domingo, 28 de março de 2010

O Viajante e o Cavalariço

— O que aconteceu? Por que ele não voltou para buscá-la? Como podia não haver um dragão na caverna? Então o que aprisionara Fælyn? —, perguntei ardentemente ansioso, mas nesse momento o véu mágico que nos envolve nas histórias... sim, este mesmo véu que te aprisiona agora... se ergueu suavemente e eu vi que minha narradora, por um instante uma garota ainda não adulta, envelhecia sob o meu olhar ingênuo e jovem, dez, vinte, cinqüenta, talvez cem anos num minuto. — Vá agora! —, disse ela, me dispensando com uma ameaça da mão incrivelmente velha. Eu fui; assustado, me virei e comecei a andar enquanto ela falava atrás de mim:
— A história é importante e antiga, e parece que não consigo contá-la toda de uma vez. Mas volte!, volte num dia bom, e eu lhe contarei a verdade sobre a história de Fælyn.
Nesse momento ela irrompeu em soluços que poderiam ser de uma criança. Não me virei nenhuma vez, por respeito, mas também por mêdo daquela súbita fragilidade. Dentro de mim fervilhavam incontáveis emoções, confusas e contraditórias, pois eu sabia que tinha presenciado uma coisa verdadeiramente poderosa. Eu estava arrepiado e minha pele tinha pequenos espasmos que muito mais tarde aprendi a associar com a verdadeira magia. Eu não sabia bem o que tinha acontecido, mas sabia que não esqueceria de nenhum instante daquele encontro.
Naquela noite convenci um cavalariço ainda mais jovem que eu a me deixar dormir numa baia vazia, e ele por hospitalidade dividiu comigo parte de seu jantar. Também foi a primeira vez que contei uma história para alguém que tinha interesse em algo mais que monstros e heróis. Eu mesmo mal acreditava nas minhas histórias, e eu estava lá; mas ele, o cavalariço, ouvia tudo com atenção e cuidado, percebendo minhas emoções em cada parte e respondendo quando achava importante. Foi incrível! Contei a ele tudo, desde a minha decisão de sair da vila, minha admiração apaixonada pelo Grande Herói, Jennie, Tia Ida, o Ogro, e enfim toda a minha viagem até Vilania e o encontro com a Velha. Contei cada detalhe insignificante que parecia ter importância, cada refeição, cada dúvida que me atormentou no caminho. Ele me completava contando coisas da sua vida, decisões difíceis que tivera que tomar, e explicou que virara cavalariço depois que seu primo, de quem herdara o serviço, tropeçara de mau jeito e batera a cabeça numa pedra dura. Quando eu terminei a história do ogro, ele me disse com um olhar muito sério:
— O que você fez foi impressionante, mas as histórias de ogro são comuns por aqui. Você devia falar com Horzt, o marceneiro. Antes de morar aqui, parece que ele foi um herói profissional e ganhou a vida matando monstros.
Conversamos a noite toda, sobre essas coisas e outras das quais esqueci. Eu e o cavalariço nos tornamos melhores amigos num instante, e só muito depois eu me arrependi de nunca ter perguntado seu nome.

No dia seguinte voltei à pedra e lá estava a velha, encolhida e encurvada como uma velha águia, ou como uma gárgula. Me aproximei relutante e perguntei se hoje era um dia bom.
— Todos os dias são bons para se contar uma história — ela respondeu, se desenroscando e e estendendo a mão para mim.
Fiquei assustado e confuso por um momento, mas depois segurei a mão, e ela me puxou para cima da pedra com uma força inesperada. Meu coração batia rápido de mêdo de estarmos tão próximos, eu sentia a aspereza de sua pele e o cheiro estranho, como o de coisas muito antigas e abandonadas, que vinha da velha. Mas ela, a depeito de mim, pôs as mãos nos meus ombros, aproximou nossos rostos e disse: "Escute bem."

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