domingo, 5 de junho de 2005

Sonho de Poeira Seca

"E a gente vai levando, e a gente vai levando..."

Hoje eu tive um sonho.
Ouso dizer que foi um sonho comum. Mas comum de uma forma estranha.
Não custa dizer que é raro que sejam meus sonhos loucos agradáveis.
Eu tinha onze anos e mal sabia chutar uma bola. Não no sonho, na realidade. No sonho foi ontem. Ou hoje. Como se sabe, os sonhos estão fora da linha cronológica. A dor e a satisfação foram de agora. E o remorso, quando parei para pensar.
Eu gosto de vôlei e sou apaixonada por handball, mas o futebol é realmente a minha vida. Não que eu queira seguir carreira. Nem no basquete que eu adoro.
Foi no futebol que descobri que eu era simplesmente uma Defesa. E me orgulho muitíssimo dos dois franquíssimos gols do último jogo naquela goleira mal-começada da qual eu sentia uma inveja profunda (eu jogo bem melhor que ela, bah!).
Mas voltemos ao sonho.

Não sei bem. Lembro de um sofá no qual eu estava tricotando concentrada.
Ponto. Ponto. Ponto.
Ontem o Bruno nos convidou para ir ver Guia do Mochileiro das Galáxias. Não no sonho, na vida real. Seria estranho num sonho. Me senti meio mal por não querer ir.
Ponto. Ponto.
Mas a verdade é que não quero ir a nada.
Ponto. Ponto. Ponto Ponto Ponto Ponto Ponto.
Queria saber ficar amiga do Bruninho, do Lucas, assim, do nada.
Ponto Ponto.
Acho que do Bruno também. De novo. Vou pegá-lo no msn, perguntar "você gosta de música irlandesa? E Dishwalla?" Adoro Dishwalla. Vou rir e fingir que não te conheço. Na verdade não conheço mesmo. Tavas não existe, embora Kristalian sim. A diferença é insutil. Dizer Love ya eu não tive coragem.
Ponto.
Queria poder dizer que depois de ficarmos amigos com o olhar ficamos amigos no sentido completo da palavra, mas isso nunca aconteceu.
E eu sinto uma saudade imensa de você, com quem nunca peguei um cinema, um sol na praia, uma rolé de bike. Na verdade eu queria ter escrito exatamente o que ele escreveu.
Ponto. Ponto.
Tive inúmeros amigos de olhar, e de certa forma sabemos que somos amigos, mas não sabemos quase nada um sobre o outro, e nunca saímos juntos, não vamos aos mesmos lugares. Aí, quando nos cruzamos e nos cumprimentamos como se sempre tivéssemos sido amigos (o que não é bem verdade), meu coração se enche de uma alegria estranha, que desvanece rapidamente quando nos afastamos sem nada a dizer. Fantástico.

Voltando ao sonho, atrás desse sofá, que era com certeza nosso velho sofá pseudo-marrom antes de inventarmos aquela capa azul (só que muito mais comprido), havia uma espécie de corredor esquisito e uma porta, que ficava meio que à minha esquerda que na verdade é a tua esquerda porque estamos vendo a cena de frente.
Atrás de mim, a Puca passou pelo corredor em direção à porta. Quando ela parou diante da porta e falou comigo eu virei para ela e a vi.
Ela tinha qualquer coisa nos braços, segurava essa qualquer coisa como um bebê, mas não acho que era um bebê, não sei o que era.
Me perguntei se ela ainda estava namorando o Rê.
"Perder brinco no carro tudo bem, o problema é perder outra coisa", dissera a Ada.
Ou fora minha mãe? Não no sonho, na vida real.
Não me lembro do que a minha prima falou, no sonho. Me lembro da cara dela. Os anos de afastamento se refletiam com uma certa raiva misturada com deboche. Talvez desprezo, talvez indiferença.
Na verdade eu não faço idéia de se ela até mesmo pensa nisso.
Eu sei que eu penso.
E imagino que não seja só eu.
Às vezes esqueço que nossas vidas já foram diferentes.

O que aconteceu depois que minha prima entrou pela porta eu não me lembro. Sei que fiquei um pouco frustrada porque não podia acompanhá-la porque minhas mãos estavam ocupadas com o cachecol colorido.
Mesmo sonhando, percebi que, na verdade, eu poderia simplesmente abandonar o tricô e acompanhar aquela moça que diga-se de passagem já é tão adulta quanto minha irmã.
Me pergunto o que significará ser adulto. Será que elas o são? Acho que sim.
Será que o cachecol é uma metáfora para Yuri, Mamãe, Paulinha, Gabi, e todas essas coisas que existiam apenas de uma forma totalmente diferente no tempo em que esse primos iam conosco para Cajaíba? No tempo em que essas pessoas com quem eu quase não falo eram meus melhores amigos? No tempo em que meus irmãos eram as pessoas mais importantes da minha vida?
Eu contrariei o Artur e li O Dia do Curinga.
O mais notável disso é que ter contrariado o Artur é mais importante que ter lido o livro. E minha irmã ter achado o livro muito bom é mais importante do que eu tê-lo devorado em três dias, por aí.
Eu devia formar minhas própias opiniões.
"Um bobo da corte, que a engrenagem do tempo é incapaz de engolir, caminha pelo mundo."
Não diria que o livro levanta montanhas.
Afinal, por que todas as pessoas que crescem se tornam babacas? As pessoas que eu conheço não são assim.
Talvez seja só uma desculpa esfarrapada dos escritores adultos para finjir que existem coisas fantásticas e que só não sabemos delas porque os adultos não têm coragem de contá-las.
Quer dizer, eu nunca vivi coisas impossíveis quando era criança.

Na segunda cena que me lembro do sonho, estava com o Yuri em algum lugar árido.
Era um lugar muito seco, com uma terra vermelha como a do chão do Tangará ou do Sítio Passuaré; tenho certeza que era uma cor da minha infância. O mais estranho era que a terra se estendia nua por quilômetros em todas as direções, parecia não haver nada sobre a terra além de nós dois, a atmosfera e aquela poeira marrom-vermelha.
Sobre nós deveria haver um céu infinito azul-profundo, da cor que o céu parece ser quando faz um sol de matar e até a terra parece suar; mas acho mais provável que se estendesse aquele céu vermelho da poluição que eu vi naquele dia no Tatuapé - combinaria mais com a situação, se é que vocês me entendem.
Mas a verdade é que eu nem olhei pro céu.
Fiquei olhando pro Yuri, pro seu rosto macio, seus olhos sua boca; talvez eu esteja viajando demais, mas acho que de certa forma substituí o céu pelo Yuri. Em vez de olhar pro céu azul para me encontrar, me encontro no azul dos seus olhos. Meu Pégaso de Luz.
"Se importa se eu te chamar de Pégaso?", eu disse com um certo medo, como sempre. (Não no sonho, na realidade, há uns dias atrás). Mas poderia ter sido no sonho também, só que não teria nada a ver.

Depois aquela paisagem se modificou um pouco: primeiro apereceu o mar, escuro e profundo quente, cheio de ondas bravas. Depois as cercas de alguns campinhos de futebol, a princípio vazios e sem gols, mas isso não importa. Haviam pessoas aqui e ali, alguns jovens, algumas crianças, separados por curtas distâncias que pareciam ser infinitas (no sonho, uns quarenta, cinquenta metros - mas lembrem-se que eu não sei medir distâncias).
Em algum lugar havia um círculo de areia como aquele do parquinho do Clube Pinheiros. Pequenas famílias conversavam ou brincavam em pontos isolados.
Havia uma árvore.
Eu e minha irmã (ou pelo menos acho que era minha irmã) começamos a brincar, subir na árvore. Houve várias cenas nessa parte, mas não me lembro do que aconteceu nelas. Depois, quando deveríamos ir embora (ou pelo menos era o que nossos amigos estavam fazendo), resolvi subir mais alto ainda, e minha irmã acabou me acompanhando, quando eu mostrei que não tinha perigo, e que eu ia mesmo.

Mas havia uma parte do sonho, entre a Puca e o Yuri, que se passava num lugar estranho, estabelecimento entre casa-venda de Paraty e bar de Paraty-mirim onde bebíamos garrafas de coca-cola antes de embarcarmos num pó-pó-pó barulhento pelo água escura.
Nebuloso, misterioso, parece que uma peça importante do jogo está faltando, e vai continuar a faltar.
Acho que até a Ada estava lá.
De qualquer forma, houve uma parte do sonho em que a Ada apareceu, mas não consigo lembrar.

Subindo mais alto na árvore fomos encontrando umas plataformas esquisitas de madeira (a madeira ali era quase da cor do chão, marrom, assim, mas menos avermelhado), basicamente uma tora comprida de pé com um quadrado apoiado em cima. Elas formavam uma espécie de escada com degraus enormes, mas havia algumas com o quadrado inclinado nas quais não conseguíamos subir. Enquanto íamos para cima por aquela escada estranha, percebemos que havia paredes à nossa volta, e que estávamos entrando numa casa.
Além de plataformas e paredes, na casa de madeira marrom-vermelha também havia pneus, e ocasionalmente marcas de giz apareciam meio apagadas nos pneus, nas paredes ou nas escadas.
Chegamos na parte mais alta da casa que ficava ao lado da grande e velha árvore (muito grossa, aliás). Lá no andar de cima, encontramos uma porta meio pequena, que dava para uma sala pouco maior que meu quarto, eu acho, era uma sala de aula.
Acho que encontramos o professor, ou diretor da escola (não estou certa), dentro da sala, porque não estava conosco antes. A primeira coisa que notei ao entrar ali foi uma daquelas plataformas inclinadas que havia no canto da sala, logo ao meu lado esquerdo. Um pneu havia sido pendurado nela como uma moldura, e pequenos apagados círculos de giz em vermelho e amarelo faziam perceber que as plataformas eram usadas como uma espécie de mini-quadro-negro. A pequena sala de aula tinha dois quadros negros grandes e opacos nas paredes do fundo e da esquerda. Na parede da direita, acho que haviam algumas janelas, das quais se podia ver os galhos da árvore velha lá fora. No meio havia algumas carteiras, que acho que não chegavam a dez, viradas de costas para a janela, numa disposição meio bagunçada; e ao longo da parede mais comprida havia uma mesa longa e estreita, de frente para as mesas dos alunos, com uma ou outra coisa esquecida um cima.
Essa disposição de alguma forma me remeteu ao laboratório do médico maluco das histórias do Mickey Mouse, mas minha mente confusa não consegue se decidir sobre se havia ou não uma quantidade de vidros cheios de líquidos de cores estranhas e vivas (contrastando furiosamente com a coloração natural do lugar) sobre a mesa comprida.
Acho que seria interessante e bonitinho se esses vidros estivessem ali, mas não teria sentido nisso.

Enquanto o diretor explicava coisas a que não demos a menor importância sobre a escola, decidimos sair dali, e tenho a impressão de que nossa saída eleita foi pela janela.
Isso me deu um considerável medo, já que estávamos num lugar razoavelmente alto, mas de qualquer forma não havia como descer sem saltar de uma grande altura (uns sete metros, eu diria). Obriguei meu corpo a saltar e, como em sonho nem todas as partes da história têm de fazer sentido, caí suavemente sobre o chão como se tivesse saltado de um sétimo da altura verdadeira. Dali, fomos até uns campos de futebol, onde um grupo de rapazes morenos do sol daquela terra vermelha jogavam como os ribeirinhos da Amazônia. Queríamos jogar com eles, mas eles não pareciam muito interessados, então a Milla foi e entrou no jogo não sei muito bem como. Ninguém entendeu direito; de qualquer forma, depois de ela entrar não havia maneira de empurrar mais um sobressalente para a partida.
Continuamos ansiosos assistindo a disputa rolar agilmente entre os corpos dos jogadores. Nesse meio-tempo, alguém inventou uma bola e resolvemos começar uma partida nossa no campo em que estávamos, que era menor e mais gordinho, mas era um campo.
Dividimos nossos times sem esquema e meio por instinto. O que aconteceu é que de repente algumas pessoas estavam chutando a bola pra lá e outras para cá.
O mais estranho é que o meu time tinha três pessoas, enquanto o outro time tinha uns conco, e ninguém sequer viu qualquer problema nisso. Na verdade talvez não houvesse problema mesmo, porque nós ganhamos, assim como eu, a Marie e a Kiki sempre ganhávamos naqueles jogos contra a classe inteira, no ginásio.
O jogo começou comigo no gol, e acho que a Maria, o Marco e a Ana C tentaram me golear mas não deu certo, eu defendi. Depois, sem explicação, a Ana tomou meu lugar no gol, enquanto nós tentávamos convencer os jogadores do outro jogo a se juntarem a nós enquanto eles nos devolviam a bola, que com violência chutáramos para fora.
Disso resultou que a Camilla entrou para o time adversário, e agora minha missão de vida era impedir a Marie e a Camilla de chutar a bola no gol, como era, de modo geral, quando jogávamos futebol nas aula de E.F. do ginásio e eu e a Marie estávamos em times opostos.
Finalmente eu resolvi ir para o ataque, assim como fiz quando comecei a jogar na FUFEI e, mais tarde, no treino de futebol, e dominar a bola (coisa que nunca fiz), mas aí a gatinha começou a se mexer mais na minha cama e eu acordei.

Estou com um baita sono, e fiz mais de vinte fileiras de cachecol durante hoje... aff...

Nenhum comentário: