sexta-feira, 12 de março de 2010

Essência

Estou na FAU, todos os meus amigos estão em aula, estou dividida entre filosofar, passear no sol, ler um livro ou estudar. Bem, aqui eu estou.

Há pouco tempo eu estive lendo Fight Club (que tem aspectos melhores e outros piores que o filme — notadamente o fato de o narrado não se chamar Tyler Durden) e tem aquela parte em que o narrador tem que dizer o que ele gostaria de mudar em sua vida antes que o carro batesse de frente, quer dizer, seu desejo final antes da morte, aquela coisa que você diria pro padre na hora da extrema unção se o seu padre só se sentisse vivo enquanto espanca outro homem no porão de um bar ou se esforça para destruir o mundo.

"Drunk drivers against mothers", kind-a-thing.

Eu estava no jardim, tinha um dia lindo na minha frente (é preciso observar que meu jardim em si é lindo) e minha vida parecendo escorrer das minhas mãos como um chumaço de plumas e me perguntei: o que eu quero, o que eu responderia ao mecânico dirigindo meu carro em direção à morte quando ele me fizesse essa pergunta?

— Eu quero escrever meus livros.

Sabe, não aquelas coisas amadorísticas que eu mostro pra vocês, eu quero escrever a história de Shaer, a guerra dos três demônios, a viagem de Aragorn. Eu quero mostrar a força da lida deles, eu quero declarar a que conclusão cheguei.

Tudo isso me parece impossível, como me parecia impossível velejar, me parece impossível eu um dia saber escrever e ter coragem de macular essas histórias com minhas palavras. Mas eu faço um esforço, embora débil, para que um dia isso se torne possível.

Eu sou uma escritora, uma Cantadora em essência? Nâo sei. Não tenho a mesma seiva criativa do Charles, e não há grandiosidade em meus poemas nem sabedoria em minha prosa, tudo que me resta é minha paixão, que se dilui no tempo conforme eu falho em escrever o próximo capítulo. Por exemplo, quando comecei as Histórias Sem Fim, pretendia escrever um capítulo por semana, e já se passou um ano e escrevi talvez quatro folhas.

Espero entretanto que ao menos a história seja interessante.

A Bia da Biblioteca um dia me disse "Não deixe os números confundirem você: você nasceu para as letras". Sim, sim, as letras, as palavras me encantam, mas a matemática também me encanta, tudo o que é linguagem me encanta, talvez nasça daí minha paixão por computação, mas meus interesses vão muito além desse encanto. Talvez a ciência, a arte, a fábera, e todas as coisas da vida sejam apenas hobbies, coisas do coração, coisas que são alimento mas que não são o objetivo final. Todo esse amor que eu tenho pelo mundo, talvez seja apenas a forma de devorá-lo.

Quem pode saber? Eu quero ter cento e dezoito anos e ser velha, forte e sábia. Eu quero levantar o mundo (me dêem uma alavanca!), eu quero acima de tudo enxergar. Entretanto, toda vez que me distraio do mundo e tento me concentrar no eu, eu sei que a forma como Eu gostaria de existir no mundo seria através das histórias.

4 comentários:

Marcio Zamboni disse...

Acho que eu gostaria que alguns desenhs meus fossem parar em museus, ou que simplesmente se tornassem muito importantes para as pessoas que os possuissem, e para os descendentes das pessoas que os possuíram.
seria interessante também escrever um livro, ou até mesmo um artigo, que fosse citado pelas próximas gerações de antropólogos como uma referência.
Ganhar um prêmio de cinema ou gravar uma música seriam coisas legais, mas que me parecem completamente impossíveis já que não tenho talento com música ou com atuação. Se bem que eu trabalharia com direção de arte... quem sabe era um caminho.

Isso a longo prazo.
A curto prazo tenho uma infinidade de desejos muito menos nobres.

Unknown disse...

Talvez voce esteja pondo peso demais na conclusão. O percurso costuma ser mais intrigante. A conclusão é dispensável.

(eu nunca tinha lido seu blog com atenção, gostei muito dele)

Charles Bosworth disse...

Eu adoraria responder o que eu acho disso, mas putz! Seria a história da minha vida...
Nem eu entendo direito, mas acho que de algum modo eu sinto tudo isso, e de um modo pior, de um modo mais pesado, de um modo mais vida-e-morte/ tragam a Cruz, estou pronto!
Ou talvez você sinta isso assim também e escondeu. Mas acho que não.
Uma vez, quando eu era criança, minha mãe me levou para o bairro chinês e me deixou esperando em uma loja enquanto ela sumiu com a vendedora nos fundos. Uma chinesa muito muito velha me olhava brincar. Ela perguntou sobre os meus brinquedos, com uma voz carregada de sotaque e velhice, e eu disse que estava brincando com robôs, que se transformavam em carros, que se transformavam em robôs, que se transformavam em super-heróis. Eu disse que queria ser que nem eles, e ser qualquer coisa.
Ela sorriu. Ela disse que eu podia sim, ser o que eu quiser. O que eu quisesse no mundo. Só tinha que abrir mão da minha alma.
Acho que, de algum modo, só há uma coisa que podemos ser. A gente só pode ser a gente mesmo. É a coisa mais simples, e quase mais estúpida, que eu poderia dizer, mas acho que tem me guiado de algum modo.

Talita Salles disse...

Ma,

Será que ajuda dizer que eu adoraria ler o que quer que você escreva? Eu não sou escritora - sou leitora. Quero aprender todas as línguas, quero ler muito, mas não para escrever - já que não consigo imaginar meios nem fins, só começos. E jogar idéias. Adoraria traduzir, mas não saberia escrever. Acho que, se você quiser, posso te ajudar a organizar idéias e dar empurrõezinhos - se você não se cansar deles.

Me conforta saber que pelo menos eu ainda te entendo em algumas coisas (ainda passo longe na programação).

Amo você.