sábado, 24 de junho de 2006

Daniel Nievvish

Quando eu era criança eu achava que Daniel era adulto. Não que ele fosse especialmente maduro - muito pelo contrário. Nem achava que ele poderia ser de longe tão velho quanto Animal, seu mestre e pai de criação. Mas talvez o velho fosse um pouco baixo, e do alto dos meus quatro ou cinco anos eu não conseguia ver claramente a diferença entre um e outro. É claro que o rapaz era alto, mas para uma criança pequena até um menino de dez ou onze anos tem o porte de um homem feito. E evidentemente eu jamais me tornaria mais alta do que ele, de forma que levaram pelo menos dez anos para que eu finalmente percebesse que o rapaz era, no máximo, pré-adolescente, e na maioria dos aspectos tão infantil quanto Rafa, Rin, ou mesmo eu. O fato de nós brigarmos de igual para igual, ou de eu eventualmente subjugá-lo, na história, seria no mínimo surreal se ele fosse, como seria mais tarde, um homem firme, poderoso e consciente. Por isso é que há alguns meses (ou anos, não sei dizer) eu tento substituir a imagem clássica do jovem adulto pronto para novas aventuras pela do rapazote insolente, prepotente e ansioso por novas conquistas que ele era, e seria por muito tempo ainda, mesmo que isso tudo mudasse antes que ele ressurgisse, agora de fato adulto, mais calmo, mais suave, e definitivamente mais evasivo, em todos os sentidos.

A primeira surpresa, nesse reencontro, foi descobrir que ele fuma. Foi assim uma descoberta espontânea: num instante de distração, vi-o tirar um cigarro do bolso da camisa (necessariamente uma camisa de manga - ele se recusaria usar camiseta) e acendê-lo com um isqueiro barato tirado do bolso da calça. Talvez tenha sido isso o que deixou mais claro que é tudo uma farsa - afinal, o fumo ia contra seu ideal de vigor e saúde, de força e resistência, que aparentemente orientara sua vida desde sempre. Até se podia imaginar que ele bebesse... afinal, seu mestre já aprendera a fazer cachaça. Mas dizem que quem fuma não pratica alpinismo. E Daniel estava muito propenso a escalar montanhas. Mas afinal de que é que está se escondendo?

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Na verdade é estranho tentar compreender os prórprios personagens. Daniel não foi o meu personagem mais duradouro. Depois de um ou dois anos de intensas aventuras nas quais ele era umas vezes vilão, outras companheiro, o rapaz solitário, que não conhecia carinho nem humanidade, foi tão esquecido quanto o resto do mundo fantástico de Ziget. Difícil então falar sobre ele. Orfão de pai, mãe e civilização, o menino foi encontrado por acaso por um dos pouquíssimos seres humanos vivendo na superfície. O soldado não tinha mais tropa, não tinha mais ordens, não tinha mais família, não tinha mais nome, nem sonhos. Àquela altura todos haviam desistido de ser alguma coisa, e ninguém mais acreditava nos Guardiães. Não se sabia a razão de nada, e apenas presumia-se que os Negros estivessem acorrentando o fluxo vital da terra. Pode-se dizer que o menino, um menino com nome, com futuro e com sonhos, reacendeu nele a esperança de uma humanidade perdida. O menino era pequeno, mas já tinha algumas idéias e sabia um pouco de leitura e escrita, o que era mais do que o velho ferreiro poderia lhe oferecer. Quando o menino Daniel lhe perguntou, no imperativo, sem pronomes de tratamento, quem ele era, o velho se atrapalhou e respondeu, num grunhido embolado, quase um rosnado, de quem desaprendeu a falar: Animal Smith.

Talvez Daniel fosse até mesmo um dos Negros. Como eles foram de certa forma apagados na mesma época, é difícil saber com certeza. Seria até interessante imaginar porque o menino foi mandado para a superfície, onde para todos os efeitos as forças antigas tinham menos influência. Afinal, desde a extinção dos dragões os povos humanos de Zigat haviam feito poucas excursões à superfície, e deviam ter pouca consciência do que se passava lá fora, em termos amplos. Ainda assim, haviam lançado algumas poucas tropas à Luz para garantir que os Povos Azuis não se tornassem demasiado pretensiosos. Dessa forma o velho Animal era sobrevivente da época dos Homens das Cavernas (os garimpeiros de diamantes)... Seus rostos queimados de sol diziam pouco a respeito de suas origens, mas fossem quem fossem os dois, como todos os outros humanos do planeta, eram resultado dos conflitos do passado misturados rudemente com a força vital do povo das profecias. Talvez, apesar deles, ainda seja certo dizer que Zigat é um mundo sem homens...


(PS: eu comecei este post hoje às quatro horas da manhã. Fui ler outros blogs e fotologs, postei um poeminha fajuto e outras bobagens, até que li o comentário da Clara, que foi quem me inspirara a escrever em primeiro lugar. Então terminei, na hora que está marcada ali embaixo. É, eu sei. E tenho que estar na Milla às 3h30 hoje! Oh Deus, Oh Vida, Oh Azar!)

PPS:Escrevo sobre amanhã amanhã ou depois. Não sinto um pingo de arrependimento, e estou feliz. Viva! ^___^

PPS2:Por amanhã eu quero dizer hoje.

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