terça-feira, 11 de maio de 2010

De me tornar quem eu devo ser

Aconteceram muitas coisas.

Têm acontecido muitas coisas e toda vez eu penso que tenho tanto a dizer que nunca conseguirei contar tudo. Estou tentando me ater ao essencial.

Hoje eu estava no banheiro da fau e parou do meu lado uma menina. Ela vestia um casaco muito parecido com aquele azul pesado que eu usei sempre que podia desde que o ganhei, em algum momento do meu ginásio, até o segundo colegial, e que continuei usando bastante embora menos até que o perdi no meu primeiro ano de faculdade. A maior parte das minha lembranças envolvendo esse casaco são de olhos e narizes molhando as mangas de choro, de vontade de se esconder, de mêdo de nunca ser ninguém, de só se sentir feliz com o vento da noite. E ela usava o mesmo cabelo escorrido de tão comprido que eu usava no primeiro colegial. Nossas semelhanças acabavam aí, mas as lembranças continuaram vindo, e ela parecia ter uns dezoito anos (ou até menos) e eu me olhei no espelho e me dei conta do quão dessemelhante eu estava daquela garota de cabelos compridos vestindo um enorme casaco azul sujo de lágrimas e coriza. Eu olhei nos meus olhos e vi confiança, e eu vi que eu conquistei uma parte muito grande de todas as coisas que eu almejava seis, sete anos atrás.

Às vezes quando eu vejo pessoas mais novas que eu eu penso se elas são um pouco como eu era quando tinha a idade delas. Não consigo ver a semelhança, e sempre me pergunto se é só porque nem as outras pessoas da minha idade pareciam tão perdidas quanto eu ou se é só que todos nós sabemos esconder bem demais o nosso sofrimento.

Naquela hora eu olhei no espelho e me dei conta de que eu nunca mais tinha mêdo de não ser uma pessoa bonita, que era um dos meus grandes mêdos. Eu estou me vestindo melhor, é claro, estou mais feminina, encontrei cortes de cabelo melhores etc. Naquela época eu tinha mêdo de nunca me adequar a uma situação, de sempre me destacar por não estar tão bonita ou não ser tão delicada quanto as outras meninas. Ainda não tenho a capacidade de me arrumar que por exemplo a Camilla tem. Mas não consigo mais usar maquiagem e me sinto bem com isso, com a certeza de que sou mais bonita sem. Com a certeza de que sou bonita. Com me olhar no espelho e de vez em quando (ok, bem de vez em quando) soltar um genuíno "nossa!". às vezes eu me sinto insegura em relação à minha aparência, e nessas horas eu páro, fecho os olhos e lembro de um homem. É simples assim. É impossível me sentir feia quando eu tive os olhos certos em cima de mim. É tudo de que preciso para poder ignorar as regras de beleza das mulheres.

E além disso eu não tenho mais tanto mêdo de não fazer os amigos certos. Eu aprendi a aceitar essas coisas, sim, e aprendi a valorizar muito mais os amigos que tenho, mas também aprendi a juntar a coragem de ir atrás das pessoas que me interessam, de querê-las intensamente e dar um jeito de me comunicar com elas. Também aprendi a ter a paciência verdadeira de um caçador, de esperar às vezes anos sem desanimar. Quando sua vida não está restrita a um espaço de três anos, tudo parece tão mais possível.

Eu também não tenho mais mêdo de nunca me tornar adulta. Acho que isso é porque eu sou adulta. Eu me considerei adulta quando tirei meu título de eleitor (apesar de eu nunca ter votado). Eu me tornei adulta e decidi pegar a vida nas mãos de verdade, e não apenas prometer que faria isso. Eu decidi buscar o melhor jeito de fazer as coisas e não deixar os outros decidirem por mim. E experimentar! E não ter mêdo de errar, e admitir que eu sou jovem e inexperiente, e que há muitas pessoas muitos menores que eu que podem me ensinar muitas coisas, mas para quem eu posso ensinar também, e que não há pessoa interessante com a qual não possa haver troca.

E eu me acho uma pessoa interessante! Mesmo quando tenho mêdo, de novo, eu lembro de umas conversas, e me reconforto ao saber que algumas pessoas realmente gostam não só de mim mas do que eu sou. E isso me permite ficar ao lado de pessoas assustadoras e passar por todo tipo de situação apavorante, porque eu sei que mesmo que eu não consiga conquistar a todos eu ainda tenho muito o que conquistar, e eu não preciso ter pressa, até porque, como bem disse o btco, se uma oportunidade é imperdível eu não preciso me preocupar em não perdê-la — e as pessoas certas virão, na hora certa. Mesmo quando eu perco algo, há tanto que eu ganho. Mesmo quando erro, tenho acertos do outro lado.

Então eu acho que é isso que é vencer, é isso que é ter coragem recompensada. Eu posso agora enxergar o mundo. Eu posso agora viver intensamente.

Eu nem preciso tanto mais viver pra sempre.