domingo, 5 de julho de 2009

Pronome pessoal possessivo de primeira pessoa

Um dia Liane perguntou para Zacharias o que mais lhe fazia saudade de sua antiga vida no rancho. Zacharias não parou para pensar, nem por um instante.
"Sinto falta de Lúcia, de nossa casa, de nossos filhos. Sinto falta do pôr do sol atrás da colina e de Turo, o pônei que demos para Alina quando ela fez seis anos. Sinto falta de sentar com Lúcia na varanda e conversar olhando para a lua."
A isso, Liane teve que perguntar:
"Você seria mais feliz se nunca tivéssemos partido? Se tivéssemos continuado no rancho até o fim?"
Não. A resposta era sempre não. Mesmo em seu coração não havia redenção para todos os erros da sua vida pregressa. Não havia escapatória para o fim que lhes era reservado. Viveriam ali até que fossem encontrados. Então partiriam, quem sabe mudando de nome, quem sabe com outras pessoas... o futuro que ele enxergava era uma repetição do passado, porque o fim lhe parecia sempre o mais certo. Mas não era isso que ele diria a Liane.
"Sinto falta de Lúcia, mas apenas porque não a vejo há anos. Se a visse agora, quem será que me olharia através dos olhos dela? Quem falaria através da sua boca? Se eu estivesse lá, nós não estaríamos aqui. Se eu estivesse no passado, não existiria o presente. Se tívessemos ficado no rancho, não haveria estas pedras, estas colinas; nós não poderíamos assistir ao nascer do sol atrás da velha árvore. As pedras do passado nunca vão criar limo; as nossas, é possível amar. Eu não te deixaria se encontrasse minha mulher e meus filhos, querida. Eles são boas pessoas, e eu os amo, mas não são mais meus. Aquela não é mais a minha vida; está é."



Às vezes eu me pergunto o que queremos dizer quando dizemos "minha vida". A vida é minha mesmo? Tenho algum poder sobre ela? Ela faz parte de mim? Ela define alguma coisa em mim? Eu defino alguma coisa nela? Será que sou eu a parte mais importante dessa vida, ou será que o protagonista é outro? Será que sou apenas a câmera, o diretor, o ator, tentando criar alguma coisa maior para chamar de "meu filme"? Será que através dos meus olhos acontecem coisas? Será que meu olhar cria significado?

Será que tenho qualquer poder sobre o que eu vivo?

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