Me parece que não restou mais nada. Diante de árvores frodosas, sou raízes apenas — e qu'é-de folhas? Enxergo na distância barcos e beijos carinhosos; enxergo num fundo d'olhos o que faz valer toda uma existência. Meus olhos porém cansaram-se de falar.
Me parece que já não resta nada. Será que traio minha existência, ou é minha existência que me trai? No que consiste minha natureza? Falo de mim porque é a única coisa no mundo que realmente conheço. Respeito, admirada, tantos outros que falam de tudo o mais. Até mesmo os invejo. Não tenho mais nada. Julgo que invejo neles a capacidade de ter qualquer coisa.
É que meu coração não fala mais, meu pensamento não sente. O que busco para oferecer-vos, meus pequenos deuses da verdade, é a essência das coisas, suas pequenezas; e não mais as encontro. Pequei? Então pequei pela mentira. Privei vossos ouvidos da verdade — mas foi porque minha verdade parece tão tola! Distraio-me de mim mesma, noto que não me conheceis. É uma pena. É uma pena que eu tenha de revelar-me agora, quando a mostrar já não tenho nada.
Existe em cada olhar um vago desespêro — desespêro que busco, aflita, como a razão de todas as outras coisas. Ou conseqüência. E nada encontro. Será tudo, como eu, pó, pronto a esfarinhar-se?
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