Um dos trabalhos que estou fazendo é um ensaio com tema Sustentabilidade. Eu detesto esse tema, detesto a forma como ele foi imposto a nós desde que inventaram o termo, como o estudamos na escola na época em que nossos pais nem haviam ouvido falar nisso, em como se prega, estúpida e acríticamente, que ele é mais importante que quase tudo o mais. Em como se fala merda sobre isso. Em como as discussões sobre isso são irritantemente hipócritas. Então eu resolvi falar sobre outra coisa, disfarçadamente. Estou, digamos, tentando elaborar o tema. Tenho muita dificuldade com isso. Vou deixar aqui alguns pensamentos preliminares.
Acho que o nosso problema com o mundo é... ok, esse é um jeito péssimo (péssimo, eu digo!) de começar uma discussão. Mas eu acho que há uma série de problemas na forma como a gente pensa o mundo. Sério. Nossa visão de mundo, como é natural, se estrutura sobre o conflito fundamental entre o nosso poder e a nossa impotência. Qualquer livro de auto-ajuda, dicionário de pérolas da sabedoria ou coleção de filosofia em algum momento passa por frases como:
"É preciso convicção para mudar o que está errado, paciência para se agüentar o que não se pode mudar e sabedoria para saber a diferença." (ok, eu inventei o é preciso pra cada coisa pq eu não me lembro do original — costumava receber dezenas de frases desse tipo naqueles ppts da época de ouro das correntes de e-mail (sim, aqueles com fotos bonitinhas e ditados espirituosos))
e
"O ser humano vive cavalgando com cada pé sobre um cavalo: um é o cavalo do Destino, outro do Livre-Arbítrio. A chave é saber diferenciá-los, saber em que devemos investir nossos esforços e contra o que devemos parar de lutar, pois está fora de nosso controle." (eu não me lembro da frase exata, mas juro que tem algo com esse sentido escrito num dos top 10 livros de auto-ajuda na matéria da Veja)
De fato existem coisas que podemos fazer e coisas que podemos não fazer. Mas o que define a diferença entre elas? Será que a maior diferença entre uma coisa e outra não é justamente o fato de querermos ou não fazê-las? Eu não acho que seja possível saber se uma coisa está ou não dentro de nossos limites enquanto não chegarmos nesses limites, e isso significaria se esforçar ao máximo para conseguir chegar a esse objetivo. O problema é que nossa avaliação de se devemos ou não fazer alguma coisa depende em parte de se nosso esforço vai gerar resultado ou não, e se esse resultado vai ser suficiente para compensar o esforço. Essa é uma informação que em um grande número de casos está muito, mas muito distante do nosso alcance (na maior parte dos outros casos ainda está um pouquinho além do nosso alcance) mas como somos todos naturalmente otimistas (eu posso usar como axioma que todo mundo é naturalmente otimista?) — ou talvez naturalmente orgulhosos — sempre achamos que se realmente nos empenhássemos em alguma empreitada, ela seria bem sucedida, com certeza. Eu vou reescrever esse parágrafo de uma forma mais organizada:
Não temos como saber com certeza se somos ou não capazes de realizar qualquer coisa. Na maior parte dos casos, não temos a menor idéia disso. Porém — talvez porque nossa cultura, a sociedade e nós mesmos exijamos sempre que sejamos o melhor que pudermos ser, e, considerando que não temos a menor idéia de quão bons podemos ser, isso significa grosso modo o melhor que podemos imaginar — nós tendemos a achar que podemos realizar qualquer coisa.
Mas é claro que não podemos. A contradição está logo dentro do raciocínio: poderíamos realizar qualquer coisa se nos dedicássemos intensivamente a isso e se tivéssemos a capacidade para isso. Consideremos que todo mundo tenha todas as capacidade básicas, ainda assim não poderíamos nos dedicar a todas as coisas que queiramos fazer. Tentar fazer todas as coisas que se quer levaria inevitavelmente ao fracasso, segundo esse raciocínio. Escolher um determinado caminho e abdicar dos outros também não é muito melhor porque, no fundo, cada um de nós sabe que poderia fazer muito melhor do que o que está sendo feito hoje em dia em quase qualquer situação (isso é a primeira decorrência lógica dos nossos axiomas), e isso significa que cada renúncia é um peso terrível, o de estar abdicando de uma façanha incrível que eu certamente poderia realizar.
Eu estou achando muito difícil me expressar hoje, estou repetindo as coisas como um bêbado. O que eu quero dizer, na verdade, é que faz todo sentido achar que você é capaz de salvar o mundo e resolver tudo o que está de errado. Mas isso não quer dizer que isso seja possível. As fronteiras entre o que podemos e o que não podemos fazer estão nas nossas escolhas e nas escolhas dos outros sobre nós — e naquelas coisas que chamamos de acaso e destino. Não são coisas que podemos ver, não são caminhos traçados na terra que podemos seguir ou não seguir. São mais picadas e trilhas que fazemos caminhando, e que podem dar em qualquer lugar. Não, é pior que isso: não existe um caminho, não existe ir, seguir, voltar. O que podemos fazer é o que fazemos, não podemos fazer nada até que façamos algo.
A questão é: eu devo achar que posso tudo, ou que não posso nada? Uma pessoa que se acha capaz de tudo, se for uma pessoa minimamente idealista, vai se afogar em culpa por não fazer todas as mil coisas que ela deve fazer e pode fazer bem; mas uma pessoa que se considera incapaz vai se sentir um merda e ficar deprimido, ou virar uma daquelas pessoas que riem amarelo de si mesmas e que fazem os outros se sentirem desconfortáveis com algo entre dó e desprezo. Na verdade, as pessoas mais felizes e agradáveis provavelmente são aquelas que não pensam nisso, não questionam suas escolhas, simplesmente são e fazem e pronto. As pessoas mais interessantes são aquelas que conseguem pensar nisso de vez em quando.
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