segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Panfletarismo

Ultimamente eu tenho me sentido muito gay.
Quando eu digo "gay", eu não quero dizer homossexual. Eu já passei por épocas muito lésbicas, e já passei por épocas femininas, e já passei por épocas de macho e por épocas gays. Estou numa época em que me identifico mais com homens gays. Em parte é porque eu estou admitindo que durante a maior parte da minha vida eu quis ser um homem, e só me conformei em encontrar as vantagens de ser mulher ("vantagens" é um termo estranho pra isso - digamos as "partes que eu gosto" de ser mulher). Em parte é simplesmente porque sexo gay é muito sexy, e eu detesto quando eu não posso participar (obs.: viva os homens bi!!!). Em parte é porque eu tenho tido vontade de fazer parte de um movimento que é colorido, irreverente, pega todo mundo na balada e curte vestir dourado e dançar no pole.

Eu sou bicha. Eu curto vestir dourado e dançar no pole dance, como eu nunca curti os longos dignos da sensualidade feminil. Eu quero ser a femme-fatale, mas eu sempre acabo usando uma bermuda ou bombacha, com minhas pernas peludas, meus tênis de trilha, e agora om estes óculos estou parecendo uma hipster fora de moda, uma indie sem tribo. Eu acho que sou bicha porque eu sempre fui um moleque, mas agora eu me visto bem. Enfim. E eu gosto de homem como um viado, e me sinto muito confortável falando com gay sobre homem, de uma forma que eu não me sinto tão à vontade com a maior parte das mulheres (com exceções, obviamente - mas mesmo com as exceções eu não me sinto totalmente à vontade, por vários motivos que talvez tenham algo por trás).

Eu também tenho sido muito feminista. Porque é a mesma coisa. Porque eu quero defender o meu direito como mulher bissexual que curte namoros abertos e gosta de sexo, porra. Porque eu acho que liberdade sexual é importante. No fundo é isso que está por trás do meu feminismo intenso. Porque eu quero liberdade, liberdade, como eu estou dizendo há tantos anos. Liberdade pra pegar quem você quiser. Liberdade pra se vestir como você quiser. Liberdade pra se divertir como você quiser. (tudo isso, é claro, tem limites também, mas ainda estamos a anos luz de bater com eles). Mas recentemente uma amiga amiga minha reclamou que as meninas do grupo têm sido muito feministas, muito panfletárias. E eu preciso dizer: tem que ser mesmo.

Você, que reclamou, você devia ser feminista. Aposto que você na verdade reclama pelo mesmo motivo que você fica triste porque aquele garoto com quem você saiu te chamou de vadia. Porque você tem mêdo de enfrentar. Você tem mêdo de que ele tenha razão. Você quer viver a vida do seu jeito, mas você não quer lutar pelo direito de ser respeitada. Você não faz sentido! Eu preciso te puxar e dizer que eu não acredito na sua reclamação. Eu tentei te convencer de que o que o garoto disse não era verdade. Mas eu, eu passei a vida inteira lutando, desde os quatro anos, lutando, lutando, eu treinei com os meus demônios internos antes de vir pro pau da vida real. Eu admiro você, e você ousa ter vergonha justamente da parte de você que eu admiro?! Eu invejo você, mas você não inveja a si mesma. Mas eu vou dizer, você está errada ao querer que a gente pare de panfletar. Eu pensei muito sobre isso e agora eu tenho certeza: a gente tem sim que panfletar.

Quando teve a Parada Gay e a gente não foi, o Fê chegou puto (vestindo uma coroa, e super gay, e lindo, e muito puto) com a gente porque nenhum de nós, gays, tinha ido na Parada. Nenhum de nós tinha aturado o ridículo e se divertido com o ridículo pra mostrar ao mundo que estamos lá. Eu me senti horrível, porque ele tinha razão. Mas na época eu estava mais ferida com o desrespeito a qualquer um que queira se identificar como bissexual, e eu não queria dançar junto com o povo que me reprimia dessa forma. Mas se fosse hoje, eu iria. E eu deveria ter ido, senão por mim, pelo menos por ele. Porque eu não quero jamais viver num mundo onde meus amigos tenham sua liberdade sexual toldada de maneira tão extensa. Este mundo em que a gente vive, em que quando a gente conhece um estranho, a primeira coisa que a gente faz é avaliar o quanto a gente tem que esconder e mentir.

E também tenho panfletado (devia fazer mais) sobre ciclismo, porque eu me sinto tanto
uma minoria toda vez que ando de bicicleta e toda vez que falo sobre isso que às vezes acho que deveria ter uma lei dizendo "Não discriminarás por sexo, gênero, religião, etnia, opção sexual ou meio de transporte". E o foda é que meus parentes e amigos me discriminam. Como sempre, o que dói mais é que os parentes e amigos também discriminam. Mas eu não sei se eu deveria me sentir tão mal. Eu também os discrimino por usarem carro demais. Eu discrimino meus pais por não pegarem ônibus. Eu tento ignorar, quando eu ouço um "Quando você dirigir todo dia..." (mãe, se tudo der certo, isso nunca vai acontecer).

A gente panfleta porque a gente quer que todo mundo esteja o tempo todo pensando nisso. A gente não quer ser ignorado. Talvez a forma esteja errada, talvez o jeito de chamar a atenção esteja sendo pouco efetivo. Talvez. Mas política não é uma coisa que pode ser deixada apenas para os momentos "apropriados". Não adianta discutir apenas com as pessoas próximas, nos momentos íntimos. Tem que discutir publicamente, tem que dar a cara pra bater. Eu dou a minha cara pra bater, cada dia mais. Eu prefiro levar porrada a viver me sentindo oprimida. Meu objetivo é chegar ao ponto em que eu não tenha mais vergonha nenhuma de defender o que eu acho certo. E correr o risco de levar tapa na cara.

Discutam.

3 comentários:

Anônimo disse...

Diego diz:
O que conta em termos de panfletagem é meio que o que conta em quase tudo o mais, a finitude do tempo, dos recursos, e da motivação.
4 Fatores para considerar se algo deve ser panfletado:
1) Panfletar esse X vai aumentar substancialmente a aceitação desse X, ou existem atratores culturais fortes agindo contra mim (por exemplo vegetarianismo) que fazem com que meu tempo fosse melhor gasto de outra maneira, mesmo que para esse objetivo?
2) Esse é o tipo de coisa que se panfleta no Mano-a-Mano como os Hare Krishnas, ou é obviamente uma coisa que precisa de um quorum mínimo que tem que ser construido por mecanismos mais coordenados (como instituições, propaganda durante a novela das oito, empresas etc...)

3) Quanto do meu total motivacional eu gasto panfletando isso? (segundo a psicologia positiva, nossa motivação total é absoluta, e é distribuida entre as diversas tarefas para as quais à utilizamos, se uma tarefa ganha outra perde)
4)Dado tudo que aprendi pensando sobre 1 a 3, vale mais a pena buscar aqueles que já aceitam X, ou persuadir aqueles que não aceitam?

Utak disse...

Diego, não entendi nada do que você falou.

Má, a reclamação da panfletagem é o publico alvo. De que adianta panfletar em gente que já adotou a causa? As pessoas que reclamam provavelmente entendem o que você defende, mas está cansada de ficar ouvindo a mesma coisa. "Eu já sei m~e, que eu tenho que usar camisinha". Minha mãe ainda acha que tem que ficar ME avisando que eu tenho que usar camisinha. Eu EDUCO as pessoas sobre camisinha, eu SEI que tenho que usar camisinha, e a panfletagem dela só me incomoda, dela ter que me dizer verdades que já fazem parte do eu cotidiano como se não fizessem.

Então, meu conselho e buscar um publico alvo para a panfletagem, ou vira discurso de militante pra militante, não serve pra nada se nao pra auto-estima de quem milita.

Utak disse...

Ah entendi. É, essa pergunta (extensa de mais) é boa: É eficiente panfletar? Funciona? Educa? Existem maneiras mais eficientes de passar essa informação, de educar?