domingo, 24 de setembro de 2006

Sem nenhuma verossimilhança

Eu gosto de festa - e confirmo que esta da qual acabei de voltar foi uma bastante agradável, que valeu a pena. Entretanto, mesmo sendo uma festa boa, sempre há aquele momento isolado, em que os olhos vagueiam pelos cabelos dos outros convivas, e os pensamentos se perdem em milhares de coisas não-relacionadas. Nessa hora, eu comecei a pensar distraidamente em você, em mim, em tudo aquilo, e meus pensamentos pareciam cada vez mais lembranças de um sonho estranho.
Era noite. Terminei o jantar sem nenhuma gula, forçando a boca a mastigar e a engolir a comida. Estava deliciosa. Me levantei, levei o prato à pia, saí da sala sem nenhum aviso; e queria escorrer como água sobre musgo, em sigilo. Entrei no quarto, a mente como uma colméia, pensando milhares de pensamentos quase iguais, lembrando várias vezes as mesmas coisas. Não tinha vontade de nada. Deitei na cama, cansada, milhares de pensamentos confusos. Não tinha sono, na verdade. Tinha a impressão de que fora desperta de uma forma muito eficiente, que me tirava todo o sono e a vontade de dormir. E não podia usar o computador, e estava cançada demais para escrever. Despi-me, me enfiei entre as cobertas e esperei. Não tinha sono, mas estava exausta, e estava ainda pensando em ti. Ficaria sem ver-te por apenas três dias, mas então me parecia que seriam semanas... Virei de lado, fechei os olhos, sem pensar em nada. Tudo pareceria tão estranho...

Quando ando pelo colégio, hoje, não é mais apenas a sensação de que todos me desconhecem que me atormenta, mas também o oposto: aquela noção esquisita de que aquelas pessoas me viram crescer, mesmo que não prestassem atenção em mim, mesmo que sequer soubessem quem eu era, elas estavam lá, o tempo todo, quando quebrei meus braço, quando recitei meu poema diante de todos os pais, quando joguei meu fichário com força na cara do Bruno, quando foi inventado o Marinabol, quando Julieta arrumou sua coroa (assumindo seu papel de esposa), quando expus meu retrato da Lorena, quando me embaralhei com uma leitura para a classe, quando me afastei... Eles todos estavam lá, vendo, presenciando, todos aqueles pormenores da minha vivência, todas aquelas intimidades que eles não poderiam compreender, porque não me conhecem realmente. Esse convívio absurdo é o que me assusta mais em todos esses dez anos. É esse convívio distante que me faz querer me aninhar do colo da Ina cada vez que ela me dá um conselho.
É noite, e o teu cheiro me perturba, porque me olhas, sério, me encaras, sem mêdo nennhum. E no meu sonho teu olhar pergunta, violento e cheio de mistério: o que estás tentando me dizer? É só aí que me vês por inteira, inteira nos meus mêdos nos meus gestos - e sei que sabes, por mais que perguntes, por mais que eu não saiba, sabes exatamente o que quero te dizer. Eu te vejo a olhar nos meus olhos, os teus olhos no fundo dos meus, e confundo realidade e sonho (que a realidade parece mais sonho que o sonho), e respondo, com calma e com mêdo, não sei. Mas se rosno, se mordo, se arranho, tomas meus ataques por carícias? O teu olhar, profundo e sem fornteiras, engole simplesmente a minha luta; não restam dúvidas nem mistérios diante da força da noite... Mas agora, que acordo - é madrugada! - parece que compreendo ainda menos que antes; como se as respostas que procuro fossem demasiado óbvias para que eu as pudesse perceber. E a vida, que é apenas mistério, de repente se torna um mistério ainda mais escuro...

Outra coisa que me assusta (e muito) é a forma como as pessoas que me conhecem menos, ou seja, as meninas do primeiro ano, me vêm. É algo que não consigo entender! Não me reconheço nos adjetivos que elas usam pra me descrever... A Chibi, por exemplo, vive dizendo que eu sou a menina mais *fofa* que ela conhece (quando esta deveria ser ela ;þ). Mas ela não fala como a Camilla fala ou como o Ugo fala ou como o Cham fala. Ela fala como se eu fosse a Sakura ou a Hinata ou a Kisa (não que eu não me identifique com elas, mas é que... é estranho quando é a Chibi que diz...). E ontem (e isso realmente me assusta), todas as quatro estavam bebendo, e a Leli ofereceu a todos sua taça de champagne e eu aceitei um gole. Vendo isso, a Tuti fez uma cara de assombro, e disse, impressionadíssima: "A Mali bebe?!..." e eu, achando a cara dela engraçada, disse que sim, normal, champagne é mó gostoso. E ela só fez arregalar mais os olhos: "Você não é mais pura!"...

... Honestamente, porque eu deveria ser pura? Eu estou tão acostumada a ser maliciosa (de forma que nem todos entendem a malícia), a antecipar os pensamentos maliciosos da Luda e do Luque, a dizer que inocência é crime, a descrever corpos vivos sendo deliciosamente dilacerados (sem maldade - a proposta é outra), que acho um pouco estranho quando alguém parece esperar de mim algum tipo de "pureza" de comportamento, nos termos da Moral e dos Bons Costumes. Especialmente quando esse alguém tem quinze anos, já bebeu algumas taças de champagne, é uma das meninas mais fofas que eu conheço, e está implicando com o fato de eu ter dado um gole numa bebida alcóolica. Fala sério.
Tem qualquer coisa nessa turma do 1o ano que eu simplesmente não percebo. Eles me assustam um pouco. Essa forma como eles me tratam, especialmente, me faz me sentir um bicho estranho. Parte disso é porque eu acho que eles são quase tão imaturos quanto eu era em 2004. Mas não é só isso... Acho que parte da estranheza é que eu não consigo não pensar neles como grupo. É difícil pra mim conhecê-los, e deixar que me conheçam: de certa forma, quando falo com eles acho que estou quase sempre usando uma espécie de márcara. Claro que, com o Guigo, a Leli e o Cecci, isso é menos grave. Mas com as meninas... Não sei, é esquisto. E este post é sobre o esquisito, não é?
Era de manhã. Sexta-feira. Fizera a prova com imenso esforço, e não me sentia melhor. Eu estava tentando conversar com Ludmila, tentando dizer o que me perturbava. Ela perguntou o que era e eu... Eu fiquei quieta, disse... que não sei? Que não era nada? Não me lembro. Estava tentando conversar com a realidade, mas algo me dizia que minhas lembranças também eram da realidade - e isso me confundia. A aula de História começou; a professora entregou-nos um texto, a carta de Olga. Eu o li antes do tempo. E então ela deu o tempo para ler. Eu mal conseguia pensar, com aquele cheiro confuso de não-sei-o-quê impregnado nas minhas mãos (e ainda o estou sentindo agora, como um fantasma). Levantei da carteira, disse que estava me sentindo mal, saí. Água, água gelada, e repetia para mim mesma imaginando o lago do relógio da Usp e o lago do Ibirapuera e a água de uma bica caindo em minhas mãos; água, água, água.

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