terça-feira, 8 de junho de 2010

Hoje

Quanta falta de sentido na minha vida.

Hoje você me disse que a diferença entre eu e você era que você ia pro mundo e eu ia pra casa. Fiquei muito tempo pensando nisso e espero que você esteja errado. Mas no fundo eu nunca saberia como ir pro mundo. Não sei onde o mundo fica. Estou esperando que você me mostre como chega lá, mas você acha coisas erradas sobre mim, você acha que somos parecidos quando eu digo que tudo dá sempre tão errado, não me compare a você, eu não acredito, você pelo menos tem algumas histórias pra contar, histórias que aconteceram de verdade, enquanto eu tenho umas fábulas de amor e uns sonhos.

Eu perdi tanto da minha vida e do meu sol que hoje em dia eu não consigo chamar lugar nenhum de casa. O mundo não me pertence, nem nada. Não consigo encontrar a razão para todas as coisas que eu faço. Pra mim não há hierarquia, eu só faço o que eu amo mais que me parece urgente. Eu gosto do Adilson e quero merecer a confiança do Hashimoto, por isso não falto às aulas, mas o que eu queria mesmo era fugir de casa, sair um dia e só voltar quando eu me encontrar. É uma merda ter que esperar tudo o que é importante acabar pra poder realmente mudar sua vida, acho que as coisas que importam vêm assim na hora errada, sem planejar, e entretanto eu não consigo negar minha vida à rotina, por que eu tenho sonhos dentro de conformes também, embora eu nunca saiba se seguir esses caminhos algum dia vai me levar a realizar algum deles. A verdade é que eu tenho muito pouca fé na universidade, no trabalho, na realização pessoal; me parece que essas são portas que eu fechei muito tempo atrás. Agora, se insisto nisso, é por birra. O caminho que me parece que daria certo é outro, é o da liberdade total, insana e sem nenhum parâmetro. Me tacar na lama. Sair por aí, tentar ganhar a vida apenas com coragem. Mas eu não tenho coragem de fazer isso também.

Como ir pro mundo? Me parece tão inalcansável. E da minha impotência não consigo me conformar com assistir a estas aulas e pensar essas coisas que não me interessam. Eu tento me concentrar nos objetivos racionais que estabeleci para mim mesma, mas me recrimino, por que eu não fui um pouco mais zelosa e não fiz as coisas mais fáceis para mim mesma? Seis meses parece um tempo incrivelmente, insuportavelmente longo para eu ter que esperar pela minha redenção, sendo a minha redenção, veja só que pobreza, apenas a vaga esperança de poder tentar fazer uma iniciação científica. Que provavelmente só me interessa porque eu quis tanto fazer e não fiz. Meio como ir bem na faculdade. Etc.

Eu queria mesmo era um emprego, sempre quis, desde muito jovem, e nunca fiz nada, nem nunca soube muito como fazer, para conseguir. Não quis com aquela bravata garbosa dos meninos que querem algo e fazem de tudo para conseguir, quis daquele meu jeito meio cobra, quis com amargor e raiva, quis com veneno, com repulsa do meu querer e repulsa maior do meu não-conseguir, quis com vergonha do meu querer, como quis todas as coisas que me pareceram parte do mundo na minha vida. Quis com fel e sem confiança e não consegui nada. Mais tarde, anos mais tarde, quando ousei sussurrar que queria (qualquer coisa) senti que ninguém percebia por que me doía dizer. Mas doía e ainda dói, e queima, etc. Quando falei que queria, riram porque não acreditavam no meu querer, querer deveria ser com sorriso no rosto e determinação, essa coisa minha que nascia do asco não deveria ser querer, no máximo seria um tipo de invejar, e provavelmente falso. Eu não respondi. Virei a cara e andei em outra direção. Há coisas que eu sei fazer, só não são essas.

Eu peguei o ônibus pra casa, um erro é claro, mas como eu poderia evitar? Eu queria te ver e pedir por favor, me diz como enxergar uma direção qualquer pra onde ir ou pelo menos pra onde olhar. Eu sei que estou indo pra casa outra vez, eu chego em casa e percebo que não há nada pra mim aqui, este lugar sequer é minha casa. Quero pegar meu gato (que nem sei se ainda é meu, tenho-o visto tão pouco) e talvez um caderno e fugir daqui. Eu planejei fugir de casa mas eu tenho tanto mêdo e tão pouca gente que me ajudaria, ou melhor, tão pouca gente a quem eu pediria ajuda. Eu nunca consegui passar mais de dois dias sem voltar, porque está tudo sempre tão distante, e eu morreria de frio se não tivesse onde dormir, e é claro que eu não encontraria onde dormir a menos que você me oferecesse abrigo, e nesse caso não seria só uma fuga a mais, da minha casa para a de outra pessoa, outra pessoa que tem tão pouca chance de me ajudar?

Acho que na primeira oportunidade vou gastar todo o meu dinheiro numa viagem, só pegar o primeiro ônibus e ir embora, eu cansei de sonhar, eu quero ficar sozinha, eu quero olhar pras coisas e ter alguma idéia de como é estar lá. Não seria tão ruim acabar com meu dinheiro, até porque ele é tão pouco; acho que o pior mesmo é achar que ainda que a grana desse talvez eu mesmo assim não conseguisse, porque o mundo é tão hostil e desconhecido pra mim, e talvez um pouco porque eu tenha vergonha, e talvez um pouco porque eu queira que você venha comigo. Acho que o pior é temer que mesmo isso não resolvesse nada, porque o mundo não é lá fora, o mundo é aqui, todos os dias, aqui onde tudo me parece um grande lamaçal onde eu nunca avanço nada.

Às vezes eu me pergunto porque a parte importante da vida não pode ser essa que dá certo; eu me pergunto porque tem que ser tão fundamental essa parte enorme da vida que é tão difícil e funciona tão mal. Eu não sei se não seria melhor se eu fosse expulsa de casa e assim obrigada a aprender a me virar, porque no fundo o que mais me apavora é a possibilidade de eu nunca aprender e viver pra sempre na casa dos meus pais, incapaz de sair, sem conseguir me mexer. Não deixe que isso aconteça comigo. Se em três anos eu ainda estiver aqui, me expulse ou me dê um tiro. Me dê uma ordem, qualquer coisa. Um quarto com outras dez pessoas, um emprego sem futuro, eu não me importo. Qualquer coisa pra não ter que ver outra pessoa sofrer pra me dar tudo o que eu nem preciso por mais alguns anos. Qualquer coisa para não ter que aceitar viver desse dinheiro construído em cima de sonhos abandonados de outras pessoas. Qualquer coisa pra escapar desta casa.

Um comentário:

Talita Salles disse...

Má,

Me diz o dia da sua última prova desse semestre, que eu te pego e a gente vai direto pra rodoviária.

Quer dizer, se sua busca aceitar companhia nas montanhas. Não me importo de sentar sob uma árvore enquanto você corre. Ou vice versa.

Vai estar frio, mas temos bons sleepings. Acho. Vou ter que ver se ainda estão aqui em casa.

Pode ser uma semana, ou até o fim de julho. Você pode pedir anotações emprestadas no cursinho.

No momento me parece que sou um côco podre e só quero respirar um pouco daquele ar e daquele sol... com você, se eu puder.

Te amo.