Pequeno conto de vestibular (o uso da terceira pessoa me faz me sentir menos ridícula, ok?)
Estranho isso de arte valer nota. Arte. Diziam arte sempre, em seus ouvidos. "És uma artista", diziam. Não dizia arte. Mas às vezes, quase nunca, sim. Ali, por exemplo, dadas as cirscunstâncias. Sou uma artista, pensava; pintava furiosamente, quando pensasse naquilo mais tarde pensaria que pintara com o corpo, com as mãos, ao contrário do que aconselhava Miró. Ou era Mondriant? "Arte", pensava, existe arte além de Miró ou Mondriant? Dar sentido a formas e ainda esperar ser entendido? Ou então sequer pretender ser entendido, ou ainda pretender ser incompreendido, como faziam boa parte dos artistas comtemporâneos; podia algo disso ser verdadeiro? arte, arte, e pensava no conceito de Arte como uma afronta pessoal, porque ela era a artista e o que ela fazia não era Arte. Mas pintava conclusivamente, um desenho objetivo, abstrato com elementos concretos, compreensível da mesma forma que o é uma narrativa desengajada. Mas se sentia orgulhosa, porque o desenho, embora desprovido de um significado direto, tinha sentido, e com alguma sorte os avaliadores perceberiam isso e lhe dariam alguma nota. Deixou o papel de lado e alegremente começou a segunda parte da tarefa, que envolveria dobras e colagens.Enquanto planejava seu trabalho, olhou distraidamente para os lados, à procura de saber quão atrasada estava em relação aos outros condidatos, e de comparar seu desenho com os deles. Sorriu. A menina à sua esquerda fizera um lindo trabalho, desenhando ampliações coloridas, concêntricas, a intervalos regulares, das formas de base da proposta, dando a sensação de que as figuras haviam formado ondas sobre o papel. Era belo, sim, mas um pouco inócuo, um pouco estranho, fazer ondas a partir das letras cortadas — é que ondas poderiam ser feitas com qualquer coisa. Ela, a artista, ela aproveitara o que era próprio da figura de base (o corte) e pintara o que lhe parecia a conclusão lógica daquilo. Fazia sentido — mas, assim que olhou para o outro lado, percebeu que sentido não era o bastante. A menina à direita transformara cada uma daquelas formas cortadas em algo totalmente diferente, uma clave de sol, um instrumento musical, qualquer coisa bela, colorida e boa. Ela intervira na base, modificara, transformara a figura insensata e algo aflitiva em um conjunto animador e simpático. A menina do meio olhou para seu desenho rabiscado, envergonhada da passividade que ele revelava; pôs a folha no chão e tentou se concentrar na próxima proposta.
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