mim, que eu distraidamente recebera de mamãe havia meses sem lembrar que, anos antes, vovó já me falara sobre ele, quando lembrava dos poucos livros, entre os muitos que já lera, que a haviam marcado profundamente. Mulheres que Correm com os Lobos.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Vamos Fugir?

É a vontade terrível de perseguir o que realmente vale a pena. Uma vela se inflando no meio do mar. Uma vela surgindo por trás de uma ilha; uma praia surgindo por trás de uma ilha. Vontade terrível de esvaziar os bolsos, de descobrir o que é que me prende à esta fraqueza e impotência. Me disseram uma vez que eu tinha o poder para conquistar o mundo... Eu não sorri. Será que não acreditei?
Fiz planos, sabe?
Sairia todos os dias, até um dia não poder voltar. O tipo de coisa que não se planeja, se faz. Minha falta de portifólio me incomoda, mas eu não penso em reclamar. Penso naquele trampo que não fui garimpar. Pensar me perturba. Às vezes sento na cama e leio, leio até que seja tarde demais. O objetivo é justamente cometer erros, para que eu me declare estúpida mais tarde. Não é realmente estupidez. Não é sequer preguiça. É pura e simples falta de interesse. Às vezes me imagino terminando a faculdade e acho engraçado, absurdo, até. Depois tento imaginar o que vai acontecer de verdade. E me assusto. Não sei se o que me assusta mais é a possibilidade de o absurdo se concretizar, ou o fato de eu não ter a menor idéia de o que mais poderia acontecer. Acho que toda essa questão de nunca ter realmente pensado no futuro está pegando agora. Crescer às vezes pode ser parecido com amnésia.

Minha pergunta atual é quanto vale a minha bicicleta. Se eu sair em viagem com ela, e no meio do caminho me encher o saco, por quanto posso vendê-la para algum desconhecido no cominho? É uma pergunta idiota, mas fico pensando nela por bastante tempo. Nunca tive muita referência das coisas. Por enquanto, pelo menos, sobrevivo me aproveitando das opiniões dos outros. Por exemplo, quando me perguntam se eu bebo, digo que meus amigos não bebem. Depois peço um gole da sua cerveja. Penso comigo mesmo de que não vale a pena se enfiar na fila pra conseguir uma só pra mim. Afinal, eu quase nunca bebo. Mas as pessoas olham para mim com uma cara estranha, como se me considerassem ainda menor do que já sou. Ou será que eu é que não percebo como sou pequena? Olhar para o azul do céu já não resolve nada, e está ficando cada vez mais difícil encontrar o que eu sou. Eu decidi o que quero, e é muito maior do que eu imaginava: quero viver de modo a me orgulhar de mim, e que quando eu tiver filhos ou netos eu tenha histórias boas para lhes contar. Uma delas será a de meu bisavô, que se tornou famoso numa cidadezinha ensinando passarinhos a cantar (ou ao menos foi isso que minha avó me contou). Também posso contar histórias da minha família e de meus amigos. Mas eu quero mais que isso: Quero realmente conhecer.

Acho que vivi muito menos do que pretendia... Eu sonhava, quando menor, poder dizer aos mais velhos que eu era mais jovem mas vivera mais; porém agora sinto que vivi muito menos do que muitas pessoas mais jovens. Os obstáculos no caminho -- principalmente minha mãe -- me fizeram abandonar as coisas simples, e eu nunca cheguei a arriscar-me nas grandes empreitadas. Agora me sinto velha demais para me transformar em qualquer coisa que eu queira, como se fosse uma massinha boa que foi guardada por tempo demais, à espera de algo que merecesse seu uso, e endureceu. Como um vestido de casamento de quem nunca encontrou seu par.
Sobre as massinhas velhas, admito que ainda podem ser usadas: com um pouco de fogo se pode amolecê-las, para então rapidamente modulá-las antes que endureçam outra vez. Também os vestidos velhos podem ser usados, também os idosos se casam -- embora eu me pergunte se o casamento de um idoso é tão valioso quanto o de um jovem. Penso naqueles tempo e lugares em que uma moça de vinte anos teria dificuldade em arranjar marido; mas hoje em dia, é claro, tudo é possível. Também é possível sorrir e não temer o futuro; mas também é possível perder-se diante do futuro. Às vezes paro e pergunto, Meu Deus, o que está acontecendo? Algumas respostas são muito difíceis de achar. Outras estão bem debaixo dos nossos olhos, tão óbvias que temos vergonha de olhar para elas. Penso no pássaro Róque sobrevoando um navio de velas negras que nunca existiu. Penso em todas as vezes em que temos mêdo de coisas que não deveriam, segundo a lógica vigente, existir.

Acabei de distraindo com uma pequena formiga que passeou pela tela, às vezes se confundindo com as letras deste texto. Me veio à cabeça Mário Quintana: "Para quê? se por ali já havia passado todo o frêmito e o mistério da vida...". Vou seguir a sabedoria do poeta. Parece que nada me resta a dizer.

sábado, 25 de agosto de 2007

Pensamentos...

Acho que não é culpa minha. Digo, por que seria? Fico pensando em coisas do passado, às vezes o passado revela mais, às vezes menos. Algumas lembranças estão cheias de um ressentimento pegajoso que não quer sair. Outras estão vazia, limpas, pingando como louça no escorredor. E o tempo passa num ritmo contraditório, em que todas as coisas se tornam impossíveis. Outras vezes, acho que nós é que passamos pelo tempo, e é por isso mesmo que ele parece tão inatingível. Não é mesmo possível pensar no futuro — o futuro só existirá depois que o presente for totalmente corrompido em função dele. É por isso que tenho mêdo de seguir em frente.
Da mesma forma que as crianças às vezes sentem os ossos crescendo, às vezes sinto a dor do crescimento do meu espírito. Acho que algum dia foi determinado que este ano as coisas mudariam, e eu aceitei sem reclamar. Assim como todas as coisas fúteis que aceitei, sempre sem reclamar. Mamãe reclama, abatida, pensativa (e tanto temos pensado ultimamente), das coisas que planejamos fazer e não fazemos, das coisas que fazemos mal, sem planejar. Mas eu não estou escutando de verdade. Estou rindo das bobagens da vida, criando coragem para algo que acho que nunca terei coragem de fazer. Mas é como se eu já tivesse definido ou decidido meu destino, embora não tenha certeza de que ele me agrada. Hoje estou serena, calma — vocês deviam ter ouvido o que planejava escrever ontem à noite. Às vezes paro no alto das rampas da FAU e fico olhando maravilhada a estrutura do prédio. Sorrio quase sem querer, enquanto as pessoas passam às minhas costas, quase sem me notar. Mas quando me afasto do grupo recebo um sorriso ou um tchau nervoso. Sorrio de volta, aceno, falo qualquer coisa. Penso que preciso ser mais agressiva. Eu nunca planejei de verdade fazer essa faculdade por mais de seis meses. Até agora tudo tem sido um teste, um aprendizado. Fico pensando se terei coragem de fazer agora a grande mudança para o ano que vem. Penso nisso e vejo uma série de desvantagens. De novo, me sinto insuportavelmente pequena.
O começo de tudo está em aceitar todas essas pequenas coisas que não fazem sentido. Quando terminei de ler A Caixa Preta, pensei: "Essa história não faz sentido", e guardei o livro na estante, sentindo que havia algo errado e que eu estava corroborando para com isso. Senti a mesma coisa com o final de Rorouni Kenshin. Mas guardei as duas histórias num cofre no peito, sabendo o quanto elas haviam sido importantes pra mim, independente de seus finais desanimados.
Guardei também os meus dois meses no Senac, embora eles ainda sejam louça suja. Estou pensando em como vou guardar o tempo e os amigos que fiz e ainda pretendo fazer na FAU. Não: ontem eu disse, Nos cumprimentamos, às vezes até nos tocamos. Depois nos afastamos sem despedidas. Ele conversa com seus amigos da faculdade e eu... eu não tenho amigos. Tenho apenas a vontade de que eles sejam meus amigos e a vaga noção de que gostam de mim; mas quando a conversa acaba nunca tenho certeza de que ela recomeçará algum dia, como tenho com meus amigos. E o tempo passa ao mesmo tempo muito rápido e muito devagar, fazendo com que construir qualquer coisa pareça impossível. Todos os momentos parecem demasiado curtos para que possam fazer diferença, e muito distantes para formarem um conjunto. Assim tenho a constante sensação de estar começando sempre um contato novo, nunca se aproximando da situação de conforto — e ainda assim quando nos avistamos parece surgir uma ameaçadora obrigação de familiaridade, de um cumprimento cuja ausência parece determinar o fechamento quase definitivo das possibilidades de uma nova amizade. Como quando se conhece uma pessoa a muito tempo, já notaram como então é mais difícil se tornar próxima dela. Acho que é por isso que decidi que teria apenas seis meses. Se nesses seis meses não conseguir realmente me aproximar de pelo menos um dos meus colegas, vou ficar bastante desanimada. De novo, tenho a sensação de que eles se considerariam meus amigos; mas também tenho o estranho mêdo de que achem que eu não quero ficar perto deles. (acho que nunca descrevi essa questão tão categóricamente — e nem sei o que isso significa).

Chega.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Lettres

Hoje foi um dia vagamente estranho, doce como chuva em dia de sol.
Começou com o sol de fim de inverno, a cor verde das folhas e os olhos doces do meu cão. E o amor inesgotável daquela gata que dorme na minha cama (que não está aqui agora; deve ter ido procurar comida em algum lugar.) Depois foi um vislumbre resquicioso de um sentimento que eu aparentemente já esquecêra. Mas a bem da verdade nem notei, e segui meu caminho tranqüilamente, e esperei o ônibus, levemente aflita, como faço todos os dias.
Mas dessa vez uma mulher de seus vinte e seis anos chegou no ponto, sentou-se, perguntou-me sobre o ônibus que ela procurava e que era o mesmo que eu esperava (e que estava providencialmente atrasado — ela riu, meio aliviada), e foi puxando assunto até que eu tive que aceitar conversar. Olhando para trás, eu fiz o papel do animal sendo domesticado: à princípio longe, meio assustada, mas cada vez mais à vontade, chegando mais perto, até que estávamos dentro do ônibus lutando para permanecer de pé e trocando idéias e experiências (ela bem mais que eu — senti um pouco como se ela já tivesse vivido tudo o que eu vivera e tudo o que eu deveria viver) sobre coisas não tão banais assim, como a vida na faculdade, as festas de Bauru, a importância de sair de casa, as trivialidades do trabalho. Nos separamos sem o sentimentalismo desnecessário, e então a FAU... a FAU. Sabe?
Meio assutadora, como sempre. E um professor, bem, quando entrei na sala me assustei com a contradição entre a voz grossa e o homem franzino. Extremamente simpático; e tinha um nome agradável, de uma região da qual eu já ouvira falar, uma tal de Ilha da Felicidade. E nos ensinou algumas coisas sobre o Oriente e suas linguagens, e sobre o design e o desígnio, e sobre outras coisas que nós precisávemos conhecer. Tanto que eu nem tirei o caderno da mochila, nem me distraí com meus colegas: fiquei ouvindo, embevecida. Digo embevecida pensando na delícia de beber cada palavra. Não sei, como... como estar muito afim de aprender, eu acho. E rabisquei furiosamente na folha do programa, sentindo cada traço, cada fúria, e afinal, foi só aí que me dei conta: rabiscando ágil um rraaahrrna composição de uma fera; só aí me dei conta do que me tomava e me fazia sorrir, subitamente — acabada a aula — sozinha na minha carteira. Que eu podia sentir.
Sentir! Como sentia falta daquilo, daquele prazer estranho, daquela pequena loucura! E ao sair da aula... notei então que eu não queria me isolar, que queria conversar, embora não soubesse como. E olhando para o chão vermelho além da rampa de saída, percebi que eu não queria deixar a FAU. Não ainda. Não por mais algum tempo. Mas talvez. Talvez seja simplesmente necessário.

Como aquela moça me disse, quando o ônibos esvaziou um pouco: fazer faculdade fora, morar em república, sair da casa dos pais — isso é simplesmente necessário. Por quanto tempo mais eu vou ficar negando o que o mundo insiste em me falar?



PS.: Hoje eu comecei a ler um livro.

domingo, 5 de agosto de 2007

Por favor, deixe-me chorar.

Este não é um post sobre como eu terminei com meu namorado e estou destroçada (o que não é verdade); não é um post sobre como estou desiludida com a vida e com tudo o mais e prestes a me suicidar (o que é uma absurda hipérbole da realidade); nem é um post sobre como as coisas todas na verdade não estão fazendo muito sentido (o que é um eufemismo, talvez até uma metonímia da existência humana).


Na verdade é um post sobre algo anterior a isso. Ao menos para mim. Este será um post que eu deveria ter escrito dezesseis dias atrás, mas que não consegui. A vida é assim, cheia de nãoconseguís. Irromperam-me as lágrimas dos olhos quando era de os olhos conseguirem ver. Às vezes penso que a vida é assim, fútil, proposital, eufemística. A vida é sempre uma metáfora para algo maior. O nascimento é metáfora da Criação, e a morte é metáfora para a Perda. Ou é para o Fim, que é metáfora para a Mudança. Tudo o que mais nos perturba é metáfora para a Mudança... Alguém já dissera que "nada se cria, nada se perde; tudo se transforma". A Mudança é a transformação.

Só resta mesmo ao fim ser figura de linguagem, porque na verdade as coisas não acabam; se arrastam, persistem, silentes e talvez invisíveis. Ela, por exemplo. Ainda resiste na voz a vontade de chamar-lhe o nome. Ela se esconde dentro, fundo, em tudo. Está nas estrelas, nos gramados, na solidão. A solidão que se define por falta dela; ela mesma nunca permitiria a solidão.

Porque há algo maior que a Loli ainda está tentando me dizer.

Como se ela quisesse que eu entendesse que ela era metáfora para algo maior. Talvez, se eu conseguir entender, eu me torne também metáfora dessa mesma coisa intangível. Essa entidade. Talvez até mesmo o Amor.
Porque a Loli me ensinou a amar. Antes eu não entendia; diziam-me amor e eu pensava apenas que um dia eu deveria entender o que era que se chamava de Amor. E então eu entendi, olhando naqueles dois castanhos olhos doces. Assim, minha primeira definição de amor foi aquilo que eu sentia pela Loli, e ela por mim. E a minha primeira definição de ser-consolado foi estar triste e desanimada e poder abraçar a Loli assim muito silente e sentir o calor dela e o coração dela batendo fundo (uma coisa sobre os labradores é que eles são muito fundos, como madeira maciça), e a respiração dela, e ela muito quieta e eu muito quieta, muito triste, e pensar, tudo bem, tudo bem, e tudo de repente ficar um pouco melhor, um pouco mais leve, e ficar mais fácil respirar (e então ela se mexer e sair do abraço). E a Lolita me ensinou outras coisas também: me ensinou a brincar, quando eu havia esquecido como; me ensinou a passear em vez de ir-a, me ensinou a me perder.
Principalmente me perder, e esse é um ensinamento pelo qual sou muito grata. Quando o Argus ainda não existia, eu saía com ela na guia meio sem vontade e pedia pra ela me dizer onde ela queria ir. E deixava ela ir tomando as decisões, viramos à esquerda aqui, atravessamos a rua agora, vamos parar porque estamos ambas muito cansadas. Uma vez nos perdemos tão absolutamente que paramos à beira de um murinho para descansar e eu não sabia se havia forma de voltar para casa (estávamos tão exaustas!); até hoje não sei que lugar era aquele, nem como saímos de lá. Andando, acho. Quando se anda muito, parece-nos que a única solução é andar mais. E me lembro vagamente de pegar a guia e arrastar a Lolita para fora dali, porque ela sempre se cansou mais rápido que eu, e lembro de como eu tinha que puxar a guia com força para ela não parar no meio do caminho.
Uma vez também ficamos perdidas no meio da Vila Madalena, o que foi pior porque as ruas lá são horrivelmente íngremes — chegamos a subir na Nitingüi até a Harmonia apenas para que uma moça lá em cima (a primeira que víamos em vários minutos; estava anoitecendo) nos aconselhasse a descer tudo e seguir pela Natingüi até a Praça do Pôr-do-Sol. Para quem não conhece, isso são quatro ou cinco quarteirões de escadarias e ladeiras, e quando chegamos na praça estávamos mortas. E ainda tínhamos que subir a praça inteira. "Que caminho mais estúpido", dirão vocês. Mas por favor lembrem que eu estava completamente perdida. E aí minha amiga Larissa me ligou, perguntando porque eu não estava na festa dela, e eu fiquei sem saber o que dizer. Parecia absurdo contar para aquela menina bonita, bem educada, e nem de longe tão doidinha quanto eu, que eu estava perdida com minha cachorra num bairro desconhecido (não importa quão próximas de casa aquelas ruas sejam para mim hoje). Também não me lembro do estado em que estávamos quando chegamos em casa. Ou melhor, tenho uma lembrança vaga de nem ter energia para pegar dois copos d'água para nós, como eu sempre fazia. E nem ela ter energia para aceitar, quando peguei-os, passados alguns minutos. E de ficar bastante tempo parada, antes de sequer pensar em ir para a tal festa. Mas até hoje lembro desse dia com orgulho, até com uma pontinha de inveja, porque depois vieram os filhotes e o Argus e nunca mais eu pude me perder tão perdidamente quanto que gostava de me perder com a Loli. E depois também eu comecei a me perder sozinha voltando do cabeleleiro (o que nem é tão divertido) e afinal passei a conhecer tão bem o bairro que mesmo quando tento me perder eu sempre acabo sabendo exatamente onde estou. O que me faz pensar que talvez seja hora de mudar de bairro.

Por isso eu penso que talvez a culpa nem seja da Loli, e sim minha. Talvez o papel dela na minha vida tenha mesmo acabado, junto com tudo aquilo que o Santa e infância representaram pra mim. Então ela estava deixando, de qualquer forma, de ser minha cachorra. Talvez até por isso eu tenha me habituado a chamá-la de cã (cabelo branco): porque ela estava ficando velha, branca, e sequer subia nas pedras da Cajaíba, e sempre se cansava tão rápido nos passeios que o pobre do Argus voltava pra casa sem estar nem um pouco ofegante. Mas há algo mais, ou algo menos. Faz duas semanas que eu te vi pela última vez, e agora às vezes acho que você ainda está lá fora no quintal, esperando um pouco de carinho. E às vezes acho também que já faz tanto tempo, já nos acostumamos. Acho que é só isso que me permite escrever aqui, agora: não saber se você ainda vai aparecer em sonhos, não saber se eu nunca mais vou pensar em você. O que você acha, Lô? Devemos atravessar aqui, ou virar a esquina? Voltar? Visitar a Kiki e o Balto? Descansar no próximo banco? O quê, Lô? Como eu vou entender esses seus meneios de cabeça, esse seu ofegar constante, seu passo que hesita e puxa e mostra quem é que manda (eu ou você, Lô? Ainda não sei...), seus latidos para quase todos os outros cachorros (e por que não aquele labrador chocolate, aquela golden-labrador da esquina, por que com eles era tão amável?), seus cheirares os canteiros, seus puxões, corridas, pausas, andar arrastado, escolha da calçada em vez da grama, pisar na sarjeta suja em dias quentes? Eu, que sou apenas humana. E você, também, entendia quando eu te contrariava? Entendia tudo o que eu falava, contando coisas da minha vida, fazendo perguntas, comentando os lugares, os passeios, conversando até com cachorros alheios? Você entendia meu cansaço de segurar a guia firme, de gritar, minha irritação? E qual era a de ficar latindo feito louca toda vez que eu aparecia perto do quintal?! De ficar gritando por comida, sua doida?!!, logo depois do café da manhã!
Não, acho que a doida sou eu. Porque, sabe, eu te amo, Lori. E eu disse isso milhares de vezes, nos últimos meses, quando eu chegava tarde da noite em casa e encontrava você lá, deitada tão tranqüila, tão fofa, e eu pensava ela amadureceu mesmo, não está mais correndo para mim e pulando... mas será que não era já o início da doença? O que sei é que eu te abraçava, doce, quente, fundo, e era quase como chorar, mas melhor, porque não doía, e porque eu não me sentia tão só. E não era porque eu estava triste. Era só porque eu te via e queria te abraçar. Porque você era linda. Porque, sabe, você meio que foi meu primeiro amor. Não Primeiro Amor de verdade, desses que fazem o mundo girar, a gente ficar sem comer, as festas perderem a graça, e o céu ficar mais azul. Você foi meu primeiro amor amigo, assim ágape, assim (não há como explicar), assim cão. Você foi como uma irmã que não fôra sempre da família, que não era sequer minha igual. Não importa: nós duas fomos exemplos de nossas próprias espécies. Ou pelo menos você, Madame Lolita, foi. Acho que quando eu penso que quero ter um amigo para quem eu possa contar tudo, conversar sobre tudo, e que me conte tudo também, e que seja assim um melhor amigo, acho que é isso que estou procurando. Talvez seja por isso que se diga que o cão é o melhor amigo do homem.

Meu mêdo é que eu nunca consiga ter no Argus a mesma confiança que eu tinha em você.

E já que estamos nisso eu temo que nenhum outro cachorro seja tão importante para mim quanto você foi. Que outro cachorro poderia me ensinar tanto? E quando eu poderia ter tanto a aprender? Às vezes acho que a época de aprender já foi, e que agora é tempo de me tornar o que aprendi. Mas, ao mesmo tempo, vivo rezando para que tudo o que já me disseram nesse sentido seja uma grande mentira. Imagine, nunca mais poder mudar meu jeito de ser? Estar presa a essa minha criancice? Imagine nunca mais poder conscientemente alterar minha caligrafia, como fiz uma vez, aos quatorze anos. Impossível.

Mas acho que, somando os tempos bons e os ruins, nós até que tivemos um belo saldo positivo. Acho que eu posso dizer até que cuidei da minha cã, embora não tenha sido tanto quanto eu acho que deveria. Resta saber se eu conseguirei cuidar da mesma forma não apenas dos próximos cães que hão de vir mas também da minha própria vida, sem ela. Porque a presença dela sempre me lembrou de uma porção de coisas boas de lembrar, e agora parece que falta alguma coisa muito importante no meu dia-a-dia.
Inclusive eu me sinto como uma mera sombra do que sou — abalada, confusa e às avessas. Tenho a impressão de que sinto as coisas boas como se fossem ruins, e as coisas ruins me parecem boas. Mas talvez seja apenas o clima que está confuso (aliás, vocês viram que belo dia foi ontem?)
A verdade é que me pego pensando se na verdade a morte dela não foi um pouco providencial. Se não foi, como eu disse antes, algo proposital, e por isso mesmo fútil, comparado ao que seria a nobre desrazão do acaso. Eu fico pensando que nesta época nós precisávamos passar por uma grande mudança, e que a Loli cumprira sua função no mundo na etapa anterior de nossas vidas. Eu fico pensando também que quando a gente adoece a gente muda e cresce, e que talvez a morte seja a maior mudança de todas; que talvez a morte seja um passo maior de crescimento, e que portanto a minha senhora cã está seguindo na sua jornada.E também que minha família precisava mudar e crescer, e que essa morte foi a nossa doença. E que se nós conseguirmos seguir em frente, estaremos mais fortes para enfrentar os próximos desafios. Porque tudo na vida é uma metáfora para algo maior, e todo acontecimento é uma metonímia, e por isso cada coisa que existe ou acontece têm muitas formas de ser compreendida; mas me parece que nenhuma forma é completa, pois as coisas só podem ser explicadas a partir da compreensão de todas as metonímias. Acho que é por isso que é sempre tão difícil entender.

No fundo, acho que nem estou mais falando da minha cã. Porque também a Lolita se tornou agora uma metáfora para a Vida, e essa já é uma forma boa o suficiente de lembrar dela. Independente de como o homem pegou o corpo dela e o jogou dentro do carro para levar para o crematório canino, acho que o Espírito da Loli conseguiu explodir em milhões de pedacinhos e espalhar-se em todas as direções. Muito mais do que qualquer um de nós, agora a Lolita faz parte disto tudo.

A única coisa que resta, engasgada no peito e na boca, é a vontade, é a fome, de gritar, assoviar, chamar, docemente, alegremente, através do quintal ou da praia:

Loli... Lollipops... Lolita... Lolita, vem! Vem, Loli!

...

... e eu quase consigo vê-la correndo, meus olhos se enchem d'água, porque eu a vejo correndo sorrindo pra mim totalmente livre e jovem e parece impossível aceitar que eu nunca mais vou vê-la assim feliz correndo latindo sorrindo brigando gritando correndo sorrindo pra mim vindo depois que eu chamo.

O engraçado é que então eu lembro do Argus e vejo ele latindo sorridente (porque ele é um fofo, sabe?), e penso, Talvez...

E, o rosto molhado de lágrimas, no meu coração a Lolita se tornou algo mais que uma cã muito amada e querida. Algo de que, na verdade, eu nunca vou conseguir falar realmente. Algo assim secreto. Só entre eu e ela.

E só.

















terça-feira, 17 de julho de 2007

Ontem e amanhã



Às vezes acontecem coisas que eu não consigo de modo algum explicar.
Como quando o tempo se dobra e consigo conversar comigo mesma pelo espelho.
Estou ficando lenta e confusa, e acho que já disse isso antes. Tenho a impressão de já ter dito tudo isso antes.

Antes do que?, podem me perguntar.

And the wolves run to find their cove...

segunda-feira, 9 de julho de 2007

terça-feira, 3 de julho de 2007

Fim de hiato - e momentânea desistência

Acabei de postar uma coisa neste blog. Mas é um post tão antigo... quando me dei conta, o post nem aparecia mais nos Ecos... A verdade é que está ficando cada vez mais difícil escrever. Cada vez mais difícil fazer qualquer coisa, na verdade. Estou ficando lenta e confusa. Me sinto uma gata velha, daquelas que passam o dia dormindo na frente da janela, que passam o dia pensando em coisas que não existem, mas sentindo apenas o que está bem aqui, estas feridas novas, que coçam, essas verdades novas, tudo o que está acontecendo e que eu não consigo compreender. Por isso a enigmática função do Diogo (e agora, de certa forma, também do Tchaba) na minha vida se torna tão fundamental. E por isso também quando eu engatei a primeira e acelerei devagarzinho pela primeira vez na minha vida, e pela primeira vez senti a dulcilidade com que aquele monstro mecânico respondeu de imediato e com precisão a cada um dos meus movimentos; por isso naquela hora tudo pareceu fazer sentido, e todas as coisas encontraram seu lugar, e eu me senti plenamente capacitada a ser aquilo que toda a minha história sempre disse que eu haveria de ser.

A questão é que eu desisti de terminar aquele post que eu comecei faz muito tempo, porque não sei mais como terminá-lo. Leiam, que vocês vão entender. Procure-no, talvez. Porque também eu não sou 'hermética'. Eu me compreendo, na maior parte das vezes. Mas, também, não faço questão de que me entendam, não sempre. Essas coisas variam de intensidade e de importância.

Enfim, fins de hiato sempre serão posts ruins e confusos. Algum dia eu vou reunir todos eles e postar todos juntos pra vocês verem como são textos ruins. Acho que é porque marcam períodos de falta do que falar, de confusão e vazio. Bem. Espero que vocês estejam felizes. Espero que tudo esteja dando certo. No momento, eu estou um pouco desanimada.

Mas hoje foi um dia maravilhoso...
Oh, well, as coisas são assim, esquisitas, mesmo.
Um grade beijo.

Marina.

terça-feira, 19 de junho de 2007

"Não hesite! — gritou Faklam"

Variações sobre o mesmo tema



Agora há pouco aconteceu de eu encontrar na minha caixa postal um e-mail do Charles. Aliás, não: eram dois, e como eu queria ler primeiro o mais antigo, e como o mais recente parecia mais interessante, acabei lendo do primeiro apenas as primeiras palavras, enquanto do segundo li todo o conteúdo. Eram as primeiras palavras: não hesite!, gritou Faklam.
Seguiu-se: meu cérebro inquieto e prosador começou a criar para essa pose diversas possíveis continuações, cada uma a seu modo. E a cada continuação eu pensava (não, não será assim, o Charles nunca continuaria assim...) mas à verdade o texto dele acaba sendo meio parecido com minha primeira imaginação.

Seguem-se:

***

Não hesite!, gritou Faklam para Lennor, e Lennor não hesitou: saltou como uma pantera sobre o vulto que corria e o derrubou no chão com violência. A vida não lhe ensinara a ser brando; antes ensinara-lhe a ser bruto. Sua força vinha da pureza de suas decisões. Ademais Lennor era um homem calado, e a raposa que agora mantinha fortemente entre os braços era na verdade a criatura que melhor o compreendia.

***

— Não hesites! — gritou Faklam, agitando os braços enraivecido, o rosto vermelho — Se hesitares por apenas um segundo diante de um Drédjam, não viverás para se arrepender! O mundo é impiedoso; devemos ser igualmente impiedosos para manter a ordem nele!
— Mas este não é um Drédjam, senhor; é um animal indefeso! — protestou Nariu, imitando o gesticular do mestre.
— Mas achas então que quando encontrares o inimigo o reconhecerás de imediato? Não vês que também um Drédjam não passa de um animal indefeso como este — e levantou a lebre ruiva pelas orelhas, arrancando-a do abraço do rapaz — Não vês que também esta lebre é capaz de matar se sua família for ameaçada?!

***

— Não hesite! — gritou Faklam, e quando gritou pareceu tomado por um espírito louco. Makke mantinha o cano da arma firmemente apontado para a terceira vértebra da coluna do rival, mas o dedo indicador já sequer encostava no gatilho. De repente parecia-lhe inconcebível matar um homem por que viver próximo dele seria insuportável. De repente o fato da própria existência de Faklam ser o centro dos tormentos da cida de Makke parecia uma idéia idiota. Sem contar que ele não podia simplesmente tirar a vida de um homem que pedia para morrer.

***

Não hesite!, gritou Faklam, e não teve tempo de se arrepender quando todo o seu mundo conhecido voôu pelos ares.

***

— Não hesite! — gritou Faklam, com um sorriso. Momo respondeu com um latido, e entrou determinado no labirinto que era a primeira das doze provas.

***

"Não hesite", gritara Faklam do portão, mas é claro que Marcus hesitou. Não era realmente culpa dele: ele estava apenas fazendo o que fora ensinado a fazer desde que tinha dois meses e meio de idade. Agora, hesitar, calcular, pesar minuciosamente a situação e as conseqüência antes de agir se tornara parte de sua natureza. O Pêndulo, porém, não era familiarizado com a natureza de Marcus — não sabia que se esperasse apenas aquele breve instante o desafiante rapidamente se decidiria e tocaria o sino com firmeza e tranqüilidade. Ele não podia adivinhar que aquele toque geraria o badalar mais límpido e preciso que a cidade de Caluam seria capaz de apreciar. O Pêndulo, como Marcus, seguia apenas sua natureza; e no momento sua natureza dizia que qualquer desafiante que hesitasse em cumprir suas ordens deveria ser expulso ou aniquilado.

***

*******

Cansei de escrever. Vou fazer outra coisa. Boa noite, amores.

domingo, 10 de junho de 2007

What life is all about

Hoje foi um dia terrível. Mas, no final do dia, eu levei meu namorado ao ponto de ônibus, e nós guerreamos e inventamos brincadeiras e nos despedimos sorridente; e na volta eu encontrei um gato e andei rente ao chão e fiz movimentos felinos e falei como um gato (é incrível como os gatos acreditam quando finjimos falar a língüa deles) e ele me deixou chegar até o limite da sua área de segurança (ou seja, mesmo se eu o atacasse, ele poderia fugir, mas só por um triz).
E no começo do dia brigamos com coceguinhas e... talvez seja isso que a life is all about: começos e finais...

sábado, 2 de junho de 2007

Encontrei este poema num caderno velho e me lembrei do meu maninho. Espero que você entenda porquê, Ugo ^^


Correndo rio de água corrente
Água corrente no rio correndo
Corrente o rio de água correndo
O Rio Corrente correndo de água
Água correndo no rio corrente
Correndo água corrente no rio
A água a água corrente no rio
Corrente correndo no rio correndo
No rio correndo corrente do rio
Que d'água correndo deságua no rio
Corrente corrente correndo na água
E afoga na água corrente do rio
Afoga corrente, na água do rio
Correndo, correndo, correndo, desvio
Afoga e desvia e deságua no rio
A água corrente, correndo, desvio.

quinta-feira, 31 de maio de 2007

Brevemente.

Realmente, tem algo de encantado no dia de hoje... Mas eu não vou explicar agora, porque tenho que tirar o pijama e ir me arrumar para ir no forró com a Camilla.

Isso soa absurdo para vocês também??





(...droga, tenho deixado muitos posts pela metade ultimamente...)

domingo, 27 de maio de 2007

Só uma coisa a dizer:

The king and his men stole the Queen from her bed
and bound her in her bones
The seas be ours
and by the powers
where we will we'll roam

Yo-ho,
haul together,
hoist the colours high...
Heave all,
thieves and beggars,
never say we die...

Some men have died, and some are alive,
and others sail the seas
With the keys of the cage
and the Devil to pay
we lay to Fiddler's Green

Yo-ho,
haul together,
hoist the colours high...
Heave-ho,
thieves and beggars,
never shall we die...

The bell has been raised from it's watery grave
Do ye hear it's sepulchral tone?
A call to all,
pay heed the squall
and turn yer sails towards home...

Yo-ho,
haul together,
hoist the colours high...
Heave-ho,
thieves and beggars,
never say we die...

Heave and haul,
all together,
hoist the colours high...
Here we're all
thieves and beggars
and never say we die...

Yo-heave-ho...
all together...
hoist the colours...

Far-thee-well...

Thieves and beggars...

Never shall we die!...

sexta-feira, 25 de maio de 2007

(roubado de)

Que Estranha Forma de Vida de Marta Peralta

Escrever

Escrever palavras apenas para observar a tinta a sair da caneta,as palavras que se vão formando através de letras que vou escrevendo,mesmo que não façam sentido.Escrever para não enlouquecer porque o que povoa o meu cérebro são volumes de dicionários cheios de palavras repletas de letras,palavras em várias línguas, umas que existem,outras que nem sequer o são.Escrever porque é como respirar,é como voltar a adormecer o monstro para que não se liberte,escrever para ver a forma que posso dar ao texto pondo uma palavra aqui e outra
aqui.
Escrever porque posso,porque tenho mão,porque penso,porque sinto,porque sei,porque sou.Escrever até doer a mão e a letra sair feia.Escrevi porque necessitava...porque estava a enlouquecer...


E este não é o único texto dela que eu gostaria de ter escrito...

quinta-feira, 24 de maio de 2007

O Tomo de Gancche - I

Escrevi este início de história há um bocado de tempo já, mas nunca consegui terminá-lo. Vou publicá-lo talvez apenas para tornar menos difícil lê-lo, sabe? Obviamente, eu não pretendia interromper a narrativa ali, mas fui obrigada. Um dia eu termino ^^ Aproveitem, foi feito com esmero.

O relógio de pêndulo acabou de assoviar seis horas, e cada objeto nesta sala parece reverberar em concordância. Os livros nas estantes, com suas capas de madeira, tremem com o assoalho, em resposta aos urros da trovoada, e meus velhos ouvidos sentem o tilintar silencioso das lâminas nas paredes e das penas sobre a escrivaninha. Cada coisa nesta sala quer prender minha atenção, quer lembrar-me de sua importância e da importância do momento e do lugar de onde saiu. A pedra vermelha que uso como peso de papel prende o meu olhar como um îmã poderoso; o envelope rasgado embaixo dela exala um perfume antigo que torna difícil pensar. É certamente o punhal de lâmina negra, entre todos, o que mais se remexe (imóvel) no seu suporte na parede. Entretanto, poderia eu desandar a falar dele, quando sequer mencionei tantos outros elementos cuja importância precede sua existência? Vejo agora o grave erro que cometi: tranquei as portas, e passei ferrolho nas janelas, para que ninguém vindo de fora perturbasse meu ofício, e agora são os alguéns — ou alguns — de dentro que me perturbam. Desde sempre, dias como este, chuvosos e cheios de vento, me trazem tantas lembranças, e tão antigas, que não consigo manter os olhos no presente.

Então, talvez seja a chuva minha melhor companheira: porque é preciso que eu me volte mais uma vez para o passado. É preciso que eu conte uma velha história, uma entre as tantas histórias que cada reflexo de luz nesta sala insiste em me recordar, mas uma história que ao fim encerra todas as outras. É por isso que tranco as janelas, que privo-me da abençoada luz do Sol e me atenho à pena em minha mão e ao tomo sob meus dedos. Todavia, antes que eu consiga unir os dois e dar início, finalmente, à narrativa, uma dúvida me paraliza: por onde devo começar? De outros dias chuvosos como este, outros dias que mudaram minha vida? De algum momento ainda mais memorável, em que a vida dos — dos protagonistas? — estivesse periclitando entre mais de um precipício? Aquém e além dessas portas fechadas, cada signo no mundo reclama o seu direito de introduzir e justificar os outros. Eu busco o momento que melhor explica tudo o que este tomo tem dever de compreender. Devo partir do fim? Do começo? E, mesmo que soubesse escolher por um dos dois, eu saberia discernir quais são o início e o término de minha história? Não — seria melhor que a minha narrativa começasse não por um, mas por todos os momentos, conferindo a cada instante o valor e o sabor de descoberta que é de seu direito.
<08/11/06>

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Questão

Estava pensando agora, de fato, faz muito tempo que não escrevo um post reflexivo-poético... bem, uma alarara ou divagação... Estranho... sei lá...

Hoje estava revendo um caderno e não consegui entendê-lo. Como se eu não conseguisse perceber a intenção dos desenhos. Tudo está tão enigmático!

terça-feira, 22 de maio de 2007

Sobre a palavra "semelhança" - cor (sinestesia)

É que a palavra semelhança, com seus Ee, seu S, seu M, seu LH e sua cedilha, tem uma cor assim de feno, talvez um feno ligeiramente rúbreo por causa dos Aa e do N. Mas semànticamente, sabe, semelhança é uma palavra meio azul. Go figure.

(ignorem este post)

Semelhança

"Onde queres revólver sou coqueiro, onde queres dinheiro sou paixão
Onde queres descanso sou desejo, e onde sou só desejo queres não
E onde não queres nada, nada falta, e onde voas bem alta eu sou o chão
E onde pisas no chão minha alma salta, e ganha liberdade na amplidão"


Eu estava pensando.

Que quando gostei da Yuri
(digo gostei, porque gostei antes de amar)
gostei dele principalmente pelo que nele era curiosamente diferente de mim
(mesmo que depois eu tenha percebido que não era)
e depois descobri o quanto éramos iguais
(mesmo que agora eu ache que era muito diferente).
E foi mais ou menos por aí que me apaixonei. (isso foi antes de nos tornarmos parecido demais)

Estava pensando nisso porque percebi — e foi muito estranho perceber — que eu comecei a namorar o Charles basicamente porque ele era igual a mim, e depois fui descobrir que éramos, enfim, fundamentalmente diferentes (e, até certo ponto, isso é o que mais gosto nele. mas só até certo ponto.)

Estava pensando nisso também porque as pessoas dizem que escorpianinos não fazem bons pares com outros escorpianinos, mas em geral são dos escorpianinos que eu procuro me aproximar (e, veja só, me apaixono por eles).
Mais do que isso, consegui namorar dois rapazes que fazem aniversário junto comigo.

O mais curioso disso é (pense nisso) em geral minhas brigas com o Cham são justamente sobre aquilo em que somos diferentes! Não me lembro de como era com o Yuri (é que não brigávamos, entende)...

A minha questão é: será que eu estou buscando namorar a mim mesma? Por que eu procuro sempre o semelhante, e nunca o diferente? Ou será que é o contrário; será que é o semelhante que procura a mim?

(acho que vou desenvolver isso outro dia. quando estiver menos tensa e, sei lá, menos nua)

Resposta ao Comentário do Yuri

Obrigada por colocar isso de maneira tão clara, Yu. Ultimamente tem sido meio difícil parar para refletir e ainda escrever o que reflito, sabe? Outro dia comecei um texto bastante reflexivo, descritivo, empolgado, revoltado, marinesco, daqueles que, bom, não sei o que me dá (mas não daqueles que eu realmente gosto, daqueles que, hm, quase ninguém entende...) mas ainda não consegui terminá-lo. E, quando o fizer, vai ser um texto esquisito, e imenso. Conciliar a vida internáutica com a nova realidade da participação na faculdade, da criação de novas amizades e parcerias, e da busca pela compreensão de uma nova forma de viver a vida (isso sem contar a terrível e fascinante descoberta da responsabilidade) tem sido complexo, difícil e delicioso. Mas por enquanto a literatura deixará a desejar. Estou começando a me reorganizar pela parte das artes mais visuais mesmo — aquelas que são menos sonoras que esta aqui.

Como a vida tem sido meio tensa (hoje especialmente), provavelmente vocês verão mais textos como aquele escarro do Pato (e também porque tenho lido o jornal todos os dias...). Mas gostaria que você, Yu, voltasse a expôr seus pensamentos rabiscados e digitados novamente. Valorizo sua visão do mundo, mesmo que não concordemos. Mesmo se não conseguir postar como postava, você podia falar mais sobre como é a vida lá na FFLCH :þþ Deve de ser interessante... Aliás, conheci uma bixete das sociais, hoje. Pegamos o mesmo busão. Sei lá.

A respeito do blog preto, por enquanto vou deixar preto mesmo (e não é todo, pensando bem: o título, a descrição e os posts mais recentes têm outras cores) porque quero destacar os textos e somente os textos. Mas só porque você falou vou botar o título mais claro e mudar a cor dos rodapés.


PS.: Resolvi fazer um post só para essa resposta porque achei que ela valia um post. Isso acontece muito, comigo, mas nem sempre tenho coragem de dar tanto destaque a um comentário, sabe? Mas a vida está mudando. Eu estou mudando. Tudo está muito diferente do que sempre foi... e é muito bom sentir esse ar fresco que sopra da humanidade...

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Lalala - e vários outros assuntos

Hm, esse foi um ótimo fim de semana, razoàvelmente produtivo, descansativo (acho que é um bom antônimo para 'cansativo') e gostoooso... Cheio de boa comida (o feijão na casa do Charles é uma iguaria), sobre-mesas (bolo de banana da Maria, sorvete e bolo da Sida... hmmm...), bons filmes (e ruins também, na verdade), One Piece, passeio de carro, conversas boas, planos... Estou tão bem-humorada que achei que deveria escrever alguma coisa sobre isso.

Por outro lado, tenho uma porção de trabalhos pra amanhã ou pra terça que estão muuuuito longe de ser acabados... -_-'''

Tive um sonho com o pessoal da faculdade, ontem. Foi a primeira vez. Pensando bem, tinham pessoas do santa no meio da minha classe da FAU. Além disso, acho que o representante de classe (ou só um cara do grêmio, não sei) era o Desmond, do Lost. E olha que essa foi a parte menos estranha do sonho ¬¬

Ah é, e também descobri que Psych está passando só aos domingos! Eu tinha reparado que Monk tinha mudado para as quartas-feiras, mas nem tinha feito a ligação... Que droga, nada mais de chegar tarde em casa e ver só o finzinho de Psych e não entender nada, pra depois ver o episódio inteiro na sessão da uma... Por que eles não puseram Monk no lugar de o que quer que seja que passa na segunda, hein... aposto que valia mais a pena... hunf...


PS.: eu fico sempre pensando se alguém realmente se dá ao trabalho de ler as coisas inúteis que eu escrevo sobre o que está acontecendo comigo agora... ainda mais agora que não tenho caprichaod tanto nos textos. Mas, como não tem mais ninguém por perto que faça isso, não posso nem saber se eu gostaria de ler um blog assim (obviamente eu sou a medida para todas as coisas... *sorriso colgate superior*). É que não são assuntos realmente universais, sabe, mas acho que tudo o que acontece no mundo é, em certa medida, de interesse de todos. Entendem? Alguém me ajude a resolver essa questão.

PPS.: Vocês já repararam que o sitema de comentários do Blogger (entre outros) só mostra a hora do envio do comentário, mas não a data? É como se naturalmente todos os comentários fossem ser feitos no mesmo dia em que o texto é publicado. Claro que no nosso caso quase sempre o texto será lido umas vinte e quatro horas depois de ser escrito, e então os comentários demoram de dois a *número bem grande* de minutos para chegar. Digo isso porque muita gente relê posts muuuito velhos (de, deixa eu ver uma semana atrás? :þþþþ) e faz comentários! Minha conclusão é que estamos entre os mais saudáveis dos usuários do Blogger, já que não estamos loggados o dia inteiro para podermos ver todos os posts novos e comentar sempre no mesmo dia.
Sei lá, isso vai para a minha lista de 'provas de que o mundo não foi feito prà gente'...

PPPS.: pensando bem, será que alguém vai ler estes PSs? Será que só quem quiser comentar (e estiver procurando o link) vai encontrá-los? Ou será que todos os leitores selecionam o texto ao menos para ver se há algum comentário? De qualquer forma, talvez só os leitores que façam isso sejam do tipo que se interessa pelos assuntos dos PSs mesmo...

sábado, 19 de maio de 2007

So...

Hoje meu horóscopo (que absurdo, eu nunca leio horóscopo, e agora vou falar pra vocês dele?!) dizia que era hora de botar a mão na massa e trabalhar, desencanar de descanso e etc. e me esforçar. Pois é. Só não sei exatamanete o que eu devo fazer. Quer dizer, esses horóscopos diários não fazem o menor sentido pra mim, já que eu geralmente demoro um ou dois dias pra entender qualquer coisa que me proponha a fazer. Ok, acho que vou visitar meu namorado, e talvez fazer um desenho que preciso fazer, e eu deveria escrever... é, acho que vou passar no Cham mais tarde, não agora. Agora quero mesmo escrever. Preciso escrever.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Memoirs, etc.

Sobre coisas nas quais há muito eu não pensava...



I want to buy you flowers...
It's such a shame you're a boy...


Remember this song? Remember how I sang it day after day thinking, oh, boy, You were so sweet... and I was in love... and how my heart couldn't understand what the fuck I was doing; do you remeber the endless poems you, dear, you never had the chance to read? And everything rolled on from then... How blue eyes became green and later on green eyes faded into blue ones; and how in the end they were only eyes, eyes full of hope and despair, eyes waiting for someone to buy them flower, though I must confess I wonder If you will like my flowers, and eyes hoping that I'd never stop bringing them flowers, though, you know, inside my heart I was, you know, beyond the point of no return...

Eu estava pensando em como as coisas mudam, mas continuam as mesmas. A Arlenice disse (não?), "mudar para não mudar". Eu não sei por que continuo trazendo aquele assunto à tona. Acho que desta vez eu tinha um objetivo, mas o esqueci.
A questão é que a Chris se voluntariou para digitar textos meus, e eu fiquei pensando, e resolvi escolher uma das minhas agendas para que ela digitasse, e claro que isso trouxe à tona uma porção de coisas...

Uma delas é o recorrente pensamento do testamento. Não sei por que penso nisso com tanta freqüência (de fato havia passado vários meses sem pensar nisso até esses dias) mas às vezes me pego imaginando o que eu escreveria no meu testamento. Tenho muita vontade de escrever um testamento, mas não muita coragem. Acho que é como a coisa na psicanálise, de ir pro interior, de publicar um livro, de escrever mais sobre as minhas histórias, de falar sobre as Soules — me admiro e me valorizo pelo que eu faria se me permitisse tais possibilidades, mas não tenho coragem de fazê-lo. E Acho que mamãe, papai, irmãozinho e irmãzinha têm uma parcela de culpa pelo sentimento de vergonha. Quero dizer, eles poderiam ter me achado menos ridícula quando eu ainda tinha a cara de ser eu mesma. Segundo Jung (e isto está escrito bem errado na minha agenda do ano passado), "todos nós nascemos originais e morremos cópias" (De alguma forma na agenda está escrito que nascemos "iguais". E morremos cópias.), e eu percebo isso se aplicar em mim ferozmente. Tenho um mêdo tremendo de ser eu mesma. E sei que vocês são assim também. Supondo que somos um pouco parecidos, vocês também têm mêdo de que os outros descubram seus vícios secretos, suas vontades proibidas, e que aquilo que os deleita nem sempre é menos terrível do que o absolutamente inaceitável segundo a nossa moral. O pior de tudo talvez seja aquilo que não fere a ninguém, e que inclusive produz bons resultados, mas que necessariamente nos coloca na categoria dos "esquisitos" (lembrei agora do que o Pedro disse — as aspas são apenas um arrepio do texto). Eu estava pensando em abolir a Categoria dos Esquisitos (talvez apenas para me ver fora dela), mas talvez eu nem tenha esse poder. Como protesto, então, vou assumir minha Esquisitice e falar abertamente das minhas características Esquisitas. Mas acho que posso deixar o andar-ao-redor-da-piscina (que é apenas uma especificidade do andar-ao-redor-das-coisas, que por sua vez é subdivisão do andar-em-percursos-fechados, conseqüência do andar-desatento em caminhos-previsíveis) para outra vez. Voltemos à questão do Testamento.

A questão do testamento é a seguinte: eu fico pensando para quem eu devo deixar minhas coisas. Às vezes eu penso sobre aquelas coisas que só tem significado para mim, e penso que eu poderia pedir que fossem devolvidas à natureza quando eu morresse (como aquelas deku-nuts ou aquela pedra na qual eu pintei água...), outras vezes eu penso em coisas menos simbólicas, mas que eu amo, como brinquedos, adornos, bichos de pelúcia (sobre estes, me peguei pensando outro dia que aquele cachorrinho cinza de olhos azuis iria para o Diogo... digamos que os dois têm uma história juntos :þþþþ); e desta vez estava pensando nos textos... que é mesmo o mais importante. E pensei uma série de pensamentos.
O primeiro pensamento foi: eu deixaria tudo para a Chris. Ela saberia o que fazer, ela daria o devido valor a cada coisa, ela que sempre acreditou em mim, que sempre me deu tanto valor, mesmo quando eu não achava que merecia. Ela saberia dar valor àqueles inúmeros, intermináveis papéis (mesmo assim, sinto que muita coisa se perderia. eu sou uma pessoa confusa, diga-se de passagem).
Meu segundo pensamento foi: não, eu deveria deixar todos os escritos, e os direitos legais sobre os escritos, com a Chris e o Bruno. A Chris porque eu gosto dela, e o Bruno porque me conhece melhor. O Bruno teria alguma habilidade para entender o que lesse, mesmo sem conhecer tudo. Ele teria algum poder de discernimento. E, com alguma sorte, ele não misturaria tudo.
Depois, pensei: acho que, se eu morresse amanhã, eu gostaria que tudo o que eu produzi fosse avaliado por uma comissão composta por Bruno, Chris, Talita e Charles. Acho que eles poderiam determinar o destino de cada coisa, se soubessem que eu realmente quereria isso. E, como a arte na verdade é mais que literatura, e é indissociável, essa comissão avaliaria também o que fazer dos desenhos, das pinturas, e até dos bonecos de massinha (não que eles importem muito — estão na categoria adornos...). E eu acho que nesse caso eu gostaria que a Clarinha também participasse dessa comissão. Não sei bem porquê. Apenas parece adequado.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Do I even deserve this life?

Yeah, so my life sucks — you don't have to make a big deal out of it. I just can go through with college and I feel more and more life a zombie; the kind that can't feel a thing, just do what it have always done. And I wake up every morning thinking "why the hell do I have to do anything but dream?". Yeah, all right, shut me up. I don't have the right to complain anyway. My feet are cold, my heart is icy. I want to have a friend who can make me laugh. And it feels so stupid.

Hoje eu tive uma série de sonhos, malucos, estranhos, sobre um mundo que não fazia sentido. Ontem eu senti muito, muito mêdo. Eu desci aquela rua escura e passavam pela minha mente todas as vozes que falavam de ataques, de estupros, de riscos, do mêdo justificado do escuro. E eu corri. Tinha pressa e tinha mêdo e era uma ladeira, então corri até que perdi o controle e fiquei com mêdo de não conseguir mais parar de correr, de me machucar, de sei lá. O problema do mundo é que ele faz muito sentido. Existem leis, regras, probabilidade. Mas na verdade pode ser que não. E se houver algo no meu destino que me impeça de me machucar quando tento vencer meus mêdos? E se vencer o mêdo for a coisa mais importante? No meu sonho o estranho corredor sinuoso e absurdo era uma escada rolante que passava pelas portas das salas. Havia tanta liberdade! Tanta delícia! E o cheiro do Ipê amarelo, acolhedor, do meu velho colégio (velho? mas tão recente...). Subindo as rampas da FAU encontrei a Carol, e ela não me ouviu (mas dessa vez não me senti desprezada por ela não ter ouvido — são só os fones de ouvido; os detestáveis fone de ouvido...), mas nos reencontramos na porta da sala (ambas atrasadíssimas) e abrimos a porta e entramos. Peguei uma cadeira e pus num lugar confortável. E quando o professor se aproximou, percebi que ele falava pra mim. Talvez para mim e para todos, mas foi bom sentir que ele falava para os meus olhos; que queria ensinar estes meus olhos. E mais uma vez me envergonhei por ter perdido tantas aulas dele. E anteontem, fui à aula do Giorgio apenas para me despedir dele e parar de ir àquela aula, mas pensei de novo, e se eu pedisse o conselho dele?, mas não consegui falar com ele; e a Carol me viu ali perdida (muito perdida...) e veio falar comigo, e falamos do santa cruz, e de como era difícil mudar de vida assim tão bruscamente, e de arranjar trabalho (trabalho de peão, veja bem; Deus me livre de trabalhar num bureau, com papéis, computador e a cabeça — trabalho com as mãos, com o corpo, é isso que quero), e de dificuldades, e do senac, e de se sentir fora de um grupo unido e querer fazer parte, e de fazer parte, afinal. E o tchaba veio tentar me alegrar e me convidou para um pega-pega com a classe (disse pra eu começar). E no fim da aula eu fui encontrar a Lubana e o Chicão falando pra eles que afinal eu precisava passar mais tempo com eles, que eu tinha ficado muito tempo longe. E tudo pareceu melhor. As coisas começam a parecer possíveis novamente. Difíceis, sim, mas possíveis. Talvêzes. Ainda assim, estou com mêdo da aula de hoje.

sábado, 5 de maio de 2007

Hm... Comentário meio desanimado.

Hoje eu estava lendo A Latrina. Belo blógue aquele. Ele fazia uma certa crítica a blogs como o meu. Fiquei pensando.

E daí se quero falar do que é mais profundo e sigiloso? Não é isso tudo o que realmente importa?, pensei. Acho que nunca tive um amigo com quem pudesse trocar confissões abertamente; pensei. Me senti patética. Mas continuo na minha patética batalha. Falo aqui de idéias e sentimentos, e nenhum deles tem nome. Nenhum deles tem rosto.


Achei que a Toca pudesse se salvar por sua honestidade. Mas acho que isso já não é mais honesto; É apenas amargo.

quarta-feira, 2 de maio de 2007

Take my frail wee heart in

Nós nos sentamos numa mesa
Nunca são todos os amigos
E contamos histórias do que se passou
E contamos histórias também do que não passou
E então não contamos mais nenhuma história.
Mas nada bebemos, e comemos lanches
que mais aprisionam a imaginação
e eu me sinto tão distante, tão distante...
Tão distante do sopro do vento,
tão distante do murmúrio do mar,
tão distante do cheiro das flores
e de tudo o mais...
E percebo que não temos mais terras para amar
E parece que tudo está fora desta terra,
que tudo está na outra ponta do infinito
Não há para onde sairmos
Nào há por onde cairmos
Estamos tão seguros e tão distantes
Não há caminhos secretos, jardins abandonados
Não há mais nenhum mistério, fantasma ou espírito
e eu me sinto tão distante, tão distante...
Tão distante do sopro do vento,
tão distante do murmúrio do mar,
tão distante do cheiro das flores
e de tudo o mais...
E vocês erguem grandes construções
marcando o nosso tempo e o seu lugar
E justificamos as destruições
para que possam escalar, escalar...
Mas agora a viagem não importa,
ninguém pode dizer para onde vamos...
E eu ouço carros apressados e acidentes
da janela do meu quarto
E eu vejo alto-falantes na catedral.
E acho que as invejo demasiado
quando vejo uma criança numa brincadeira
e eu me sinto tão distante, tão distante...
quero partir pra nunca mais voltar...

quando escurece parece que o mundo respira, mas respira mal. E surge no peito do mundo um vazio de não haver e não haver. Meu Deus; existe existência ainda além do zumbido do mundo?

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Então, né, design...

Para que vocês saibam algumas das preocupações que um pobre estudante de Design tem.



Então, a gente estuda Marx e Sartre, passa uma semana inteira lendo Argan; discute a Revolução Industrial, os operários (e os ludistas) e os capitalistas (e principalmente os desenhistas industriais); é obrigado a entender tudo que se fala sobre Ulm e Bauhaus (e um pouco sobre a FAU), sobre Art Nouveau e Art Déco, sobre o impressionismo e o romantismo, e sobre a arte contemporânea; estuda o poder da tipografia, a teoria das cores, a Gestalt; a gente vai a exposições, a imposições, a palestras, e vê filmes, e vê quadros, e vê livros; e tem aula de desenho geométrico, e faz inúmeros trabalhos com inúmeros materiais. Mas quando vai procurar estágio... Pois é,Design não é fácil...

segunda-feira, 23 de abril de 2007

A nossa geração

De novo, eu gostaria de fazer um post sobre o que vivi, e o que me assusta.


O que me assusta na "nossa geração" não é exatamente o despudor das pessoas de catorze anos de pegar dez pessoas numa festa e deixar toda a série saber; não é a quantidade de batidas de vodka que essas pessoas bebem, nem o volume de cigarros que fumam regularmente; não é a música que ouvimos, nem sequer a libidinosidade grosseira das danças que as acompanham (nos dias de hoje, o conceito de 'sensualidade' se esgarça. até porque não há mais sutileza.) O que realmente me assusta é que as pessoas mais cheias de princípios, as mais recatadas, perdem completamente a noção do pudor. Depois do primeiro beijo, vêm centenas de outros, de inúmeras pessoas diferentes. E meu amigo vai dar uns malhos com uma amiga, algo bem sem compromisso, e ele diz isso com a boca ainda molhada de um beijo de outra menina; ao mesmo tempo, as amigas têm raiva de uma rapariga (muito gente fina, por sinal) porque o garoto com quem ela está ficando acabou de terminar com a namorada, que ainda estava em prantos na sexta passada (ou seja, ontem). E a Gabi acha que sete meses não é tempo de namoro o suficiente para que sexo seja uma das bases da relação. Me desculpe, gatinha, mas o jeito como aquele menino que você adora passou a mão na bunda daquela loirinha vai muito contra esse seu idealismo. E quer saber? Você, e muita gente igual a você, está se esforçando para ser mais como ele. O que faz sentido, já que gente como ele existe por causa de gente como você. E vai além disso. É só olhar para elas, com seus decotes relaxados, suas poses séxys, pegando-se indiscriminadamente, é tudo carne, gente. O que será que pensam? Por que será que, para eles, tudo isso é natural? Será que só eu acho esquisito? Será que estou soando como uma velha retrógrada? Mas, pensando bem, acho que seria certo eu soar assim, já que a minha turma do santa não era assim, de modo geral. Até as meninas pegadoras eram meio castas... Ou será que é só pressão, mesmo, e que eles têm tanto mêdo uns dos outros como o resto de nós?