segunda-feira, 22 de março de 2010

Escotismo, Árvores, Lei da Jângal e homens

"Fly me to the moon and let me play among the stars
let me see what spring is like in jupiter and mars..."


Ahn, essa música não tem nada a ver com o que estou pensando, ela só é bonita e não sai da minha cabeça. Eu pretendo aprender a tocar ela no sax, acho que vai ficar bonito, mas antes preciso praticar bem mais; aliás, eu já disse que estou praticando sax? Bem, isso não deveria ser o que eu estava pensando. O que eu estava pensando era isto:

Ele segurou os dois galhos da árvore, como se testando sua resistência e imaginando o movimento que teria que fazer para se erguer para cima deles. Naquela hora eu olhei pra ele e pensei: esse cara tem o mesmo sangue que eu.

Esse fim de semana eu fui num evento de um grupo de escoteiros chamado Interclãs, no qual os pioneiros, que têm [18,21) anos, se reúnem, se conhecem e se misturam para fazer atividades programadas pelo Grupo sediador, que no caso era o Grupo no qual o Paulo (amigo meu, da poli) é chefe (que é a única forma de participar do movimento escoteiro se você tem 21+), o Grupo São Paulo - 001SP. O tema do evento era tribos urbanas — inclusive ganhei uma caneca e uma camiseta escrito "tribalize-se" — e havia grupos de chefes fazendo atividades para representar cada uma das tribos, no que eles chamaram de bases. Resumindo, em cada base havia uma atividade e cada atividade tinha a ver com uma tribo. O Paulo me chamou para ajudar a mestrar umas aventuras de RPG na base dos Nerds e Geeks.

Aconteceu muita coisa interessante lá, eu estou achando difícil escolher o que é mais importante. O que eu queria era mostrar o que mais me impactou, o que mais transformou o que eu era no que eu sou agora, por mais que as diferenças pareçam mínimas.

A primeira coisa foi a casa do Paulo. Resumindo, eu poderia ter decorado o lugar. Embora a arquitetura seja sem graça como em qualquer apartamento e não haja jardim. Há quebra-cabeças montados em todas as paredes, bichos de pelúcia de todos os tipos (inclusive dragões e pokémons), casa-miniaturas numa coleção, animais de brinquedo nas estantes, toda umas decoração lúdica, infantil até, mas sem perda de dignidade. Eu achei aquilo estranho e fascinante. O pai do Paulo era um cara muito alegre, descontraído e — que outra palavra usar? — fofo. Não na aparência, mas no jeito. O jeito como tratava os filhos especialmente. Parecia não ter uma preocupação na vida. A mãe do Paulo, Sandra, é uma pessoa agradável, tranqüila, divertida, e com todas as características mais marcantes de uma mãe, por exemplo querer cuidar de você e contar um monte de histórias. Ela me contou como a alcatéia dos lobinhos era baseada no Livro da Jângal, como Baden Powell era amigo de Rudyard Kipling, como os chefes dos lobinhos tinham títulos como Akela, Raksha, Baloo (os lobinhos a chamavam de Baloo). Isso me deixou intensamente nervosa.

No caminho para a casa dele, Paulo me perguntou se eu tinha religião. Eu não tenho religião, eu disse. Mas acho, eu disse, que minha fé tem algo de panteísta. As coisas pra mim são sagradas. Quando eu vi as ondas explodindo contra as pedras em Paúba eu pensei, isso é Deus para mim. As pedras são minha religião, e as árvores.

Quando eu era menor, a Jângal era a minha fé. O Livro da Jangâl, completo e na voz de Monteiro Lobato ("Olhai bem, ó lobos!") era minha Bíblia. Não tive coragem de dizer isso pra eles, mesmo quando Sandra (Baloo) me perguntou como eu tivera acesso ao livro, por que eu o lera sendo que ele é difícil para crianças, nem quando eu disse que já o tinha lido várias vezes; eu queria dizer que eu provavelmente sabia mais sobre o livro que ela, eu queria dizer que eu era mais lôba que os lobinhos, essa é a verdade. Fiquei nervosa pensando se ia encontrar um monte de gente que sabia tanto sobre essa história quanto eu. Não sabia como eu ia me comportar. O assunto em questão era muito close to heart pra mim, eu me sentia ameaçada sabendo que não detinha o poder sobre ele. Baden Powel era amigo de Kipling! Era como se eu estivesse perdendo alguma prerrogativa. Até hoje ninguém nunca foi tão obcecado pela Jângal quanto eu.

Felizmente meus mêdos não se concretizaram. Os chefes e pioneiros não tinham ligação com Mowgli, e na verdade nenhuma atividade foi muito mateira. Eu tive que defender minha posição poucas vezes, uma quando tive que mostrar que eu sabia o que era um spec de barraca, outra na hora de andar à noite pelo bosque. De modo geral fiz muitos amigos, e só fiquei na defensiva com um deles, que me pareceu o tipo xavequeiro-controlador. O dia mais interessante foi a primeira noite, em que o Paulo me deixou sozinha e eu sentei na mureta que marcava o espaço das barracas e fiquei conversando com os chefes responsáveis pela organização do campo e com todos os mais que passavam. Conheci nessas um rapaz de 20 anos que em dois minutos me convidou para me juntar ao movimento, e me explicou a segmentação por idades etc. O nome dele era Caio, e se eu tivesse que escolher alguém naquele evento para ser meu amigo, teria escolhido ele. Queria tê-lo conhecido melhor.

Me sinto ligeiramente tola. Durante boa parte da minha adolescência tive vontade de ser escoteira, mas não tive a quem fazer perguntas e achei que era impossível virar escoteiro sem antes ser lobinho, e eu obviamente era velha demais pra isso. Agora eu descubro que isso não era verdade, mas o decubro justamente na idade em que se torna verdade. Me sinto ligeiramente tola, mas quem hei de culpar?

Conheci duas pessoas que me interessaram intensamente, atrás de quem eu tendia a correr como um cachorrinho fazendo perguntas (mas na minha timidez violenta eu não fazia pergunta nenhuma). Um era um contador-de-histórias, um cara sem dono que sabia um monte de coisas interessantes. Eu queria sentar do lado dele e pedir pra ele contar histórias. Assim que o cara percebeu meu interesse ele resolveu mostrar tudo o que ele tinha pra mostrar. Isso foi legal por algum tempo, por algum tempo eu achei que ele ia conseguir a minha confiança e me ajudar a vencer a timidez, até porque ele era amigo do Caio, e porque ele também estava mestrando rpg. Por algum tempo as conversas foram interessantes, todos os caras me contaram e mostraram coisas legais que eu não conhecia, mas em algum momento... Em algum momento as coisas se reverteram e eu decidi ficar meio longe desse cara. Continuei conversando com ele, até, mas não era mais minha alma falando. Não havia mais timidez, só havia a Muralha. Me perguntei por que tantos caras interessantíssimos na minha vida de repente me causavam repulsa.

O outro foi tipo amor à primeira vista, e na verdade a existência desse cara iluminou um pouco a minha vida. Em relação a ele eu realmente me sinto como o filhote animado correndo atrás do animal mais velho e sério. O cara ainda consegue ser bastante sério, o que me fez me conter bastante na presença dele. Mas parece ser um cara legal, quem pode saber? Nada disso é importante, o importante é subir em árvores. Eu conheci o Amarelo quando uma garota apontou pra ele e pediu pra eu ajudá-lo, um cara alto e magro, cabelo máquina 2, corda de alpinista no ombro, andando a passos enérgicos (e enormes) recrutando pessoas com brados decididos sem parar de andar e sem hesitação. Não foi o que ele estava fazendo, foi o espírito com que estava fazendo isso. Eu me aproximei e ele pediu pra eu segui-lo. Andava e gritava pra quem quisesse ajudar que o seguisse. A ajuda de que ele precisava era para simular a base dos esportistas, na qual pessoas seriam içadas até um galho alto de uma árvore e depois desceriam de rapel. Ele já tinha passado uma corda pelo galho e amarrado a corda em outra ;arvore de forma que ela ficasse firme. Então ele começou a subir pela corda. Mas veja, ele não subiu pela corda com apenas a força dos braço e o jeito das pernas. Se ele tivesse feito isso, eu teria olhado pra ele com aquela inveja raivosa que eu sinto por aqueles que são simplesmente muito mais fortes que eu. Em vez disso, eu olhei para ele com a admiração de um discípulo. O cara estava amarrando outra corda menor na corda principal de forma que ele fazia laços com ela, subia pelo laço, deslocava o laço e subia novamente. Não sei nem exatamente o que ele fez. Se eu fosse outra pessoa, talvez eu tivesse querido correr até ele e pedir pra ele me ensinar ali mesmo. Uma chavinha dentro de mim mudou da posição "impossível" para "possível".

Alguém perguntou: "Você é escoteiro ou alpinista?"
E ele, sem hesitar: "Alpinista."

E, dois dias depois, depois que eu já tinha ido conversar com ele e combinado de ir no Grupo subir em árvore algum dia, quando ele estava no meu lado no bosque e ele pôs as mãos nos galhos da árvore exatamente com eu estava com vontade de fazer, eu pensei: será que ele é como eu? Será que ele vê as árvores e imediatamente pensa em como vai subir nelas?

...

...

Sabe, eu preciso tomar um pouco de cuidado, porque escrevendo isto eu notei como quando eu me interesso por uma pessoa em começo a agir como se estivesse apaixonada por ela. Não é nada disso! Eu só quero achar pessoas com as quais compartilhar paixões, como subir em árvores e contar histórias. Eu quero encontrar pessoas que uivem comigo e com as quais eu possa aprender o que anseio por saber. Eu quero pessoas que me ajudem a lembrar dos trechos esquecidos da minha Lei.

Vocês, que são meus amigos, são meus amigos porque já uivaram comigo.

Mas...

resumindo, o resto dos caras costuma se distrair demais com seus respectivos pênises pra conseguir ouvir este Chamado.

2 comentários:

Rafael F. disse...

Vou dizer que o ano passado, em sua grande maioria, foi bem ruim pra mim. Meio sem rumo, meio inútil, meio preso em mim mesmo. Mas não é esse o caso, o caso é que eu sinto que conheci duas pessoas novas no ano todo, apesar de na verdade ter conhecido várias outras.

Curiosamente as duas foram durante provas do Detran, o que me faz querer ir atrás da metáfora que envolve aprender a dirigir um carro com aprender a dirigir a própria vida. Um carro sozinho é uma coisa, um carro em meio a outros carros estranhos e indiferentes a você é totalmente diferente. Aprender a viver uma vida nesse mundo cheio de pessoas estranhas é uma coisa totalmente diferente também.

E agora enquanto eu escrevo isso eu olho pra laje do vizinho e vejo duas pessoas com chapéus e narizes de palhaço fazendo mímica no telhado. Parece que veio pra ilustrar o meu ponto. Se todo mundo é estranho e indiferente a você, o mínimo que se pode fazer é ir atrás das pessoas que te despertam algum interesse. E acho que esses tipos meio malucos sempre foram as pessoas que me chamaram mais atenção.

E você por algum motivo, quando desceu daquele ônibus da auto-escola, vestida meio que pra um carnaval na neve, me pareceu uma pessoa que valia a pena ir atrás. Não sei porque, ou não sabia. Agora acho que começo a entender.

Entender não, descobrir talvez, pra não deixar a possibilidade de conclusão.

Em relação aos meus comentários responde como quiser. Você deve entender mais disso que eu, não entendo muito de blogs. Acho que mandando pro meu blog é melhor, que daí vem email.

Enfim, que bom que seus posts mudaram daquele tom pessimista de quando eu encontrei o blog pela primeira vez. A vida gira, inevitavelmente ela volta pra cima. Por um tempo pelo menos, e é nessa hora que você tem que agarrar o máximo que puder do mundo, que é tudo que você vai ter quando o inverno voltar. Ou sei lá, isso é o que eu tenho feito pelo menos.

Talita Salles disse...

Má.

Eu só queria dizer: entendo entendo entendo. Quer dizer, eu não sou filha da Jângal como você, e já ultrapassei faz tempo a época em que te invejava por isso, mas acho que sempre entendi a fascinação, a fascinação por aquelas pessoas específicas. Sabe, eu achava que a gente se falava tão pouco que meio que tinha deixado de se conhecer. Pois é, mudei de idéia. :)