terça-feira, 22 de junho de 2004

Knock-Out


Alguém me nocauteie, que quero sentir nos ossos a vibração da pancada.
Por favor, alguém me apague à chama, que quero sentir o peito frio mas cheio, de chocolate derretido, babaloo suculento, rosas-verdes, tutano de porco.
Não me deixe aqui sozinha na cidade: me largue do topo de um prédio, arranque meus olhos com as garras duma águia e deixe que eu caia cem, duzentos metros. Deixe que eu morra, me afogue no meu próprio sangue quente; se minha vida se esvair e meu sangue escorrer, deixe que no último instante eu beba do seu, muito mais saboroso.
Alguém, por amor, alguém me sacuda, me sacuda forte, me faça acordar e de novo enxargar a vida com olhos dispersos, apaixonados pelas pequenas coisas do dia-a-dia... Deixe que esse desespero passe; me engolfe com alguma coisa que esse mito odeie — deixe-me quebrar todas as regras, vou traí-lo mas assim traio a mim mesma. Não, isso não. Isso nunca.
Alguém, por misericórdia, faça meu coração bater como bateu um dia: distraído, despreocupado, hilozoísta panteísta. Deixe queimar suas cinzas sim, mas só por um instante: no momento seguinte, apague essa chama. Apague com ela a alegria, e também a dor. Acabe com esse sentimento maravilhoso, mas tão absurdamente terrível.
Me abandone inconsciente nalguma esquina vazia, e beba meu sangue quente.

Será melhor sorrir por esse amor tão... perdido... para depois sofrer uma dor tão forte, ou desistir, da vida e de tudo, para recomeçar em um lugar qualquer, achar uma pessoa menos difícil para se amar?


Realmente, a gente só ama errado. E eu sou gente como toda gente. Nunca poderia me apaixonar por um cara com quem eu pudesse ficar. Nunca. É terrível: eu realmente acho que a maior parte do que senti até agora foi dor, desespero e mêdo... entretanto, não quero, não posso desistir, não é nem possível; eu acho que gosto de me sentir assim, menos perdida, menos ao léu. Mas, no fundo, é a mesma coisa: eu ainda não tenho para onde correr...
No dia em que a dor ou a euforia for forte demais, eu vou quebrar esse lacre, vou correr em sua direção e dizer tudo, até que você se sinta mal, realmente mal, porque você nunca poderia me amar nem vagamente tanto quanto eu te amo. E aí, eu não terei sequer emoção para derramar as últimas lágrimas.

... ... ...

Desculpa, gente.
Hoje eu estou meio mal. Saí do cinema e nenhum, nem um único dos meus amigos se despediu de mim. Foi como se de repente tudo desaparecesse. Evaporasse.
No começo, foi até bom. Eu sentada entre duas pessoas muito queridas, segurando a mão de uma e apenas me deixando contaminar pelo espírito da outra. Depois, foi mais difícil. As duas pessoas aos meus lado se inclinavam nas outras direções. Me senti abandonada, do nada. Não tinha mão a segurar, ombro a apoiar, nem um sorriso ao lado que eu pudesse acompanhar. Só o vazio. Vazio. Vazio.
Meu peito queimava, resistindo à pressão externa bravamente, já que a interna de repente caíra para zero. Primeiro, senti a garganta aberta, buscando um ar que parecia não chegar nunca. Depois, pus a mão no peito, no pescoço, quase ambos, buscando, arranhando a pele, procurando algo que deveria estar lá mas não estava, não estaria: não sentia o coração bater, não sentia mais quase nada, só o vazio, preto, pofundo, azulado, vácuo. Vazio, vazio, vazio.
Doía. Doía muito. Fechei os olhos, não queria ver nada, pensar em nada. Abri-os novamente. Pensei que se eu prestasse suficiente atenção no filme, esqueceria essa dor. Funcionou por alguns minutos. Poucos. Resolvi que não queria perder o filme, prestei mais atenção. Pela primeira vez consegui de fato assistir o filme inteiro. E o debate inteiro. Sorri, entendi, comentei.
Chorei, mas você não viu. Não pode ter visto. Chorei, talvez, por você, e você não sabe disso. Não pode saber.

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