Este texto ainda é dedicado ao Ugo, embora eu tenha recusado seu convite, hoje. Acho que como o Ugo não está dentro do meu mundo interior, eu teria que caminhar, atravessando florestas e montanhas, até as fronteiras dele (até a minha superfície) para conseguir encontrá-lo, e isso me deixa terrivelmente cansada. As pessoas acham que na mente as informações são independentes, e que é possível pular de uma para outra automaticamente; mas a verdade é que toda vez eu percorro um confuso e difícil caminho de um ponto da mente a outro. Acho que é por isso que as vezes eu preciso ficar sozinha, em casa, parada num único sentimento de familiaridade. Me limitando às pequenas distâncias. Caminhando devagar. Descansando.
Peço desculpas por ter me escondido atrás da desculpa mentirosa de um trabalho. Falta-me às vezes, sabe? um pouco de coragem...
Foi preciso que eu me perguntasse, quando cresci, de onde vinha cada coisa. É preciso que se saiba (que se entenda) quais são nossas influências, como se cria nossa bagagem cultural. Existe pouca coisa que se cria por si própria. É preciso saber quem nos criou.
A primeira vez que me fiz essa pergunta, queria saber que tipo de animal eu era. A Lôba que eu queria ser, era uma lôba das lendas romanas? Era o Akela do filme do Mowgli? Era Caninos Brancos, ou Buck? Acho, sem muita certeza, que meu ídolo afinal era o próprio filhote de homem; e era também a pantera negra, Bagheera, e era a Mãe Lôba, que se chama Raksha. Reli o livro várias vezes procurando às cegas por mim. Vivi outras coisas depois, e outras coisas me fascinaram, mas nada foi tão forte, tão violento, e seguro.
Depois, perguntei de onde vêm os dragões. Estava absolutamente apaixonada por eles, e não conseguia entender a vida de outra forma. Mas achava estranha a presença deles em mim. Não sabia por que eu podia pensar em dragões. Levei muito tempo para lembrar dos filmes e contos de fada, e notei que os primeiros dragões que eu conhecera não tinham nada de fascinante. Mas talvez o fascínio estivesse oculto, pairando, esperando apenas o momento certo de se revelar. E despertou nos meus anos de ginásio, na espada de Lancelote, na peça que Bilbo prega em Smaug, no céu de Fantasia, em Nêmesis, Terry Pratchet, Nárnia, Holy Avenger, talvez até Harry Potter. E, talvez principalmente, jogos de fantasia, cujos cenários baseiam-se assustadoramente nas criaturas da Terra-Média. Lembro-me inclusive da primeira vez em que me deparei com um romance cujo assunto central eram dragões! Aquele formigamento na barriga, como se eu estivesse diante de um tesouro, como se aquela paixão pelos dragões fosse algo só meu, algo secreto, e o livro fosse um segundo segredo para saciar o primeiro! Como posso não ter notado que o mundo inteiro sofre a mesma doença?
Agora, me pergunto: e os piratas?
Consigo pensar no Capitão Gancho e em Simbad, o marujo. E no Corsário Negro, protagonista de um livro de aventura do qual eu só li a versão infantil (ou seja, resumida em menos de trinta páginas, com letras grandes). Todos têm lá a sua importância na minha própria história. Os piratas, naturalmente, me ensinaram coisas terríveis sobre a vida, coisas como a crueldade infantil, encarnada em Peter Pan, e como a resignação. Mas nem por isso deixei de associar a eles um certo senso de liberdade e independência necessários. Lembro da primeira vez em que me deparei com um autêntico romance de pirataria, em livro velho, cor de madeira, chamado Captain Blood. Mas justamente na parte em que o Sr. Peter Blood virava um pirata (e passava a se Pedro Sangue, o que eu achava muito divertido), perdi o interesse no livro e o larguei. Depois disso, só fui redespertar meu fascínio com Piratas do Caribe. E depois, One Piece. Apesar do entusiasmo inicial que essas duas obras me causaram, aos poucos (com as seqüências e o desenvolvimento das sagas) elas foram amortecendo em mim o que eu procurava. Aos poucos foi como um tiro no peito que se demorou anos para sentir. Aos poucos os piratas dentro de mim morreram, ou passaram a nunca ter existido. Eu fechei os olhos para eles, continuei gostando daquele sonho bobo de piratas, e só. Aos poucos eles se tornaram uma brincadeira de criança com os amigos. E só.
Com Black Sam Bellamy não foi assim.
Quando li O Lobo do Mar, eu estava procurando um livro sobre lobos e sobre piratas ao mesmo tempo. Sinto que esse livro não existe; mas aquela história me fez esquecer de ambos e me focar no Mar, que existe, e nos homens que navegam nele. O mesmo me causou A Volta ao Mundo em um Doze-Pés, com a diferença de que era uma história verídica, o que a tornava muito mais interessante (embora não tão... edificante, por assim dizer). Mesmo assim, não cheguei a procurar outras livros do gênero — simplesmente não tive interesse. Encontrei O Príncipe Pirata meio por acaso, porque minha irmã me havia mandado lê-lo muito tempo antes, e eu achei que o livro podia ser sobre um homem que era ao mesmo tempo príncipe e pirata (numa mistura de Corsário Negro com Robin Hood que a minha mente criou por conta própria). Mas o que encontrei foi um relato simpático da busca de um homem pelo navio de seus sonhos: a Whydah, a maior (e última) embarcação do pirata Black Sam Bellamy.
nota: este texto está incompleto, é claro. Eu realmente gostaria de terminá-lo de uma vez e acabar logo com isso, mas está meio difícil. Mais tarde eu termino, provavalmente também apagando algumas partes. Mas... mais tarde.
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