Hoje eu tive um daqueles sonhos animais que só acontecem quando a pessoa escritora dentro de mim resolve acordar e escrever meus sonhos. Obrigado, Ho-w.
Na primeira cena de que me lembro, eu e alguns amigs estávamos invadindo uma mega-mansão, dessas com salas do tamanho de duas casas, muitos quartos, tapetes, sofás enormes, TVs enormes e móveis de madeira maciça e tal, além de uma área externa fantástica, com varandas, cadeiras de sol, e uma piscina do tamanho de mais uma casa ou duas. Nós entramos quebrando as fechaduras e sem nenhuma preocupação com os alarmes, e exploramos o primeiro e o segundo andar (onde ficavam as suítes luxuosas com camas king-size e banheiros do tamaho do quarto) antes de decidirmos só nos jogarmos na piscina. Claro que o alarme começou a tocar, mas continuamos nadando e nos divertindo porque a água estava ótima. A piscina ficava do lado de um jardim lateral e depois dele tinha um portão gigantesco de grade, de onde dava pra ver a rua tranqüila. Eu entrei na cozinha pra pegar uma água ou algo assim e o telefone começou a tocar -- era a dona da casa, e ela logo percebeu que eu não era da família e chamou a políca.
Eu voltei pra piscina pra chamar a galera pra ir embora, mas a galera tava se divertindo demais. Eu dei mais um mergulho na piscina (eu queria atravessar a piscina por baixo dágua como sempre faço, mas no meio do pulo lembrei que estava com minhas roupas secas na mão e isso atrapalhou tudo), e a polícia chegou, vestida de verde e boné como no exército, correndo e gritando pra pegar a gente. Todos saímos correndo e fugindo da piscina - eu saí pelo fundo, correndo em direção ao portão, e consegui pular no portão e estava atravessando entre as grades, mas o cara que estava me perseguindo me pegou nessa hora. Aí tudo ficou diferente. O cara que estava me perseguindo, um policial todo bonito e gostoso e que já tinha perdido o boné, era um velho conhecido meu e em vez de me prender, ele deu um sorriso pra mim (wtf?), eu beijei ele na boca e perguntei o que ia rolar agora, ele me mandou segurar bem minhas mochilas e me puxou pelo braço, correndo tão rápido que eu literalmente não conseguia encostar no chão (essa coisa do bad-guy ser meu velho amigo e amante me lembra muito as histórias que eu inventava aos treze anos. Ho-w, vc não mudou em nada, gats).
Nessa parte acho que tinha dois "policiais" me puxando, e as mochilas que eu carregava tinham cada uma uma espada animal com uma bainha muito loca que tinha o mesmo padrão do cabo. Aconteceram umas coisas confusas, nós nos perdemos, quase perdi as mochilas várias vezes, acho que um doa policiais se perdeu tb, e o sonho foi ficando bizarro.
Aí eu estava procurando por um dos caras (n tenho certeza se eram ainda os "policiais") que tinha se perdido da gente, o Bryan, que era um cara bonitinho com rosto redondo e cabelo preto meio no rosto assim. E ele tinha superpoderes, mas n lembro quais. Eu fui pedir ajuda pro outro bróder (que talvez fosse o policial bonitão?) que (usem sua imaginação de anime aqui) era color-coded cinza, e tinha cabelos compridos e cinzas, ou talvez fossem grandes orelhas cinzas pq eu fico pensando nele como um coelho apesar de supostamente ser humano. Ele tava num lugar que era uma loja de quadrinhos ou antro nerd ou restaurante japonês com aquelas salinhas com mesas baixas e almofadas, e ele tinha uma vibe de Japão de modo geral. Eu pedi ajuda pra ele e passamos na frente de uma mesinha cheia de miniaturas e uma parecia um super-saiajin nível 3 Vegeta com aquele cabelo compridão cinza e eu perguntei "Isso aqui era pra ser você?" e ele meio que riu e deu de ombros pq era sim, mas fazer o quê.
Então ele disse que eu precisava ir conversar com aqueles cachorros vadios que estavam dormindo ao longo da calçada do outro lado da rua, e que pra me ajudar ele ia me dar os poderes dele (ôbaaa adoro quando me dão mais poderes!). Ele fez alguma coisa, acho que soprou na minha boca ou algo assim, e eu ganhei os poderes dele; mas também ganhei outras características dele, por isso agora eu precisava fumar um charuto estorado cujo gosto não parecia em nada com o de charutos ou coisas de fumar em geral.
Eu fiquei de quatro e galopei até os cachorros, que agora eu enxergava como se fossem pessoas, provavelmente pq eu tinha virado um cachorro. Andar de quatro ela confortável. Os cachorros estavam todos batendo papo uns com os outros e quando eu perguntei do Bryan eles falaram pra eu ir falar com aquele grupinho ali do lado, mais pro canto do grupo de cachorros; eu olhei pra lá e vi que tinha uma rodinha de meus amigos, Erica, Pizza, Iara, Renex, Lulão estavam lá, assim como um guri que parecia o Bryan! Eu corri até eles e batemos um papo, eles me perguntaram sobre o charuto e eu expliquei, mas o cara que parecia o Bryan na verdade era o Oka, ou o Cid, ou uma mistura dos dois. De qualquer forma OkaCid não era o Bryan, mas agora eu sabia que Bryan parecia o OkaCid.
Nessa hora eu acho que acordei e voltei a dormir, por isso o sonho não tem continuidade e eu esqueci um bom pedaço no qual eu lutava com pessoas e usava meus poderes lupinos e tal.
De repente nós estávamos numa escola (minha escola de primário) e precisávamos aprender os poderes, que eram sete, ou nove, algum número mágico assim. Um dos caras que tinham poderes era o cara cinza, inclusive. Mas eu tinha uma vantagem porque eu já tinha os meus poderes inatos de lobo (que é só uma coisa que eu tenho, não pergunte).
Só que os poderes eram muito diferentes do normal, eram mais poderes de invocação do que de transformação, que é mais normal. Por exemplo, quando estávamos no nosso bote que andava pelas ruas da cidade e uns caras do mal tentaram pegar a gente, eu invoquei uns lobinhos que pularam em cima deles. Quando o normal obviamente seria eu virar um lobão e pular em cima deles.
O primeiro professor que ia ensinar poderes pra gente era o do poder de eletrônica. Eu não sei por que tinha um poder de eletrônica, acho que porque eu passei os últimos dias completamente imerso em eletrônica (no mundo real, não no sonho). Então esse cara tinha o poder se invocar uns circuitos elétricos e uns robozinhos, que às vezes ficavam invisíveis quando ele meio que parava de invocar eles completamente. Ele quis fazer um teste com a turma e eu me voluntariei, e seguiu-se uma luta entre eu e ele, na qual ele criava e adaptava seus robozinhos voadores (eles tinham umas hélices na cabeça) e eu me defenda e atacava os robozinhos com aquela minha espada dahora e com meus dedos transformados em garras e com lobinhos invocados.
Eu não me lembro muito do final do sonho, mas acho que acordei antes do final da luta.
palavra por palavra, procuro chegar, devagar, ao lugar de La Loba.
"O silêncio", disse o griot,"só é escuro no começo..."
sexta-feira, 20 de dezembro de 2013
segunda-feira, 16 de dezembro de 2013
Rastro
Apenas três passos e nossas pegadas marcam a terra suavemente, perceptíveos e entretanto mal-definidas de forma que um perseguidor poderia nos rastrear e ao mesmo tempo sentimos que não tivemos efzito sobre a terra. Um cervo passa deixando pegadas forte e bem-definidas. Somos pequenos perante o cervo.
É sempre manhã, de modo que não sabemos medir o tempo. Nossas mãos se fecham no formato de ferramentas primitivas e armas, e nossas mentes se moldam da mesma forma.
Nós nos encontramos num terceiro espaço, espiritual e tátil, formado do toque suave entre nossas peles. Institivamente devoro-te. Nós nos reencontramos no sabor de nossas peles.
Nós nos tornamos os deuses do mundo, e o universo colapsa.
quarta-feira, 11 de dezembro de 2013
Roteiro pra zine [1]
Tema: roupas e estética de gênero.
Possivelmente usar fotos em preto e branco, talvez editadas. Evitar mostrar o rosto, e especialmente os olhos. Quero uma coisa fria e impessoal nas imags, e pessoal nas palavras.
Eu normalmente passo o dia em casa de bermuda e sem camisa. Ficar sem camisa me dá uma sensação de liberdade tremenda...
<imagem de eu deitade em algum lugar, da cintura pra baixo>
[quadro]
Uma sensação de posse sobre meu próprio corpo.
<imagem completa, mostrando o corpo todo, sem camisa, seios à mostra>
É só assim que eu sinto que meu corpo é realmente meu, quando estou sozinho e meio nu.
[quadro]
No resto do tempo, meu corpo pertence aos olhares dos outros.
[quadro]
Hoje tava um calor desgraçado. Eu decidi vestir minha regata mais fresca.
<alguma imagem da paisagem, do sol, talvez com um pedaço de corpo, ainda sem rosto>
[quadro]
<Imagem da regata, mostrando as florzinjas e o decote>
[quadro]
As florzinhas não são muito grandes.
Nem o decote.
Eu decidi que não vou deixar isso escolher por mim o que eu visto
Mas eu visto sabendo...
<neste e o próximo sequência de vestir a regata>
[quadro]
"Hoje vão me chamar de mulher".
-- aqui deve mudar a página
[abre com um quadrinho de oz andando pelas ruas do centro, de boas]
[quadrinhos com falas, representando as cenas]
- bom dia, a senhora já foi atendida?
- me apresenta pra sua amiga!
- você é veterana...
- ela é aluna...
- a senhorita...
[quadro]
Não é uma mágica que a florzinha faz. É o contrário.
<continua imagens de oz na rua>
A minha mágica é que se quebra[quadro]
Normalmente eu ando na rua disfarçado de eu mesmo. Uma máscara frágil, ou um feitiço de revelação.
<acho que aqui seria legal ter uma imagem bem cisnormativa, sem peitos>
[quadro]
As crianças sempre vêem o meu eu verdadeiro.
<imagem de eu com casaco élfico e criancinha gritando algo como "oi menino"! Outras imagens semelhantes talvez'>
[quadro]
<não sei como ilustrar esse quadro, talvez algo focado em detalhezinhos>
Mas basta
Uma sugestão
Uma
Florzinha
[quadro]
<imagem análoga àquela cisnormativa, mas dessa vez realçando seios, quadril e afins. Seria legal essas duas imagens serem desenhos num estilo diferente>
--- tenho alternativas para o final
--- alternative 1
[quadro]
<em preto>
Hoje vão me chamar de mulher.
--- alternativa 2
[quadro]
<chegando em casa, com a blusinha>
[quadro]
<tirando a blusinha>
[quadro]
<se jogando no sofá, corta na barriga, análogo ao começo>
--- alternativa 3
[quadro]
<outra imagem sem peitos, corpo masculizado, com a mesma roupa, olhando pra baixo em olhar crítico>
------------
Estranhamente conforme eu fui escrevendo isso a imagem foi se transformando na imagem do leão sem juba que representa o homem trans no quadrinho "sashalioness". Talvez eu possa usar essa representação de leão no final, acho bacana o estranhamento.
Outra idéia que me ocorreu foi colocar um quadrinho com amigos usando linguagens apropriadas e tals, mas não consegui encaixar.
terça-feira, 10 de dezembro de 2013
Disforia é quando tem um dragão saindo do nosso peito e devorando as almas das pessoas imortais à nossa volta?
O jantar está servido e eu só tenho olhos olhos olhos
Minhas mãos afagam meu coração tem pêlos.
Por que os senhores atiraram suas palavras frias contra mim?
O branco gelo engole minhas panturrilhas
Eu não sou gay, eu não sou viado, eu não sou sapatão, eu não sou mulher
Suas raposinhas são demais pra mim
Cale a sua boca seu menino lindo femme fofo, tão jovem tão... Eu nunca poderia usar raposinhas assim
Eu acho seu vestido lindo em você, não em mim
Eu não sou você, eu não sou dos seus
Eu não sou bofinho, eu jamais serei
Eu não sou bi, eu não sou gay, eu não sou "heterossexual" eu nem sei o que são essas coisas
Às vezes eu sinto tesão olhando o céu, o mar, o tronco de uma árvore, os pelos de um cachorrinho
Eu nem sei do que vocês estão falando
--- Parece que nós somos a minoria aqui, né?
--- Ahn... "nós"? Quem somos nós?
Quem somos "nós"? Nós o quê? Quando você diz "nós", o que é que você vê em mim? Quem eu sou? Quem eu sou? Eu arranco seu coração com as tripas seu coração com os dentes mas é o meu coração e é você quem arranca
Eu quero meter as garras em algum pedaço muito violento de você
Sua boca
Seus olhos
Eu sentei de frente para eles e elas e roí todas as minhas unhas
Eu preciso saber, eu preciso saber
Deixa eu me recompôr, deixa eu me recompôr
No meu sonho minha mãe sabia.
No meu sonho minha mãe sabia.
No meu sonho minha mãe sabia.
No meu sonho minha mãe sabia.
No meu sonho minha mãe sabia.
Ela sabia. Eu contei. Ela sabia sim.
Ela achava que tudo bem.
Ela aceitava naturalmente.
Ela não fazia nenhuma objeção.
Nenhum "é só uma fase"
Nenhum "eu também já senti isso mas"
Nenhum "mas"
Nenhuma objeção.
Cada letra que eu escrevo e eu escrevo letra por letra me faz me sentir um pouco menos dragão demônio violência assassinado dentes
No meu sonho ela achava tudo bem.
Catarse-desabafo.
No meu sonho tava tudo bem.
Só é importante pra mim.
Hoje eu encontrei duas velhinhas que me cederam lugar na mesa delas que tinha menos espaço que todas as outras mesas mas elas eram duas velhinhas muito gente-boas e uma delas tinha problemas nos rins e por isso uma artérias ligada numa veia que fazia um zunido como uma máquinha e eu disse que o meu nome era Marina porque elas eram velhinhas e velhinhas são como se fossem famílias e eu quero família como se fosse família minha família não precisa se envolver com a minha identidade sexualidade e toda a verdade da minha vida e minha família pode me chamar pelo meu nome de família que minha mãe me deu mas eu também não
não quero me esconder.
e mas
Hoje eu encontrei um garoto e ele me perguntou qual era o meu nome pra saber se ele já tinha ouvido falar de mim e eu disse "
meu nome costumava ser Marina
"
E eu digo sempre assim, costumava ser, por favor não me chamem mais por esse nome, a menos que você seja tipo família, ou alguém que já me conheceu com esse nome antes como se fosse família mas pessoas novas simplesmente não podem me chamar assim.
"marina"
As pessoas ficam me perguntando "qual seu nome de verdade" e eu tenho vontade de dar respostas atravessadas mas eu nunca dou.
Uma vez aconteceu de:
--- Meu nome é Oz (e estendi a mão)
--- Mas esse é seu nome de verdade?
--- Bem... meus pais me chamam de Marina. Mas só meus pais, eu prefiro que me chame de Oz.
--- Muito prazer, Marina.
E eu aqui remoendo essa raiva, como se fosse invisível essa gressão medida, deliberada, eu quero mais é mandar você... Mas minha voz se cala porque todos os insultos são errados, eu quero é cagar no seu Deus, cuspir em você, derrubar seu Deus como você sem dúvida derruba o meu. Um dragão que nasce da minha garganta mas não consegue sair e se volta pra dentro devorando as minhas entranhas eu te odeio eu te odeio mas violência gera mais violência mas eu te odeio tanto eu quero tanto que você morra.
Malditos peitos e florzinhas nessa camisa linda que são só o suficiente pra vocês não aceitarem quando eu digo que EU NÃO SOU CIS, pare de me tratar como se fosse minimamente razoável me tratar como você não trataria o seu bróder pára de me tratar como se eu achasse minimamente razoável esse ridículo tratamente diferencial nos seus ridículos gêneros definidos socialmente por ridículas diferenças de uma biologia social que não passa de uma imposição sobre as verdades pessoas das vivências pessoais não acadêmicas de pessoas reais, como se fosse necessário ter um diploma e falar "português correto" e concordar com pelo menos uma escola de autores consagrados e de preferência mortos pra ser capaz de dizer uma coisa que seja verdade e não seja uma tautologia.
Tire as mãos do meu corpo, tire a sua bocas do meu corpo; Tire a sua língua nojenta de dois mil anos de cultura ocidental normatizante generificada impositiva do meu corpo vivo, real, animal, feito da mesma madeira dessa terra fértil que você esterilizaria se pudesse controlar, porque no fundo você não consegue aceitar um mundo que não possa ser contido pela sua cultura científica dentro dessa estrutura de poder intelectual, bom newsflash seu babaca, isso não é ciência, ciência não é saber explicar apenas o que você se digna a ver, ciência é saber aceitar mesmo a magia, o milagre, o absurdo, e explicar mesmo isso, e nunca rejeitar uma coisa que foi de fato observada. Mas meu corpo não é seu objeto de estudo, meu corpo é o meu corpo, meu corpo existe e é real e eu quero mais é que você suma daqui com seus olhos estúpidos que só conseguem me enxergar através do que a sua cultura generista é capaz de identificar no corpo que você só consegue explicar através dos seus ridículos livros de psicosóciobiologia que são só uma faceta, uma redução do real, e induzem ao erro na sua simplicidade. Você diria que a luz do sol está caindo na terra, atraída pela gravidade? Uma única teoria não explica tudo. Mas eu sei que a questão aqui não é científica, é política.
Tire seus olhos desavisados e desconhecidos e normatizados do meu corpo.
Desabafo.
Tautologia.
Catarse.
Hoje o menino me pergunto "E qual é o seu nome hoje?" e eu respondi "Oz. No facebook tá Ozzer". Mas era o menino que estava lá, que tinha ido atráz, um que tinha se disposto minimamenta e entender. Eles são tão raros.
Disforia é quando a gente sente raiva por umas coisas estúpidas tipo não acreditarem quando a gente fala o próprio nome? É quando a gente sente monstros invisíveis devorando todas as partes do nosso corpo por causa de um simples olhar, um jeito de falar, ou perguntar, ou sugerir?
Eu me sinto cansado. Eu mal nasci e já me sinto cansado. Get your act together, Ozzer, stop fooling around.
É assim que a gente se sente? Quando a máscara cai e as pessoas enchergam através de nós, não o que somos de verdade mas os pedaços nus que nos compões e que entretando não nos definem, e são sempore menos que nós? Quando a performance falha e as pessoas enchergam não o que somos mas o que falhamos em ser? Quando o personagem se desmonta e se desmancha numa pilha de entranhas e ossos no chão, um sem sentido, um desconstruído, quando enchergam aquém de nós, e deixamos de ser um todo coeso para sermos um não-ser, uma máquina-monstro-carne que anda e fala apenas por desígnio de um acaso biológico? Quando deixamos de ser um indivíduo para nos tornarmos uma peça num sistema cistêmico onde o que somos é determinado meramente pelas propriedades físicas que apresentados nas mentes proto-científicas de nossos pares que disparam seus olhares contra nos? É assim que a gente se sente, quando se deixa de existir?
(Also, por que bofinhos depilam as pernas?)
Minhas mãos afagam meu coração tem pêlos.
Por que os senhores atiraram suas palavras frias contra mim?
O branco gelo engole minhas panturrilhas
Eu não sou gay, eu não sou viado, eu não sou sapatão, eu não sou mulher
Suas raposinhas são demais pra mim
Cale a sua boca seu menino lindo femme fofo, tão jovem tão... Eu nunca poderia usar raposinhas assim
Eu acho seu vestido lindo em você, não em mim
Eu não sou você, eu não sou dos seus
Eu não sou bofinho, eu jamais serei
Eu não sou bi, eu não sou gay, eu não sou "heterossexual" eu nem sei o que são essas coisas
Às vezes eu sinto tesão olhando o céu, o mar, o tronco de uma árvore, os pelos de um cachorrinho
Eu nem sei do que vocês estão falando
--- Parece que nós somos a minoria aqui, né?
--- Ahn... "nós"? Quem somos nós?
Quem somos "nós"? Nós o quê? Quando você diz "nós", o que é que você vê em mim? Quem eu sou? Quem eu sou? Eu arranco seu coração com as tripas seu coração com os dentes mas é o meu coração e é você quem arranca
Eu quero meter as garras em algum pedaço muito violento de você
Sua boca
Seus olhos
Eu sentei de frente para eles e elas e roí todas as minhas unhas
Eu preciso saber, eu preciso saber
Deixa eu me recompôr, deixa eu me recompôr
No meu sonho minha mãe sabia.
No meu sonho minha mãe sabia.
No meu sonho minha mãe sabia.
No meu sonho minha mãe sabia.
No meu sonho minha mãe sabia.
Ela sabia. Eu contei. Ela sabia sim.
Ela achava que tudo bem.
Ela aceitava naturalmente.
Ela não fazia nenhuma objeção.
Nenhum "é só uma fase"
Nenhum "eu também já senti isso mas"
Nenhum "mas"
Nenhuma objeção.
Cada letra que eu escrevo e eu escrevo letra por letra me faz me sentir um pouco menos dragão demônio violência assassinado dentes
No meu sonho ela achava tudo bem.
Catarse-desabafo.
No meu sonho tava tudo bem.
Só é importante pra mim.
Hoje eu encontrei duas velhinhas que me cederam lugar na mesa delas que tinha menos espaço que todas as outras mesas mas elas eram duas velhinhas muito gente-boas e uma delas tinha problemas nos rins e por isso uma artérias ligada numa veia que fazia um zunido como uma máquinha e eu disse que o meu nome era Marina porque elas eram velhinhas e velhinhas são como se fossem famílias e eu quero família como se fosse família minha família não precisa se envolver com a minha identidade sexualidade e toda a verdade da minha vida e minha família pode me chamar pelo meu nome de família que minha mãe me deu mas eu também não
não quero me esconder.
e mas
Hoje eu encontrei um garoto e ele me perguntou qual era o meu nome pra saber se ele já tinha ouvido falar de mim e eu disse "
meu nome costumava ser Marina
"
E eu digo sempre assim, costumava ser, por favor não me chamem mais por esse nome, a menos que você seja tipo família, ou alguém que já me conheceu com esse nome antes como se fosse família mas pessoas novas simplesmente não podem me chamar assim.
"marina"
As pessoas ficam me perguntando "qual seu nome de verdade" e eu tenho vontade de dar respostas atravessadas mas eu nunca dou.
Uma vez aconteceu de:
--- Meu nome é Oz (e estendi a mão)
--- Mas esse é seu nome de verdade?
--- Bem... meus pais me chamam de Marina. Mas só meus pais, eu prefiro que me chame de Oz.
--- Muito prazer, Marina.
E eu aqui remoendo essa raiva, como se fosse invisível essa gressão medida, deliberada, eu quero mais é mandar você... Mas minha voz se cala porque todos os insultos são errados, eu quero é cagar no seu Deus, cuspir em você, derrubar seu Deus como você sem dúvida derruba o meu. Um dragão que nasce da minha garganta mas não consegue sair e se volta pra dentro devorando as minhas entranhas eu te odeio eu te odeio mas violência gera mais violência mas eu te odeio tanto eu quero tanto que você morra.
Malditos peitos e florzinhas nessa camisa linda que são só o suficiente pra vocês não aceitarem quando eu digo que EU NÃO SOU CIS, pare de me tratar como se fosse minimamente razoável me tratar como você não trataria o seu bróder pára de me tratar como se eu achasse minimamente razoável esse ridículo tratamente diferencial nos seus ridículos gêneros definidos socialmente por ridículas diferenças de uma biologia social que não passa de uma imposição sobre as verdades pessoas das vivências pessoais não acadêmicas de pessoas reais, como se fosse necessário ter um diploma e falar "português correto" e concordar com pelo menos uma escola de autores consagrados e de preferência mortos pra ser capaz de dizer uma coisa que seja verdade e não seja uma tautologia.
Tire as mãos do meu corpo, tire a sua bocas do meu corpo; Tire a sua língua nojenta de dois mil anos de cultura ocidental normatizante generificada impositiva do meu corpo vivo, real, animal, feito da mesma madeira dessa terra fértil que você esterilizaria se pudesse controlar, porque no fundo você não consegue aceitar um mundo que não possa ser contido pela sua cultura científica dentro dessa estrutura de poder intelectual, bom newsflash seu babaca, isso não é ciência, ciência não é saber explicar apenas o que você se digna a ver, ciência é saber aceitar mesmo a magia, o milagre, o absurdo, e explicar mesmo isso, e nunca rejeitar uma coisa que foi de fato observada. Mas meu corpo não é seu objeto de estudo, meu corpo é o meu corpo, meu corpo existe e é real e eu quero mais é que você suma daqui com seus olhos estúpidos que só conseguem me enxergar através do que a sua cultura generista é capaz de identificar no corpo que você só consegue explicar através dos seus ridículos livros de psicosóciobiologia que são só uma faceta, uma redução do real, e induzem ao erro na sua simplicidade. Você diria que a luz do sol está caindo na terra, atraída pela gravidade? Uma única teoria não explica tudo. Mas eu sei que a questão aqui não é científica, é política.
Tire seus olhos desavisados e desconhecidos e normatizados do meu corpo.
Desabafo.
Tautologia.
Catarse.
Hoje o menino me pergunto "E qual é o seu nome hoje?" e eu respondi "Oz. No facebook tá Ozzer". Mas era o menino que estava lá, que tinha ido atráz, um que tinha se disposto minimamenta e entender. Eles são tão raros.
Disforia é quando a gente sente raiva por umas coisas estúpidas tipo não acreditarem quando a gente fala o próprio nome? É quando a gente sente monstros invisíveis devorando todas as partes do nosso corpo por causa de um simples olhar, um jeito de falar, ou perguntar, ou sugerir?
Eu me sinto cansado. Eu mal nasci e já me sinto cansado. Get your act together, Ozzer, stop fooling around.
É assim que a gente se sente? Quando a máscara cai e as pessoas enchergam através de nós, não o que somos de verdade mas os pedaços nus que nos compões e que entretando não nos definem, e são sempore menos que nós? Quando a performance falha e as pessoas enchergam não o que somos mas o que falhamos em ser? Quando o personagem se desmonta e se desmancha numa pilha de entranhas e ossos no chão, um sem sentido, um desconstruído, quando enchergam aquém de nós, e deixamos de ser um todo coeso para sermos um não-ser, uma máquina-monstro-carne que anda e fala apenas por desígnio de um acaso biológico? Quando deixamos de ser um indivíduo para nos tornarmos uma peça num sistema cistêmico onde o que somos é determinado meramente pelas propriedades físicas que apresentados nas mentes proto-científicas de nossos pares que disparam seus olhares contra nos? É assim que a gente se sente, quando se deixa de existir?
(Also, por que bofinhos depilam as pernas?)
sábado, 7 de dezembro de 2013
Das coisas das quais eu às vezes sinto falta
Meu último texto me deu um olé e me fez escrever algo diferente do que eu planejava. Mas talvez fosse necessário colocar aquelas coisas (isto é, eu) em um contexto antes de escrever isto que eu quero escrever. Pois bem, vamos tentar de novo.
Ultimamente tenho pensado com uma certa freqüência naquelas coisas que eu apreciava do tempo (relativamente curto) em que eu me senti plenamente confortável e apropriado como mulher. Aqueles tempos em que eu me vesti de forma totalmente "feminina" e senti prazer nisso, sabe. Aqueles tempos em que eu acreditei que havia algo de mágico, de divino, de sagrado em ser mulher. Tempos muito estranhos.
Pra falar a verdade eu penso pouco nessas coisas; normalmente eu penso mais no mêdo que eu tenho de mudar, de que as mudanças me levem a me afastar de pessoas que eu quero, que sair do armário e arrancar a máscara me desamarre dessa personagem que existe e que é ainda eu, mas não é eu. Eu não quero que meus amigos falem no futuro daquela Eu que eles conheceram e que morreu quando eu nasci. Mas eu normalmente não penso muito nas vantagens intrínsecas dessa antiga Eu, então tenho que aproveitar que estou pensando nisso.
Enfim.
Quando eu me vestia sempre de forma sexy, eu tinha uma confiança ferrenha de que eu era extremamente sexy. Eu era uma pessoa bonita, gostosa, autoconfiante, e eu sabia que eu poderia conquistar qualquer pessoa desde que eu tentasse. Eu fazia muito sexo, muito mais do que eu fazia antes e muito mais do que eu tenho vontade de fazer hoje. O jogo de sedução era a coisa mais empolgante do mundo. Eu me apaixonava o tempo todo também, de uma forma mais sexual do que acontece agora. Eu sabia que eu era a fêmea alfa, a tal ponto que mulheres tão bonitas quanto eu me faziam me sentir ameaçada. Quando eu conhecia homens novos, minha primeira atitude era uma troca sugestiva de olhares. Só para estabelecer as regras. Eu não diria que minha auto-estima era realmente alta, mas eu tinha esse pilar no qual me sustentar -- as pessoas gostavam de mim, se atraíam por mim, e eu sempre podia sair por aí e viver um romance.
Ultimamente eu tenho pensado nisso às vezes, como era confortável saber (nem sei julgar, agora, se era verdade) que eu seria desejada, saber que haveriam flertes, jogos de sedução, saber que a pessoa que eu quisesse me quereria de volta e essas coisas todas. Saber que minha presença não seria notada. Uma pessoa pode sobreviver à base desse conhecimento. Mas eu meio que abri mão disso quando eu decidi deixar pra trás a cisheterossexualidade, e foi uma renúncia mais ou menos consciente. Em boa parte eu cansei da auto-enganação de que bastaria tentar quando eu não tentaria, e talvez uma parte tenha sido a frustração com os homens gays, as mulheres heteras, as mulheres gays, e os homens monogâmicos. Mas uma parte maior foi simplesmente conseguir mudar o foco da minha identidade, da sexualidade para outras coisas mais relevantes, como posicionamento político. De repente eu não preciso mais participar de atividades sexuais ousadas pra ter orgulho de mim. De repente ser a fêmea alfa não é mais importante nem suficiente. E daí se alguns homens heterossexuais se interessaram por mim? Você não tem nada melhor em que basear a sua auto-estima?
Esses questionamentos me levaram a fazer uma pequena análise crítica dessa história toda, e eu me percebi contando a seguinte história:
A história começa com eu sendo uma guriazinha virgem de uns quatro anos. Desde pequena eu tinha uma determinação ferrenha que eu só fui entender anos depois quando minha mãe me explicou, sabe. Eu me achava um lixo na maior parte do tempo, mas a minha culpa por não ser a filha, aluna, pessoa que eu deveria ser não era grande o suficiente pra afogar as coisas que realmente importavam. Eu tinha uma missão. Não tem como desmoralizar uma pessoa que tem uma missão, especialmente se você nem sabe disso. Em algum momento da vida eu tive certeza de que eu ia ganhar o Nobel da literatura quando eu cumprisse minha missão. Eu tinha uma atitude meio vingativa, de que eu ia voltar com meus livros publicados e mostrar como toda a minha inadequação social tinha um Propósito. É claro que, naquela época bizarra e mutante da vida entre os sete e os quatorze anos, eu me achava enorme, desengonçada, feia, e que nenhum garoto ia gostar de mim nunca, muito menos aquele que eu admirava. Na real, a parte mais feliz foi dos doze até o fim dos quatorze, quando eu meio que esqueci de me apaixonar por garotos de tão envolvida que eu estava com meus amigos incríveis e as coisas que a gente fazia. Eu lembro de admirar os joguinhos de sedução das pessoas e de me surpreender toda vez que parecia que eu estava em um deles. Acho que se pá eu não me considerava bem humano.
Mas é claro que os hormônios me alcançaram eventualmente; eles me pegaram no final do ginásio e eu tive aquele momento glorioso de me apaixonar (seguidas vezes) e não ter idéia do que fazer a respeito. Tinha alguns meninos apaixonados por mim também, mas acho que isso não fazia muita diferença pra mim. Só que, embora eu não acreditasse nisso, eu já era uma menina branca magra (embora não tão magra quanto eu fiquei depois) com peitos e bunda e coxas bonitas, e, bom, bonita e legal; acho que eu era exatamente o que os garotos queriam de uma "garota nerd" (embora eu não fosse nerd como a gente imagina hoje em dia). Enfim, o caso é que muito aos pouquinhos isso foi pegando em mim. Isso e o jeito como as pessoas foram me tratando, especialmente depois que eu meio que perdi o contato com esse grupo do ginásio, como uma coisa fofinha e adorável e fácil de se gostar. Isso e estar crescendo e desejando mais do que ser um mascote, e querer ter mais amizades, e conquistar mais pessoas. Em algum momento eu me dei conta de que meus melhores amigos estavam apaixonados por mim. Depois eu namorei com o menino que eu queria mesmo namorar. Eu queria ser foda também na vida sexual, mas aconteceram uns rolos, e eu continuei mais ou menos insegura nessa área, mas depois dessa época eu tive certeza absoluta de que eu era uma pessoa apaixonante. Nessa época eu também decidi abandonar minha missão, e todas as histórias, e viver no mundo real.
Apesar de tudo, eu continuei tendo crises absurdas a respeito do meu corpo até os 21, porque eu achava que eles só me achavam bonita porque eles já estavam apaixonados. Mas aos 21 essa barreira desapareceu e eu resolvi apreciar a vida. Mais ou menos ao mesmo tempo eu mudei de carreira e abandonei boa parte das minhas inseguranças profissionais. Aos poucos eu fui retomando um orgulho de saber fazer alguma coisa, agora somando duas coisas que eu sabia fazer (escrever e programar). Eu resolvi explorar essa idéia de ser sexy e de ser feminina, com grandes efeitos (eu consegui ser feminina sem nunca usar maquiagem, e praticamente sem depilação), inclusive para minha sexualidade. Mas a empolgação de mudar de carreira começou a passar, e muitas vezes eu voltei a pensar coisas como "Bom, eu não tenho muitas habilidades, mas pelo menos as pessoas gostam de mim", mas agora com uma nota mais alta de "Mas pelo menos eu sou a mina mais gata e mais foda de qualquer balada".
Pensando bem, é estranho o quanto a beleza é determinante para uma mulher heterossexual -- eu parei para pensar nisso depois de ler este texto. Minha auto-estima enquanto mulher era dependente de eu ser desejável, e era uma sensação inebriante quando eu era, mas quando eu não me sentia linda, eu era incapaz de sequer conversar com as pessoas direito. Aí no último ano vários eventos me fizeram lutar deliberadamente contra essa corrente. Eu fiz as coisas que eu queria fazer -- furei a orelha, cortei o cabelo, saí de um bocado de armários, e finalmente deixei os pêlos do corpo crescerem até seu tamanho máximo.
Eu tenho me sentido menos sexy, e às vezes ocorre de eu sentir falta disso. Mas eu acho que nunca me senti tão confiante. Não sei se é a idade, se eu só cansei da insegurança, acho mesmo que o número de coisas na lisa de "o que eu sei fazer" está crescendo, e que o meu mêdo das coisas está diminuindo. Eu não me acho bonita com tanta freqüência, e eu tenho essa impressão de que eu devo estar finalmente começando a afastar homens hetero. Eu às vezes me acho bonito; mas também não acho que eu vá atrair mulheres hétero. As pessoas que eu atraio... não quero realmente me perguntar o que as atrai. Na verdade eu não tenho tido vontade de me envolver com muitas pessoas. Eu tenho achado desagradável a idéia de que outras pessoas podem me achar sexy. Simplesmente não é a impressão que eu quero passar.
Às vezes eu saio de casa sem nem me olhar no espelho, sem sutiã, com roupas das quais eu nem gosto tanto. Nos últimos meses tem sido menos estranho não se importar. Acho que estou começando a entender essa coisa masculina de não dar a mínima para a roupa.
Acho que o que eu quero dizer, no final, é que eu tô bem assim, melhor do que eu jamais estive. A vida está boa, eu posso ir em frente. E eu não quero mais ser bonita, porque simplesmente não vale a pena.
Ultimamente tenho pensado com uma certa freqüência naquelas coisas que eu apreciava do tempo (relativamente curto) em que eu me senti plenamente confortável e apropriado como mulher. Aqueles tempos em que eu me vesti de forma totalmente "feminina" e senti prazer nisso, sabe. Aqueles tempos em que eu acreditei que havia algo de mágico, de divino, de sagrado em ser mulher. Tempos muito estranhos.
Pra falar a verdade eu penso pouco nessas coisas; normalmente eu penso mais no mêdo que eu tenho de mudar, de que as mudanças me levem a me afastar de pessoas que eu quero, que sair do armário e arrancar a máscara me desamarre dessa personagem que existe e que é ainda eu, mas não é eu. Eu não quero que meus amigos falem no futuro daquela Eu que eles conheceram e que morreu quando eu nasci. Mas eu normalmente não penso muito nas vantagens intrínsecas dessa antiga Eu, então tenho que aproveitar que estou pensando nisso.
Enfim.
Quando eu me vestia sempre de forma sexy, eu tinha uma confiança ferrenha de que eu era extremamente sexy. Eu era uma pessoa bonita, gostosa, autoconfiante, e eu sabia que eu poderia conquistar qualquer pessoa desde que eu tentasse. Eu fazia muito sexo, muito mais do que eu fazia antes e muito mais do que eu tenho vontade de fazer hoje. O jogo de sedução era a coisa mais empolgante do mundo. Eu me apaixonava o tempo todo também, de uma forma mais sexual do que acontece agora. Eu sabia que eu era a fêmea alfa, a tal ponto que mulheres tão bonitas quanto eu me faziam me sentir ameaçada. Quando eu conhecia homens novos, minha primeira atitude era uma troca sugestiva de olhares. Só para estabelecer as regras. Eu não diria que minha auto-estima era realmente alta, mas eu tinha esse pilar no qual me sustentar -- as pessoas gostavam de mim, se atraíam por mim, e eu sempre podia sair por aí e viver um romance.
Ultimamente eu tenho pensado nisso às vezes, como era confortável saber (nem sei julgar, agora, se era verdade) que eu seria desejada, saber que haveriam flertes, jogos de sedução, saber que a pessoa que eu quisesse me quereria de volta e essas coisas todas. Saber que minha presença não seria notada. Uma pessoa pode sobreviver à base desse conhecimento. Mas eu meio que abri mão disso quando eu decidi deixar pra trás a cisheterossexualidade, e foi uma renúncia mais ou menos consciente. Em boa parte eu cansei da auto-enganação de que bastaria tentar quando eu não tentaria, e talvez uma parte tenha sido a frustração com os homens gays, as mulheres heteras, as mulheres gays, e os homens monogâmicos. Mas uma parte maior foi simplesmente conseguir mudar o foco da minha identidade, da sexualidade para outras coisas mais relevantes, como posicionamento político. De repente eu não preciso mais participar de atividades sexuais ousadas pra ter orgulho de mim. De repente ser a fêmea alfa não é mais importante nem suficiente. E daí se alguns homens heterossexuais se interessaram por mim? Você não tem nada melhor em que basear a sua auto-estima?
Esses questionamentos me levaram a fazer uma pequena análise crítica dessa história toda, e eu me percebi contando a seguinte história:
A história começa com eu sendo uma guriazinha virgem de uns quatro anos. Desde pequena eu tinha uma determinação ferrenha que eu só fui entender anos depois quando minha mãe me explicou, sabe. Eu me achava um lixo na maior parte do tempo, mas a minha culpa por não ser a filha, aluna, pessoa que eu deveria ser não era grande o suficiente pra afogar as coisas que realmente importavam. Eu tinha uma missão. Não tem como desmoralizar uma pessoa que tem uma missão, especialmente se você nem sabe disso. Em algum momento da vida eu tive certeza de que eu ia ganhar o Nobel da literatura quando eu cumprisse minha missão. Eu tinha uma atitude meio vingativa, de que eu ia voltar com meus livros publicados e mostrar como toda a minha inadequação social tinha um Propósito. É claro que, naquela época bizarra e mutante da vida entre os sete e os quatorze anos, eu me achava enorme, desengonçada, feia, e que nenhum garoto ia gostar de mim nunca, muito menos aquele que eu admirava. Na real, a parte mais feliz foi dos doze até o fim dos quatorze, quando eu meio que esqueci de me apaixonar por garotos de tão envolvida que eu estava com meus amigos incríveis e as coisas que a gente fazia. Eu lembro de admirar os joguinhos de sedução das pessoas e de me surpreender toda vez que parecia que eu estava em um deles. Acho que se pá eu não me considerava bem humano.
Mas é claro que os hormônios me alcançaram eventualmente; eles me pegaram no final do ginásio e eu tive aquele momento glorioso de me apaixonar (seguidas vezes) e não ter idéia do que fazer a respeito. Tinha alguns meninos apaixonados por mim também, mas acho que isso não fazia muita diferença pra mim. Só que, embora eu não acreditasse nisso, eu já era uma menina branca magra (embora não tão magra quanto eu fiquei depois) com peitos e bunda e coxas bonitas, e, bom, bonita e legal; acho que eu era exatamente o que os garotos queriam de uma "garota nerd" (embora eu não fosse nerd como a gente imagina hoje em dia). Enfim, o caso é que muito aos pouquinhos isso foi pegando em mim. Isso e o jeito como as pessoas foram me tratando, especialmente depois que eu meio que perdi o contato com esse grupo do ginásio, como uma coisa fofinha e adorável e fácil de se gostar. Isso e estar crescendo e desejando mais do que ser um mascote, e querer ter mais amizades, e conquistar mais pessoas. Em algum momento eu me dei conta de que meus melhores amigos estavam apaixonados por mim. Depois eu namorei com o menino que eu queria mesmo namorar. Eu queria ser foda também na vida sexual, mas aconteceram uns rolos, e eu continuei mais ou menos insegura nessa área, mas depois dessa época eu tive certeza absoluta de que eu era uma pessoa apaixonante. Nessa época eu também decidi abandonar minha missão, e todas as histórias, e viver no mundo real.
Apesar de tudo, eu continuei tendo crises absurdas a respeito do meu corpo até os 21, porque eu achava que eles só me achavam bonita porque eles já estavam apaixonados. Mas aos 21 essa barreira desapareceu e eu resolvi apreciar a vida. Mais ou menos ao mesmo tempo eu mudei de carreira e abandonei boa parte das minhas inseguranças profissionais. Aos poucos eu fui retomando um orgulho de saber fazer alguma coisa, agora somando duas coisas que eu sabia fazer (escrever e programar). Eu resolvi explorar essa idéia de ser sexy e de ser feminina, com grandes efeitos (eu consegui ser feminina sem nunca usar maquiagem, e praticamente sem depilação), inclusive para minha sexualidade. Mas a empolgação de mudar de carreira começou a passar, e muitas vezes eu voltei a pensar coisas como "Bom, eu não tenho muitas habilidades, mas pelo menos as pessoas gostam de mim", mas agora com uma nota mais alta de "Mas pelo menos eu sou a mina mais gata e mais foda de qualquer balada".
Pensando bem, é estranho o quanto a beleza é determinante para uma mulher heterossexual -- eu parei para pensar nisso depois de ler este texto. Minha auto-estima enquanto mulher era dependente de eu ser desejável, e era uma sensação inebriante quando eu era, mas quando eu não me sentia linda, eu era incapaz de sequer conversar com as pessoas direito. Aí no último ano vários eventos me fizeram lutar deliberadamente contra essa corrente. Eu fiz as coisas que eu queria fazer -- furei a orelha, cortei o cabelo, saí de um bocado de armários, e finalmente deixei os pêlos do corpo crescerem até seu tamanho máximo.
Eu tenho me sentido menos sexy, e às vezes ocorre de eu sentir falta disso. Mas eu acho que nunca me senti tão confiante. Não sei se é a idade, se eu só cansei da insegurança, acho mesmo que o número de coisas na lisa de "o que eu sei fazer" está crescendo, e que o meu mêdo das coisas está diminuindo. Eu não me acho bonita com tanta freqüência, e eu tenho essa impressão de que eu devo estar finalmente começando a afastar homens hetero. Eu às vezes me acho bonito; mas também não acho que eu vá atrair mulheres hétero. As pessoas que eu atraio... não quero realmente me perguntar o que as atrai. Na verdade eu não tenho tido vontade de me envolver com muitas pessoas. Eu tenho achado desagradável a idéia de que outras pessoas podem me achar sexy. Simplesmente não é a impressão que eu quero passar.
Às vezes eu saio de casa sem nem me olhar no espelho, sem sutiã, com roupas das quais eu nem gosto tanto. Nos últimos meses tem sido menos estranho não se importar. Acho que estou começando a entender essa coisa masculina de não dar a mínima para a roupa.
Acho que o que eu quero dizer, no final, é que eu tô bem assim, melhor do que eu jamais estive. A vida está boa, eu posso ir em frente. E eu não quero mais ser bonita, porque simplesmente não vale a pena.
sexta-feira, 6 de dezembro de 2013
Das coisas que nos souberam bem
Aqui estamos, e somos onze. Onde dos quinze que partiram. Onze dentre todos os que se dispuseram.
A Letra.
A Faca.
O broche e a chave.
A pata.
O pingente.
A máscara.
O laço.
O cinto.
O Giz.
O focinho.
O pedal.
E o escudo.
Nós nos voltamos para o passado. Nós perguntamos sobre o passado. A Letra se imprime sobre a Pele do passado. Nossos olhos são espelhos que distorcem a luz do passado. Nós somos lentes. Nós escrevemos.
Um de nós se ergue sobre duas pernas. Um de nós renega nosso antigo nome. Um de nós desce de seu cavalo e corta suas tranças e as joga sobre o chão onde pisa. Um de nós ergue-se novamente.
O Focinho se ergue em direção a ele. Um de nós acaricia o focinho e o abandona. Um de nós abandona nosso antigo nome.
Uma de nós se levanta em oposição a ele. Um de nós oferece seu corpo para a faca, que ela marque seu corpo e o submeta. A Faca o corta. Uma de nós marca nele nosso indelével nome. Um de nós sangra e se reconstitue. A Faca e o Escudo são idênticos. Nossos olhos são espelhados e refletem imagens idênticas, um macho pequeno e coberto de sangue e uma fêmea grande e coberta de sangue. Um de nós ajoelha-se e uma de nós o abraça. Mas por fim se separam. Um de nós apaga nosso único nome.
Somos múltiples. A Máscara o veste e mostra nossa História. A Letra se escreve e conta nossa História. Um de nós aceita em reclusão. A caverna de nossa História é escura e longa e suas paredes contam de muitas coisas. Um de nós ouve em atenção. Nós o mandaremos como nosso mensageiro e como nosso cônsul, para os domínios que nossas vozes falham em alcançar. Nós o mandaremos ao passo em que ele se manda, fugido de nós.
O Focinho o morde.
A Pata o sagra. Uma de nós o olha nos olhos e o absolve e condena. Uma de nós lhe dá uma missão. Uma de nós o ama e o fertiliza, para que ele chegue prenhe ao seu universo. A Máscara o abençoa e o compreende. O Broche e a Chave o vestem e o ornam, mas ele os guarda numa caixa de madeira. Um de nós despe-se e se apresenta nu. O pingente transforma-se e o protege. Um de nós agradece.
O Cinto e o Giz transformam-se em objetos para que um de nós o use. Mas ele os guarda também, em silêncio. Ele os usará quando for a hora.
Finalmente, o Laço o abraça. A Letra abre seu livro e o Laço chama através dele todas as vozes que precisam se ouvir presentes. Um de nós toca cada um de nós em respeito, amor e premonição. Estamos no fim da caverna e há paisagens lá fora. Todas nós nos agrupamos na beirada da caverna. As paisagens nos perturbam e nos confundem. Nós nem sempre podemos transitar no mundo lá fora.
Uma de nós dá alguns passos para fora e invoca o Futuro. Nossos deuses sussuram como árvores balançadas pelo vento.
Um de nós começa sua jornada.
A Letra.
A Faca.
O broche e a chave.
A pata.
O pingente.
A máscara.
O laço.
O cinto.
O Giz.
O focinho.
O pedal.
E o escudo.
Nós nos voltamos para o passado. Nós perguntamos sobre o passado. A Letra se imprime sobre a Pele do passado. Nossos olhos são espelhos que distorcem a luz do passado. Nós somos lentes. Nós escrevemos.
Um de nós se ergue sobre duas pernas. Um de nós renega nosso antigo nome. Um de nós desce de seu cavalo e corta suas tranças e as joga sobre o chão onde pisa. Um de nós ergue-se novamente.
O Focinho se ergue em direção a ele. Um de nós acaricia o focinho e o abandona. Um de nós abandona nosso antigo nome.
Uma de nós se levanta em oposição a ele. Um de nós oferece seu corpo para a faca, que ela marque seu corpo e o submeta. A Faca o corta. Uma de nós marca nele nosso indelével nome. Um de nós sangra e se reconstitue. A Faca e o Escudo são idênticos. Nossos olhos são espelhados e refletem imagens idênticas, um macho pequeno e coberto de sangue e uma fêmea grande e coberta de sangue. Um de nós ajoelha-se e uma de nós o abraça. Mas por fim se separam. Um de nós apaga nosso único nome.
Somos múltiples. A Máscara o veste e mostra nossa História. A Letra se escreve e conta nossa História. Um de nós aceita em reclusão. A caverna de nossa História é escura e longa e suas paredes contam de muitas coisas. Um de nós ouve em atenção. Nós o mandaremos como nosso mensageiro e como nosso cônsul, para os domínios que nossas vozes falham em alcançar. Nós o mandaremos ao passo em que ele se manda, fugido de nós.
O Focinho o morde.
A Pata o sagra. Uma de nós o olha nos olhos e o absolve e condena. Uma de nós lhe dá uma missão. Uma de nós o ama e o fertiliza, para que ele chegue prenhe ao seu universo. A Máscara o abençoa e o compreende. O Broche e a Chave o vestem e o ornam, mas ele os guarda numa caixa de madeira. Um de nós despe-se e se apresenta nu. O pingente transforma-se e o protege. Um de nós agradece.
O Cinto e o Giz transformam-se em objetos para que um de nós o use. Mas ele os guarda também, em silêncio. Ele os usará quando for a hora.
Finalmente, o Laço o abraça. A Letra abre seu livro e o Laço chama através dele todas as vozes que precisam se ouvir presentes. Um de nós toca cada um de nós em respeito, amor e premonição. Estamos no fim da caverna e há paisagens lá fora. Todas nós nos agrupamos na beirada da caverna. As paisagens nos perturbam e nos confundem. Nós nem sempre podemos transitar no mundo lá fora.
Uma de nós dá alguns passos para fora e invoca o Futuro. Nossos deuses sussuram como árvores balançadas pelo vento.
Um de nós começa sua jornada.
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