Ontem foi um dia estranho. Acordei cansada, queria dormir a manhã inteira (mais ou menos como fiz hoje), tomei banho e café e logo o Marco e o Dan me chamaram para trabalhar (guardar coisas no forro). Uma hora depois, ainda mais cansada, fui para a escola com vontade de não ser ninguém. Lembranças de todo tipo passavam por minha mente, e quando lembro de alguma coisa realmente eu vivo ela outra vez. Lentamente, meu desejo de ir em frente diminuia. Eu não queria fazer aquela prova idiota, não queria falar com ninguém, o dia inteiro. Fantasiava, historiava fugir por um dia para o Jardim da Luz, encostar-me numa árvore e passar a tarde desenhando. Voltar antes do sol se pôr, almoçar na lanchonete da Pinacoteca. Ficar desenhando, desenhando... Lentamente, minha vontade de seguir com a minha vida ia morrendo, acabando. Mas meu anseio pela vida, não. Queria ainda existir, tinha um pouco de fé, ainda! Cheguei no colégio. Andando despreocupada até cruzei com o JP, a Paulinha, a Gabi. Nem um cumprimento: passei reto. Eles não me viram, e eu não precisava de que me vissem. Foi como se não os conhecesse, como se fossem apenas colegas de escola, como tantos outros por quem passo sem cumprimentar. Não me interessava por amigos. Minha vida estava vazia. Tinha perdido a fé em mim. Não que não acreditasse em mim, que não me achasse capaz - simplesmente não gostava da mim, queria ser mais divertida, mais inusitada, mais surpreendente. Queria ser engraçada como o Charles e a Clara. Também queria ser misteriosa. Queria despertar curiosidade. Queria dar prazer, diversão, certeza. Estava tudo errado. Não queria mais ser eu mesma. Não queria mais ser sincera. Não queria mais finjir que eu era especial simplesmente por ser eu mesma. Queia ser especial de verdade. Queria poder entender porque meus amigos gostam de mim. Queria ser legal, eu acho. Queria fazer amigos. Queria me superar. Queria parar de imaginar cenas de lutas toda vez que me distraía.
Acho que eu estava triste. Sim, eu estava triste, é óbvio.
Acabei cumprimentando o Yuri e o Dobay, mais por dever do que por qualquer outra coisa. "Que foi?", perguntou o Yuri, e acho que eu repondi que não era nada, que... *suspiro*. E mesmo depois da prova eu continuava triste, apenas triste, apenas Malikath. Queria a solidão, o desapego de todas as coisas vivas. Ou talvez um abraço de árvore. Ou chorar. Tudo parecia inútil.
Ficava lembrando do Evan e do Lay (os anjos que matei em uma de minhas histórias) e pensando em quão desesperador seria encontrá-los de novo e de novo perdê-los, pois o tempo e a distância impediriam que encontrassem-se em liberdade, e que pudessem amar livremente. Essa história é bastante emblemática: hoje vejo que matei os dois lindos anjos porque, apesar de tudo, não sou loba de verdade, e também porque não consegui decidir qual dos dois deveria viver. Uma loba teria deixado que lutassem até a morte, e festejado a vida do vencedor. E se tivesse verdadeiramente feito a escolha, teria protegido o escolhido com garras e dentes. Quando criei essa história, ainda não tinha realmente me apaixonado por ninguém (ou seja: foi antes do colegial), mas ainda assim...
E aí, no caminho de volta para casa, fui me dando conta de que eu não estava infeliz, eu era infeliz. Passava os dias assim, remoendo dores e perdas, a maior parte conseqüência de opções conscientes. Ficava assim divagando sobre a vida sem muita vontade de vivê-la. Ficava chorando por não conseguir ser diferente, por não querer pagar o preço por ser diferente. De repente me vi extremamente perdida, desiludida, desenganada, e não compreendi. Me perguntava como e quando ficara assim, o que havia em mim e em minha vida que me fazia tão triste, tão só, tão desgarrada. Tantava entender minha prórpia solidão e desalento e não conseguia. Me perguntava quando deixara de ser uma menina feliz. Quando que meu sorriso deixara de ser verdadeiro. E de repente compreendi. A verdade dançou aos meus olhos e foi mais terrível do que eu pensava. Mas ela estava lá, era só agarrá-la, e eu não tinha nada a perder. Então, percebi:
Eu sempre fui assim.
Inegavelmente é verdade: me lembro de mim aos cinco anos absolutamente solitária, comendo sozinha no recreio, e os meninos roubando meus brinquedos e jogando-os no telhado... Me lembro de passear sozinha ao redor dos campos e das árvores do colégio por todos os oito anos do Ensino Fundamental. Me lembro de sentar para escrever, em noites de 1999, porque meus pensamentos em enxurrada não me deixavam esquecer tudo e dormir. Me lembro de confessar para mim mesma declarações de ódio a mim mesma, à minha mãe, à minha irmã (aliás, eu cheguei a escrever isso, e depois rasguei, pois gostava demais de minha irmã, a admirava demais e a amava demais para realmente acreditar no que escrevi), ao mundo. Me lembro que "amigos são as pessoas de quem eu ando ao redor no recreio". Me lembro que eu não tinha amigos. Me lembro de ficar feliz quando alguém falava comigo, porque não costumava achar que alguém quereria falar comigo. Me lembro de tremer ao falar qualquer coisa em classe, o que, aliás, faço até hoje. Me lembro de chorar, absolutamente sozinha, de saudades dos meus amigos do pré, na terceira série. Me lembro de pensar em fugir de casa um sem-número de vezes. Me lembro de não conseguir parar de chorar. Me lembro de me odiar por não conseguir mudar. Me lembro de ter raiva de todos por não me fazer compreender. Me lembro de não deixar ninguém chegar perto, de me irritar quando alguém falava comigo.
Acho que essa é uma das razões pelas quais eu decidi mudar minha vida. Decidi que não vou mais me esconder do mundo quando tiver raiva dele. Vou lutar contra ele, como o Yoh luta contra o calor. Não quero mais ser passiva. Não quero mais imaginar que digo coisas às pessoas em vez de realmente dizê-las. Quero viver a vida real, fazê-la valer. Quero lutar para que a vida seja como ela deve ser.
"E quando o dia de amanhã vier, caçaremos para o dia de amanhã."
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