sexta-feira, 7 de maio de 2010

Dormir entre pedras e um monte de coisas

Então eu pensei: quero ir pra Minas,
mas não quero ir com você.

Não quero ir com você nem com ninguém.
Não, porque quando eu for a Minas eu não vou estar procurando amor,
nem alegria
nem viagem nem liberdade
(nem liberdade!)
eu vou estar procurando outra coisa
que é um pedaço de mim que eu deixei lá muito tempo atrás

Se eu for a Minas, eu encontrarei meus dentes? Eu encontrarei meus pés que se distraíram e quiseram andar sozinhos por todas as infinitas colinas até o horizonte?
Se eu for a Minas, eu encontrarei meus olhos que não conseguiram parar de olhar? Meus pulmões que se inflaram com o ar e flutuaram pra sempre, como fogos-fátuos?

E quero ir e eu quero ter meus sapatos de andar e andar.

Eu queria ir sozinha, para atravessar o deserto de mim e encontrar a essência da solidão debaixo do sol e entre as árvores. Eu queria ir e pegar uma insolação, e me jogar na água de um córrego pra me ser água, pra me fundir com a água. E no final da noite, logo antes do amanhecer, eu estaria dormindo aninhada entre pedras que nascem do solo. Eu queria ir... pra me perder. Pra me perder completamente, todas as referências. Se fosse pra voltar, eu cairia de novo na estrada. Mas não. Eu queria ir e reaprender a falar, e falar as sete línguas dos pássaros. E a pedra e o buriti, que só os mineiros sabem. Eu iria e me tornaria outra, mas me tornaria eu. Eu fecharia os olhos para ver melhor. Eu abriria os olhos para absorver tudo o que existisse.

Minha alma não cabe dentro de ti, não com tua alma já lá. Mas minha alma... minha alma por essas colinas que eu nunca mais vi, por essas pedras que nascem do chão, por essas florestas! Minha alma não cabe dentro de mim também! Mesmo que eu não tenha outra alma! Minha alma se derrete e derrama pelos campos, minha alma voa e envolve-devora as vacas e os animais que vivem ali. Minha alma vira uma preá e corre dentro de si, minha alma vira um jacaré e descansa na sua própria margem, e minha alma é um rio para poder correr por cima e por baixo da terra, e minha alma é pedra, é ouro, é quartzo é serpente e minha alma cresce e de repente é o mundo e uma ave gigante passando com garras sobre nós.

Mas tudo isso é um sonho porque eu estou sozinha.
E tudo isso é um sonho porque eu não estou sozinha.

Então eu quero ir pra Minas, então eu vou como tiver de ser, e se tiver de ser com você, será, e se tiver que ser de outro jeito, pode ser também. Mas eu quero parar para subir nas árvores e eu quero esquecer da própria viagem. E não chegar a lugar algum, e me surpreender com haver lá pessoas. Eu não vou ser eu lá, eu vou ser uma turista, sentindo o cheiro da terra e tentando se reconhecer. Eu vou botar a terra na boca e perguntar se tem gosto de mim. E eu vou andar devagar, e te mostrar exatamente porque cada passo vai me fazer morrer, e cada toque vai me renascer.

Mas toda vez que eu puder, eu vou te deixar. Se você puder ficar só. E eu vou andar e andar e você nem vai existir. Porque você pode me guiar por uma estrada, mas você não pode me perder por ela. E eu, quando eu vir o que eu vejo, eu irei... E voltarei depois, falando de coisas que você entende-não-entende: falando de árvores, de montanhas, da Perdição, do Vorácito! E encherei você de todas as coisas que são eu-mundo, que são eu e que são o mundo e você ficará me olhando, sem entender e entendendo, sem me conhecer e conhecendo, e sem saber exatamente o que eu sou e onde termina e começa o que é o tudo.

Eu vou ser isso.

E nós vamos saber, com uma troca de olhares, se isso foi certo.

3 comentários:

Rafael F. disse...

Foi uma das melhores coisas suas que eu li.

Cacau =^.^= disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cacau =^.^= disse...

Curiosamente, eu li ouvindo o refrão de I can see for miles - The Who.
Você foi se perder e se encontrar entre as pedras de Minas?