terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Disforia é quando tem um dragão saindo do nosso peito e devorando as almas das pessoas imortais à nossa volta?

O jantar está servido e eu só tenho olhos olhos olhos

Minhas mãos afagam meu coração tem pêlos.

Por que os senhores atiraram suas palavras frias contra mim?

O branco gelo engole minhas panturrilhas

Eu não sou gay, eu não sou viado, eu não sou sapatão, eu não sou mulher
Suas raposinhas são demais pra mim
Cale a sua boca seu menino lindo femme fofo, tão jovem tão... Eu nunca poderia usar raposinhas assim
Eu acho seu vestido lindo em você, não em mim
Eu não sou você, eu não sou dos seus
Eu não sou bofinho, eu jamais serei

Eu não sou bi, eu não sou gay, eu não sou "heterossexual" eu nem sei o que são essas coisas

Às vezes eu sinto tesão olhando o céu, o mar, o tronco de uma árvore, os pelos de um cachorrinho
Eu nem sei do que vocês estão falando

--- Parece que nós somos a minoria aqui, né?
--- Ahn... "nós"? Quem somos nós?

Quem somos "nós"? Nós o quê? Quando você diz "nós", o que é que você vê em mim? Quem eu sou? Quem eu sou? Eu arranco seu coração com as tripas seu coração com os dentes mas é o meu coração e é você quem arranca
Eu quero meter as garras em algum pedaço muito violento de você
Sua boca
Seus olhos

Eu sentei de frente para eles e elas e roí todas as minhas unhas

Eu preciso saber, eu preciso saber
Deixa eu me recompôr, deixa eu me recompôr

No meu sonho minha mãe sabia.
No meu sonho minha mãe sabia.
No meu sonho minha mãe sabia.
No meu sonho minha mãe sabia.
No meu sonho minha mãe sabia.
Ela sabia. Eu contei. Ela sabia sim.
Ela achava que tudo bem.
Ela aceitava naturalmente.
Ela não fazia nenhuma objeção.
Nenhum "é só uma fase"
Nenhum "eu também já senti isso mas"
Nenhum "mas"
Nenhuma objeção.
Cada letra que eu escrevo e eu escrevo letra por letra me faz me sentir um pouco menos dragão demônio violência assassinado dentes
No meu sonho ela achava tudo bem.
Catarse-desabafo.
No meu sonho tava tudo bem.
Só é importante pra mim.

Hoje eu encontrei duas velhinhas que me cederam lugar na mesa delas que tinha menos espaço que todas as outras mesas mas elas eram duas velhinhas muito gente-boas e uma delas tinha problemas nos rins e por isso uma artérias ligada numa veia que fazia um zunido como uma máquinha e eu disse que o meu nome era Marina porque elas eram velhinhas e velhinhas são como se fossem famílias e eu quero família como se fosse família minha família não precisa se envolver com a minha identidade sexualidade e toda a verdade da minha vida e minha família pode me chamar pelo meu nome de família que minha mãe me deu mas eu também não

não quero me esconder.

e mas

Hoje eu encontrei um garoto e ele me perguntou qual era o meu nome pra saber se ele já tinha ouvido falar de mim e eu disse "

meu nome costumava ser Marina

"

E eu digo sempre assim, costumava ser, por favor não me chamem mais por esse nome, a menos que você seja tipo família, ou alguém que já me conheceu com esse nome antes como se fosse família mas pessoas novas simplesmente não podem me chamar assim.

"marina"

As pessoas ficam me perguntando "qual seu nome de verdade" e eu tenho vontade de dar respostas atravessadas mas eu nunca dou.

Uma vez aconteceu de:

--- Meu nome é Oz (e estendi a mão)
--- Mas esse é seu nome de verdade?
--- Bem... meus pais me chamam de Marina. Mas só meus pais, eu prefiro que me chame de Oz.
--- Muito prazer, Marina.

E eu aqui remoendo essa raiva, como se fosse invisível essa gressão medida, deliberada, eu quero mais é mandar você... Mas minha voz se cala porque todos os insultos são errados, eu quero é cagar no seu Deus, cuspir em você, derrubar seu Deus como você sem dúvida derruba o meu. Um dragão que nasce da minha garganta mas não consegue sair e se volta pra dentro devorando as minhas entranhas eu te odeio eu te odeio mas violência gera mais violência mas eu te odeio tanto eu quero tanto que você morra.

Malditos peitos e florzinhas nessa camisa linda que são só o suficiente pra vocês não aceitarem quando eu digo que EU NÃO SOU CIS, pare de me tratar como se fosse minimamente razoável me tratar como você não trataria o seu bróder pára de me tratar como se eu achasse minimamente razoável esse ridículo tratamente diferencial nos seus ridículos gêneros definidos socialmente por ridículas diferenças de uma biologia social que não passa de uma imposição sobre as verdades pessoas das vivências pessoais não acadêmicas de pessoas reais, como se fosse necessário ter um diploma e falar "português correto" e concordar com pelo menos uma escola de autores consagrados e de preferência mortos pra ser capaz de dizer uma coisa que seja verdade e não seja uma tautologia.

Tire as mãos do meu corpo, tire a sua bocas do meu corpo; Tire a sua língua nojenta de dois mil anos de cultura ocidental normatizante generificada impositiva do meu corpo vivo, real, animal, feito da mesma madeira dessa terra fértil que você esterilizaria se pudesse controlar, porque no fundo você não consegue aceitar um mundo que não possa ser contido pela sua cultura científica dentro dessa estrutura de poder intelectual, bom newsflash seu babaca, isso não é ciência, ciência não é saber explicar apenas o que você se digna a ver, ciência é saber aceitar mesmo a magia, o milagre, o absurdo, e explicar mesmo isso, e nunca rejeitar uma coisa que foi de fato observada. Mas meu corpo não é seu objeto de estudo, meu corpo é o meu corpo, meu corpo existe e é real e eu quero mais é que você suma daqui com seus olhos estúpidos que só conseguem me enxergar através do que a sua cultura generista é capaz de identificar no corpo que você só consegue explicar através dos seus ridículos livros de psicosóciobiologia que são só uma faceta, uma redução do real, e induzem ao erro na sua simplicidade. Você diria que a luz do sol está caindo na terra, atraída pela gravidade? Uma única teoria não explica tudo. Mas eu sei que a questão aqui não é científica, é política.

Tire seus olhos desavisados e desconhecidos e normatizados do meu corpo.

Desabafo.
Tautologia.
Catarse.

Hoje o menino me pergunto "E qual é o seu nome hoje?" e eu respondi "Oz. No facebook tá Ozzer". Mas era o menino que estava lá, que tinha ido atráz, um que tinha se disposto minimamenta e entender. Eles são tão raros.

Disforia é quando a gente sente raiva por umas coisas estúpidas tipo não acreditarem quando a gente fala o próprio nome? É quando a gente sente monstros invisíveis devorando todas as partes do nosso corpo por causa de um simples olhar, um jeito de falar, ou perguntar, ou sugerir?

Eu me sinto cansado. Eu mal nasci e já me sinto cansado. Get your act together, Ozzer, stop fooling around.

É assim que a gente se sente? Quando a máscara cai e as pessoas enchergam através de nós, não o que somos de verdade mas os pedaços nus que nos compões e que entretando não nos definem, e são sempore menos que nós? Quando a performance falha e as pessoas enchergam não o que somos mas o que falhamos em ser? Quando o personagem se desmonta e se desmancha numa pilha de entranhas e ossos no chão, um sem sentido, um desconstruído, quando enchergam aquém de nós, e deixamos de ser um todo coeso para sermos um não-ser, uma máquina-monstro-carne que anda e fala apenas por desígnio de um acaso biológico? Quando deixamos de ser um indivíduo para nos tornarmos uma peça num sistema cistêmico onde o que somos é determinado meramente pelas propriedades físicas que apresentados nas mentes proto-científicas de nossos pares que disparam seus olhares contra nos? É assim que a gente se sente, quando se deixa de existir?

(Also, por que bofinhos depilam as pernas?)

Um comentário:

Anônimo disse...

Bonito.

Cai aqui por acaso. Não te conheço; talvez de vista. Você parece ser uma pessoa interessante.