segunda-feira, 26 de junho de 2006

Essa força

Eu gosto disso.
Essa sensação estranha que nasce no peito e se espalha para a ponta dos dedos, fazendo o corpo se arrepiar, a garganta se abrir e querer cantar, até que domina meu corpo inteiro. Esse pulsar estranho dos dedos dos pés, essa temperatura única do ar nos meus pulmões, essa sede e essa vontade de chorar. Esse nervosismo desnecessário, essa impotência, essa vontade de viver, essa serenidade e essa urgência. Essa paciente impaciência. Principalmente a impossibilidade total de imaginar qualquer coisa, e a delícia de sentir apenas, essa melodia estranha que me põe totalmente à sua mercê.
É quase como estar apaixonado.
De certa forma, acho que ler e ver tantas histórias de amor me torna mais propensa a esse tipo de sentimento. Mas é a música a grande causadora desse meu tormento deleitoso, essa espécie de dor agradável que só se compara à tensão ansiosa dos amantes. É a música.

But his voice
filled my spirit
with a strange, sweet sound . . .
In that night
there was music
in my mind . . .
And through music
my soul began
to soar!


"Aiái, Guanabara", diz o Mário de Andrade dos meus vagos pensamentos. E eu sussurro para mim mesma coisas tenebrosas.

... ... ...

É claro que não posso transmitir por texto a emoção que passa aquela voz tão...
doce.,
aguda.,
desejosa.,
baixa.,
sussurrada.,
trêmula.,
sutil...

Só então...

Ou ao menos é como ela canta em minha imaginação, como um último pedido desesperado, fraco, rendido, como o remorso apaixonado do Chevalier Mal Fet ajoelhado aos pés de sua dama, como um beijo quase um sussurro, um sopro de beijo de Lancelot nos cabelos de Guenevere... Como pode Christine depois desse sopro ainda poder dizer que quer se afastar da noite para sempre, que quer apenas o dia
e tu sempre ao meu lado
meu futuro e meu passado...


Ah, Christine, como pode você querer tanto o dia?! Como pode escapar do delírio fantásmico da noite, da Música da Noite e do toque apaixonado de um fantasma que destrói o mundo pra te recriar... Ou não? Será? Será? Será...?

...
Eu diria que são tipos bastante distintos de amor.
...


Sei lá, viu?
















Pronto.
Branco.
Assim é melhor, esse vazio, esse azul.
Meu peito está mais sossegado, não canta agora.
Eu continuo sem entender completamente como é possível, o amor é tão orgulhoso...
"A generosidade é o oitavo pecado capital." De fato. Pessoas generosas acabam cedendo aos seus amores, aos seus impulsos, não porque são vis, mas simplesmente porque amam demais o mundo para vê-lo esvaziar-se do sentido compulsivo que lhe dão. Essa intensidade vemos como uma riqueza, e tememos sim a morte, e não a queremos nem para os outros. Os generosos sempre lutarão, mesmo que seja contra Deus. Por isso Lancelot, Arthur e Guenever eram muito generosos para verem o Graal. No fim, o amor deles, amor impuro como todo amor no fundo é, foi mais forte que a fé.
E essa força, essa ânsia luta justamente contra a pureza, que quer um mundo despido, um mundo perfeito. Acho que assim respondo à sua pergunta, mãe. Não quero ser budista, porque o budismo só tem sentido se for completo, e eu, embora preze a completude, não busco a perfeição. Não é que eu não acredite na perfeição. Acredito; assim como acredito que existam os Princípios Absolutos, que só serão alcançados depois de abandonados os Princípios Efêmeros. Mas eu prefiro, talvez até mesmo porque sou tão jovem, eu prefiro saborear a minha sede de vida, eu prefiro a Paixão, a Humanidade. Somos todos imperfeitos, e nunca seremos perfeitos, mas somos, por isso mesmo, completos. Pesados. Eu gosto de ser um animal.

Vê?; eu não sou tão contraditória assim.
Quando foi que falei que os maus precisam ser amados? O assunto agora é o mesmo.
Mas acho que agora que vi a peça eu entendo porque a moça não fica com o fantasma no final. É um pouco patético, entende? O homem não tinha futuro, diferente do jovem conde com quem ela se casa. A noite talvez seja um sonho para quem é capaz de negá-la. Outros, porém, conseguiriam viver nela. Mas a vida seria de qualquer forma curta... Acho que tanto amor fora suficiente para ela - agora ela deveria querer uma vida com alguém mais autoconfiante e menos desesperado. Ela amou o Fantasma, afinal. Mas, na peça, ao menos, ele não estava preparado para ser amado, assim, depois de não haver mais volta. Toda a situação era impossível...

Sabe, uma das coisas boas de ser jovem assim é se sentir tão pequeno que não dá pra ter medo de tudo. Nem dó. O mundo é uma descoberta, uma aventura.

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