terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Paragens Internas: a procura das saídas

I want you to notice
when I'm not around


Você chegou aqui por acaso, por isso não sabe onde está.
Mas saberá.
O mar lamberá suas pernas, e você chorará com a cor do pôr-do-sol. As nuvens envolverão seus passos, e a relva sussurrará o caminho. Não demorará muito, talvez apenas sua vida inteira. Talvez um caminho se abra e você corra por ele, e chegue imediatamente ao portal que leva para fora. Ou talvez nenhum barco jamais chegue neste porto, e nunca saiamos daqui. Eu e você não temos nenhum poder. Eu e você somos apenas brinquedos, convictos de que as palavras que falamos saem mesmo de nossas gargantas de pelúcia ou madeira. Você, porém, é melhor do que eu. Você conhece o mundo lá fora. Você pode intuir que existe algo de real além deste universo.
Estamos longe agora, mas logo estaremos perto. É preciso querer, é claro, e ser capaz de sentir sinceramente. O mar, você vê, não esteve sempre aqui. Ele costumava ser muito distante, apenas uma paisagem no horizonte, aonde chegávamos através de um caminho secreto. Esta região estava então coberta pela floresta densa, e mais adiante começava uma deslumbrante planície. Com o tempo a floresta recuou, se desfez em pequenas matas, e o nível do mar subiu, cobrindo toda a planície e parte da terra seca. Isso foi antes dos primeiros portos, antes que o Sonho inflasse pela primeira vez suas velas negras. Você não é daqui, por isso não sabe. Eu sei, porque não existo lá fora.
Na verdade, mesmo que você tenha chegado até aqui pelo mar, só é possível sair através do Segundo Mirante. Para chegar até lá, talvez nos arrisquemos muito, e talvez criemos muita turbulência. Nada disso tem importância. Quando atravessarmos a floresta maldita e batermos às portas do castelo vazio, só aí saberemos se será possível escapar. Escapar, por mais fascinante que seja este mundo, é absolutamente necessário; por outro lado, a terra, as águas e as florestas, e até mesmo o ar, não podem suportar que qualquer um de nós desapareça! O mundo inteiro estará contra nós, enquanto procuramos a saída. Apenas quando desistirmos seremos bem-vindos. Eu, por exemplo, já havia desistido, e por isso pude aproveitar muitos séculos ou segundos de uma vida tranqüila. Você, porém, não pode se submeter a essa existência. Se fizer isso, você deixará de existir.
Na verdade, existe outro caminho pelo qual se pode chegar ao lado de fora. Dizem que há uma porta na parede de um poço dentro da menor galeria da caverna mais escura que há no paredão da Fenda entre o deserto e o pântano; bastante perto da morada do Grande Urso. Porém, eu jamais aconselharia alguém a procurar essa porta. Existem inúmeros caminhos para se chegar ao Segundo Mirante, e nenhum deles é mágico; mas há apenas dois caminhos não-mágicos para a Porta na Parede do Poço, e ambos são extremamente perigosos. Para chegar à pequena galeria onde está o poço, você precisa descer o paredão da Fenda, encontrar a entrada da caverna escura, atravessar galerias imensas, pontes decadentes e túneis serpenteantes, e finalmente nadar através de um fosso subterrâneo com uma correnteza terrível — e mesmo se chegar ao outro lado, haverão milhares de pequenas galerias, e você terá que procurar, no escuro, até encontrar a certa. A vantagem é que a galeria do Poço é a única iluminada: há um buraco no teto na caverna, por onde passaria uma pessoa. Essa é a segunda entrada; e é tão terrível quanto a primeira! Não apenas a queda é enorme, como o buraco é guardado por criaturas monstruosas: lobos-esqueleto com chifres sangrentos e língua de cobra, aranhas e formigas do tamanho de um homem cobertas com escamas de dragão, coelhos e tartarugas do tamanho de aranhas com as mandíbulas cheias de veneno, e outras feras que não sou capaz de descrever. Dizem, porém...

...dizem que as feras guardiãs temem, ou respeitam, os espíritos malignos e maliciosos, e que se chegar uma pessoa acompanhada desses espíritos, elas lhe darão livre passagem. Por isso, a galeria do Poço está cheia de uma energia maligna, dos espíritos que são deixados para trás pelas pessoas que atravessaram a Porta. Você acabou de chegar, por isso não sabe o que isso significa.
Mas saberá.

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