quinta-feira, 22 de dezembro de 2005

"É impossível", você disse

e eu repeti suas palavras, como um zumbi, morta, desamparada. Não construiria uma opinião sobre nada, rolaria sobre o mundo como uma pedra viva, para poder parar, enfim, e cobrir-me de limo e de morte. "é impossível", eu repeti sem falar, sem raiva, sem dor, sem nenhuma esperança.

Ao longo da vida, construí meu próprio pessimismo com dor, mas com afinco. A todo momento, algo surgia como uma grande onda na praia e eu, ferida mas persistente, tentava acreditar que a onda nos enguliria a todos, que quebraria a mesmice do mundo com suas forças sobreterranas. Mas a onda quebrava-se em marolas com um gemido de dor, e recolhia-se sempre ao seu túmulo marinho, enquanto eu balbuciava desapontada: que talvez mágica não existisse mesmo, e talvez fosse tudo ilusão.
Passaram-se os anos e nada mudou — aos poucos, apenas, tornei-me capaz de prever o lento naufrágio das ondas, que nunca faziam mais que inofensivas marolas aos meus pés. Em meu íntimo, comecei a temer que fossem minhas previsões que controlassem o futuro triste e repetitivo de tudo o que me acontecia. Tentei esperar, tentei não prever — mas por mais que me esforçasse ao máximo, por mais que perseverasse, depois de alguns minutos, horas, dias, ou mesmo meses, perdia a esperança, me submetia ao inevitável: a derrota.
Durante os últimos dois anos, tudo foi ficando ainda mais difícil: coisas nas quais antes tinha fé começaram a desabar diante de mim, a dar sempre resultados negativos e inesperados; até o ponto, o mais negro de todos, em que começaram a ser esperados. A realidade tornou-se um poço de impotência, e eu me afogava nele com resignação. Antecipando a derrota, aos poucos (ou não tão aos poucos) fui desistindo de tentar: parei de ligar para as pessoas que mais queria ver, parei de procurar a amizade de meus antigos amigos, que me amavam tanto quanto eu a eles; parei de animar meus amigos apaixonados com coragem e esperança. A submissão me engoliu como um monstro do mar, eu enxarcada de água salgada, até aquele dia que tanto doeu.

O pior dia de todos foi o dia em que me dei conta de tudo. Nos olhos dos dois, nas suas palavras, percebi o que me tornara — eu sentia-me mais impotente que as pessoas que alimentaram, com sua submissão aos fatos imutáveis, a minha impotência. Quando ouvi-os e vi-os dizer que eu devia e podia ter tido esperança...!

"É impossível", você disse, e eu nem sequer vi que do fundo seu gritava uma voz dizendo que eu negasse todo o seu desespero, mas eu, tolamente, desesperava-me ainda mais, destrutivamente. Não queria dar-lhes falsas esperanças, e por isso não dei esperanças nenhumas. E por isso, talvez devesse me desculpar.

Perdoa-me, Pai, porque pequei. Deixei de acreditar no amor, deixei de amar e de me comprometer. Deixei de acreditar na amizade; deixei de conversar com a noite, com o vento, o mar e a chuva; deixei de esperar pelos sonhos; deixei de cumprir minhas promessas e responsabilidades; deixei de aprender muito do que podia; deixei de procurar pelas brechas deste muro, onde podem-se plantar as oportinudades.
Perdoa-me, Demônio, porque pequei sem ti. Deixei de amar os sonhos e as esperanças; deixei de ter esperanças e de perseverar. Deixei de procurar sob cada pedra a semente da felicidade, deixei de me deixar levar pelo vento, deixei de desconfiar da infelicidade, deixei de perseguir meus sonhos e dragões, deixei de lutar pelo meu ideal, deixei de chorar à noite, deixei de rir das grandes pequenas coisas, deixei de respirar fundo, deixei de deitar sob as chuvas da primavera, deixei de escrever histórias às janelas, de procurar no mundo a bondade dos teus olhos.
Perdoa-me, Tu que me lês, porque pequei por ti. Deixei de acreditar no possível, no improvável; deixei de dar esperança aos condenados. Deixei de persistir mesmo quando era a única opção, deixei de esperar contra toda a esperança. Deixei de lutar pela realidade, deixei de acreditar, de querer, de tentar. Deixei de ouvir mesmo sem ter nada a dizer, deixei de dizer e de calar. Deixei de fazer o que era importante para nós todos. Deixei de acreditar em ti, de conduzir-te e cooperar contigo. Deixei de lutar por ti como fazem os que se amam — deixei de buscar tua amizade e de tratar-te bem. Deixei de doar de mim.

Talvez apenas não tenha deixado de amar.

O tempo que se segue será, para mim, de procura da esperança.
De sonhar sonhos impossíveis, enfrentar demônios, encontrar dragões, e dormir justamente. Quero andar de bike, cavalgar, nadar, pescar, correr, e principalmente sonhar.
Quero amar, amar perdidamente, amar sem freios e sem mêdo!

Good hunting all; good dreaming all; good hoping all!

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