sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Impressão

Não, não é nem a dor, nem a marca, nem a mordida.

Ou talvez seja.

Você deve lembrar de uma boca de dor que marcou no meu braço, no fim do nosso começo, e de como toda vez que outro alguém me tocava, por cima do toque eu sentia essa dor que lembrava você. Você tinha razão: eu podia tocar outros homens, dançar com eles, beijá-los, até transar com eles, mas minha pele ainda sentiria as marcas dos seus dentes em cada lugar que eles me beijassem, e na manhã seguinte eles seriam apenas uma lembrança doce, enquanto nas nossas manhãs seguintes você era sempre uma marca presente e um desejo, imediato, de que as marcas não perdessem seu ardor antes da próxima vez que nos tocássemos. Eu tivera outros homens, outras bocas, outras mordidas mais doces, até mais prazerosas - e entretanto, cada vez que uma nova boca me morde a ponto de doer, eu penso naquela marca de dor que seus dentes cravaram em mim, me fazendo sua. Talvez por isso, novas marcas perderam seu significado, e novas bocas mal são capazes de me marcar.

Não é também a selvageria, a violência e a predação. Ou talvez seja.

Antes de você eu rosnava e mordia e brincava de gato selvagem, eu rolava na lama e derrubava no chão, eu corria e caçava e era caçada, eu me tornava bicho e uivava na noite. Mas você é tão humano e tão tranqüilo, e eu nunca o vi como uma presa. Não; você me conquistou com palavras, com idéias, com idéias sensatas e concretas, sem metáforas, sem garras, sem caçada. E eu não rosnei pra você, não corri com você, não levei você para explorar as florestas amaldiçoadas e as torres secretas das minhas paragens internas. Muito pouco deixei conhecer - meu sorriso, meu corpo, minhas idéias, meus dentes -- mas não minhas presas.

Talvez seja a fome. Talvez seja ver revelada a fome na sua forma mais brutal, a fome de engolir sem mastigar, se comer o que ainda pulsa, de não haver controle possível. Mas, pensando bem, a fome é voraz e violenta, e às vezes basta o lento, controlado, tranqüilo, dócil prazer dos seus beijos no meu pescoço. Com freqüência basta o tocar, o acarinhar suavemente. Não é preciso haver dentes - basta que haja toque.

Não - acho que não há metáfora, não há simbolismo por trás, não há longos quadros da mente colorindo a cena, não há necessidade de imaginação. Há apenas tato. Apenas prazer.

O resto é bônus.

2 comentários:

Ro Manne disse...

Talvez seja ódio. De quem te faz derrubar barreiras e se expor e estar frágil.

A fera acuada, reage.

Ozzer Seimsisk disse...

Frágil? Mas eu não me sinto frágil...