sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Lettres

Hoje foi um dia vagamente estranho, doce como chuva em dia de sol.
Começou com o sol de fim de inverno, a cor verde das folhas e os olhos doces do meu cão. E o amor inesgotável daquela gata que dorme na minha cama (que não está aqui agora; deve ter ido procurar comida em algum lugar.) Depois foi um vislumbre resquicioso de um sentimento que eu aparentemente já esquecêra. Mas a bem da verdade nem notei, e segui meu caminho tranqüilamente, e esperei o ônibus, levemente aflita, como faço todos os dias.
Mas dessa vez uma mulher de seus vinte e seis anos chegou no ponto, sentou-se, perguntou-me sobre o ônibus que ela procurava e que era o mesmo que eu esperava (e que estava providencialmente atrasado — ela riu, meio aliviada), e foi puxando assunto até que eu tive que aceitar conversar. Olhando para trás, eu fiz o papel do animal sendo domesticado: à princípio longe, meio assustada, mas cada vez mais à vontade, chegando mais perto, até que estávamos dentro do ônibus lutando para permanecer de pé e trocando idéias e experiências (ela bem mais que eu — senti um pouco como se ela já tivesse vivido tudo o que eu vivera e tudo o que eu deveria viver) sobre coisas não tão banais assim, como a vida na faculdade, as festas de Bauru, a importância de sair de casa, as trivialidades do trabalho. Nos separamos sem o sentimentalismo desnecessário, e então a FAU... a FAU. Sabe?
Meio assutadora, como sempre. E um professor, bem, quando entrei na sala me assustei com a contradição entre a voz grossa e o homem franzino. Extremamente simpático; e tinha um nome agradável, de uma região da qual eu já ouvira falar, uma tal de Ilha da Felicidade. E nos ensinou algumas coisas sobre o Oriente e suas linguagens, e sobre o design e o desígnio, e sobre outras coisas que nós precisávemos conhecer. Tanto que eu nem tirei o caderno da mochila, nem me distraí com meus colegas: fiquei ouvindo, embevecida. Digo embevecida pensando na delícia de beber cada palavra. Não sei, como... como estar muito afim de aprender, eu acho. E rabisquei furiosamente na folha do programa, sentindo cada traço, cada fúria, e afinal, foi só aí que me dei conta: rabiscando ágil um rraaahrrna composição de uma fera; só aí me dei conta do que me tomava e me fazia sorrir, subitamente — acabada a aula — sozinha na minha carteira. Que eu podia sentir.
Sentir! Como sentia falta daquilo, daquele prazer estranho, daquela pequena loucura! E ao sair da aula... notei então que eu não queria me isolar, que queria conversar, embora não soubesse como. E olhando para o chão vermelho além da rampa de saída, percebi que eu não queria deixar a FAU. Não ainda. Não por mais algum tempo. Mas talvez. Talvez seja simplesmente necessário.

Como aquela moça me disse, quando o ônibos esvaziou um pouco: fazer faculdade fora, morar em república, sair da casa dos pais — isso é simplesmente necessário. Por quanto tempo mais eu vou ficar negando o que o mundo insiste em me falar?



PS.: Hoje eu comecei a ler um livro.

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