sábado, 10 de dezembro de 2005

Calado!

Shhh...
Não fala não. Não é necessário, nem sequer útil. Não nos leva a nada. Não diga nada.
Cála.

Eu não quero falar com você. Não quero saber o que de sensato ou terrível você tem a me dizer. Não quero que me digas nada. Quero o silêncio, por favor, o silêncio! O silêncio desses espaços infinitos me fascina. Neles, sou uma pantera, um leão da montanha, um gato sempre alerta ao infinito. O silêncio.


Não quero conversar. Não, não é que eu não queira conversar com ninguém; conversar contigo especialmente é que me desconforta. Com alguns, gosto de conversar, outros, suporto, mas você especificamente eu não quero ouvir, não agora, não assim, e, principalmente, não por isso. Eu já sei o que você quis me dizer, e, se não entendi, provavelmente a culpa é minha, e se eu pensar mais um pouco eu compreenderei. Se não, que posso fazer? Não posso ouvir sua voz, assim, virtualmente. Quero sentir o calor do seu olhar, ou imaginá-lo quente e vivo, e, quem sabe, imaginar quê palavras tão vívidas quanto ele formariam seus lábios, língua e respirar. Mas não, não quero conversar. Quando conversamos, você me responde, ou eu espero resposta, e eu nunca tenho coragem de dizer o que realmente penso de qualquer forma. Realmente, eu nunca chego ao meu próprio fundo — não tenho coragem. Meu fundo é insensato, não conhece delicadezas e gentilezas às quais nos submetemos desde a infância para não ferirmos ou afastarmos nossos entes queridos. No fundo eu conheço todos os seus defeitos, e os odeio. No fundo eu detesto falar com você, odeio tudo o que você diz, menos, talvez, os ois e aquelas bobagens que são, em si mesmas, pouco importantes, mas muito fundamentais numa relação. Ou será que isso não é o fundo? Será que mais fundo ainda eu gosto de você? Será que eu quero falar com você?

Ah, não, mas não fale comigo não. Palavras, nestes momentos, são dispensáveis. Nós poderíamos muito bem nos comunicar por conjuntos de sons ainda não catalogados, por olhares, gestos... por que não nos comunicamos tudo o que pensamos e sentimos por um simples, confiante abraço? Por que essa obcessão pelas palavras? Por que não voltamos aos desenhos feitos com tanto primor e desleixo, com tanto carinho, na areia dos nossos sonhos provisórios e vazios? Por que não nos abraçamos em silêncio, já que sabemos, certamente nós dois sabemos, de tudo o que se passou entre nós, e o que passa hoje em dia; já que nós já dissemos o que íamos dizer e agora o que fazemos é repetir em gritos estridentes a nossa mútua incompreensão e aquele desejo irritante de que fôssemos diferentes? Ou, se é tão necessário falar esta língua de homens e bestas, podemos, ao menos, falar de quaiquer outros assuntos, assuntos assim que não firam nem a mim nem a você, como aqueles que costumávamos discutir longamente antes de nos tornarmos pessoas assim tão complicadas um para o outro. No dia-a-dia podemos experimentar não falar sobre os nossos segredos, trocados com tanto mêdo um da reação do outro. Em vez disso, falaremos de leviandades, de bobagens, dos amigos que temos em comum e dos temas metafísicos que devem interessar muito mais a mim do que a você.

Se for um problema muito grande, podemos falar de outras coisas. Talvez, com um pouco de esforço, eu consiga entender a política nacional; talvez eu até leia os mesmos livros que você, e podemos, certamente, assistir aos mesmos filmes, juntos, se quisermos. No fundo, todos esses detalhes são muito pouco importantes, mas também são muito essenciais para que continuemos a partilhar da companhia um do outro. Mesmo assim, eu gostaria que não fôssemos obrigados a tentar transmitir nossa mútua afeição por palavras cansadas de pular de uma boca para a outra já há algumas centenas de anos. Tenho certeza de que poderíamos transmitir nossa vontade de expressar aquilo que nos vai pela alma com palavras frescas, totalmente novas, que ainda não tivessem aquele cheiro de suor e desprezo, aquele saibo de briga e chantagem, e principalmente aquela aspereza de malícia e ironia que adquirem as notas e as palavras velhas, passadas por um exagero de mãos e bolsos desconhecidos. Talvez devêssemos tomar mais cuidado com a linguagem que temos, usá-la com mais cautela; talvez devêssemos guardar as palavras apenas para o realmente importante. Talvez devêssemos comunicar nossos verdadeiros sentimentos por gestos e sons particulares, e guardar as palavras para a literatura, para a poesia....

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