segunda-feira, 12 de junho de 2006

Sabe, gato, eu preciso muito de você.

E talvez isso me incomode um pouco. Eu não sei dizer. O que incomoda mais, definitivamente, é esse olhar sensível, é esse olhar ferido, de quem... de quem o quê? Ninguém quer sofrer. O que incomoda é o jeito como outro gato me olhou, um gato muito mais escuro apesar da luz no seu olhar, quando ele partiu e eu tão sozinha me aninhei no seu abraço, como eu sempre faço, e me senti muito menos só. Não é que eu queira ser cruel, mas não encontro mais espaço para falar abertamente a ele, gato. Não consigo. Quando falo sem arreios ele me olha e parece que facas cegas se lançam do seu olhar. Acho que não quero nunca mais falar com ele assim, sabe? mas eu não saberia dizer. Amar é uma coisa confusa. E acho que eu não preciso dele. De nenhum deles. E acho que isso pode ser bom, pode ser ruim, mas eu queria que ele não me olhasse como se eu fosse cruel assim. Eu não quero caçar mais. Eu não quero que ninguém me ouça. No fundo, eu quero descobrir como chegar ao mundo pelo outro lado. Porque o Guigo disse para eu ir para o mundo, não para eu seguir os filhotes novos. Existe muito para ir além.

Mas para onde fica o além, gato? Você me diz, mesmo que você não saiba me dizer. Uns vão seguindo seus caminhos, outros esperam, chamam, têm raiva quando não aparecemos. Mas não é nossa culpa, na verdade. Nós amamos muito além do que os seus olhos escuros podem ver. É preciso tirar os antolhos, menina. Ou o animal pode cair da ponte; você não poderia querer isso. Nós sofremos muito no começo. Sentimos muita falta e muita saudade, mas depois passou. Ficou só aquela saudadezinha escondida atrás de uma quina do peito, escondida com o corpo de fora como uma rena de nariz azul. E hoje quando você chega e conta as novidades e as histórias engraçadas nós todos queremos rir, nós todos queremos brincar, queremos viver você para que você exista conosco inteiro, queremos te conhecer inteiro, aqui e lá. Mas os outros, por quê? ficam calados, ficam silentes, uma dor brumosa com cheiro de orvalho, eu não consigo entender de onde vem esse cheiro de orvalho, esse olhar perdido, essa vontade de chorar. Então eu não choro, mas pra quê? Eles continuam com a gente, mas os corações, gato, quê fazer? Eu quero conhecer um novo mundo. Se eu levá-los para esse novo mundo, quem sabe os olhos vão sorrir como antigamente...? Amar, talvez, devia ser mais fácil. Mas assim no futuro do pretérito tudo vale. Subjuntivo para suposições, Má, ela disse. Mas eu quero indicar o caminho, Thá. E os seus quereres e os seus amores são como peixes nadando contra a correnteza. Aliás não simples peixes: salmões.

Talvez realmente o jeito que o nome daquele Gato se pareceu tanto com o dele e o jeito como eu escrevi isso tenha sido impensado, talvez tenha sido errado, mas não foi o que eu quis dizer, não foi o que eu quis causar. Mas ontem em algum momento eu lembrei, quando dançamos a quadrilha, quando trocamos risadas, quando vi aquele bichinho fofinho transformado em Chopper, quando você me abraçou, quando ele riu, quando outro disse que estava muito feliz, quando eu me irritei, quando contamos o dinheiro, quando eu comi espetos de morango, e em outros momentos também, eu me lembrei:

O mundo pode ser muito gatos.
Talvez mais até, do que você, do que ele, gato. Acho que por isso que eu te amo. Eu adoro te ver crescer, perto e longe de mim. Eu adoro vê-los crescer, na verdade. E talvez o amor, sei lá, faça parte, de algum jeito, da amizade. Quem sabe eu entendo isso quando crescer, heh...

E sei lá, O Charles disse que agora é o rei da Inglaterra, não sei não. Já acabou a monarquia faz tempo... Quando eu era criança achava que os reis só existiam no passado ou nos contos de fada. A Gabi ainda não me disse, e ela não posta mais, e ela não brinca mais, mas também, estão todos na faculdade agora. O João Pedro todo carente reclama que eu sequer o vi. It takes all sorts, quê fazer? O Squick reclama que não entende nada, quê fazer? A Milla me liga sempre dizendo "vem pra cá agora". Eu apenas suspiro, dormitando num banco da praça. O mundo é mesmo gatos, quando se fecha os olhos e um colega de classe grita, no meu sonho, que ele estava muito afim de mim. Eu apenas suspiro, e lá em cima o verde das copas suavisa a imensidão do azul. Preciso acordar pra entender que foi apenas um sonho. Na vida real, eu ficaria ainda mais sem jeito, e talvez finalmente viesse a vontade de dar-lhe um beijo. Você tem ouvido muita Rita Lee, eu tinha vontade de dizer no seu ouvido. Mas éramos tão crianças, quê fazer agora que estamos tão distantes? Eu apenas suspiro; até a lembrança está se tornando distante agora. Eu quero conhecer um novo mundo, além do que já conheci. São legais mesmo, estes livros com vários mundos e vários gatos. Eu apenas suspiro -- e posso quase sentir o calor da sua respiração no meu pescoço... Às vezes eu acho que você vai realmente me dar um beijo. E aí viro a cara, mas acho que no fundo eu é que comecei. Eu apenas suspiro, viro de lado e tento dormir, e não sonhar com ele, foi apenas um sonho...

Sabe, gato, você realmente tem algo de urso.
Um urso forte, grande, meio solitário, meio familiar, meio brincalhão, meio letal.
Uma patada sua para matar um peixe. Mas eu aposto que consigo me esquivar, pular na sua cara, rindo, e quem sabe te derrotar como no sonho. Quem sabe. Mas eu prefiro que continuemos assim, lado a lado. Te espero no próximo feriado, gato. Urso, te espero no último feriado.

Nenhum comentário: