Então, tipo, esta semana eu tava dando aula e apareceu um exercício de vestibular que tinha umas funções logarítmicas deslocadas, com as
assíntotas verticais em tracejado. Aí eu pensei "poutz, é melhor eu explicar pressas pessoas o que que é uma assíntota!"
Eu falei pra turma que eu ia explicar isso pra elas, e imediatamente a menina super dedicada que quer prestar poli me pergunta:
--- E pra quê eu preciso saber isso?
Hm.
Olha, eu entendo que com o vestibular se aproximando é normal a gente começar a ficar na pira de não querer estudar nada que não for ser imediatamente útil. Mas acho que a questão é mais profunda aqui, é uma questão que eu sinto mais forte, que é a questão de querer sempre justificar o aprendizado de matemática. Sempre. Quantas vezes eu já não ouvi gente reclamando que estudar essa ou aquela matéria de matemática era inútil, por que nunca ia usar aquilo na vida?
Imagina que eu estivesse dando aula de biologia, e eu começasse a falar sobre o ornitorrinco, e eu começasse a descrever como ele é, onde ele vive, que tipo de bicho ele é. Alguém na turma ia perguntar pra que saber do ornitorrinco ia servir? Ou imagina que eu começasse a falar de, sei lá, de quelíceras, que é essa parte do corpo das aranhas, sabe, que vários artrópodes têm, que elas usam por exemplo pra te picar. Alguém ia perguntar "mas pra quê que isso serve?". Ou imagina que eu desse aula de história, e eu quisesse explicar sobre relações de servidão, ou eu quisesse contar a história da Alsácia-Lorena. Ou mais ainda, imagina que eu desse aula de artes, e que eu quisesse explicar que existe essa cor, que chama azul.
Pra quê servem assíntotas? Sei lá, possívelmente pra nada, pra que serve azul? Assíntota é uma coisa que algumas funções têm; algumas funções têm comportamento assintótico, é algo que acontece, é interessante em alguns casos, é legal, funções assintóticas representam bem alguns tipos de idéias, por exemplo a idéia de se aproximar de um ponto de equilíbrio; sem contar que boa parte das funções mais comuns que tem são assintóticas. Pra que serve estudar assíntotas? Bom, em primeiro lugar, serve pra você ler a palavra "assíntota" em algum lugar e saber o que significa. Também serve pra você ver uma linha tracejada num gráfico e saber o que aquela linha é. Serve pra você identificar que aquela função super conhecida tem uma assíntota vertical no zero, e ver um gráfico de função com essa assíntota deslocada, e perceber que teve um deslocamento da função. Pra que serve saber o que é uma pata, uma orelha, um estômato? Pra que serve saber o que significa "antípoda"?
Eu fico pensando por um lado que matemática deve ser um saco absoluto pras pessoas, claro, que ninguém tem a menor vontade de estudar curvas, funções, transformações, derivadas, assíntotas, limites. Quando a minha professora de história começou a falar da história das termópilas, no colegial, ninguém interrompeu ela pra perguntar por quê ela achava que ela tinha que contar aquela história. Mas ao mesmo tempo isso é porque a história era interessante.
Por outro lado a gente devia mesmo parar o tempo todo e se perguntar "mas o que que eu tô fazendo aqui? Por que eu tô fazendo isso?"... Só que assim, é preciso se perguntar, mais do que "por quê aprender isso?", é preciso se perguntar "o que eu quero aprender?". Então eu não sei o que eu tenho que falar quando eu tô dando uma aula de cursinho e uma pessoa vem me perguntar o que eu tô fazendo ali. Eu penso: bom, eu tô tentando mostrar os comportamentos de funções pra vocês, pra fazer elas parecerem menos assustadoras, prelas fazerem um pouco mais de sentido, porque vocês vão precisar saber manipular essas coisas na prova que vocês vão fazer, e porque algumas de vocês vão inclusive usar um monte de funções ao longo da vida de vocês porque vocês vão estudar engenharia, física, essas coisas. Não é o sistema de ensino do qual eu gostaria de estar fazendo parte, e nem é o sistema de ensino que vocês querem, tb. Mas eu tava pensando que ultimamente o vestibular tem ficado cada vez mais dahora, cada vez mais misturando as disciplinas e fazendo perguntas inteligentes que exigem que a gente pare e pense e manipule os conhecimentos. E que o vestibular está mais dahora que o sistema de ensino das escolas. E que eu não tenho o menor saco pra dar uma aula enciclopedista, e nem eu acho que isso vai ajudar com porra nenhuma.
Além do mais, eu sou uma dessas pessoas que acha matemática uma das coisas mais lindas do mundo, e eu não ia conseguir mutilar completamente essa coisa que eu estudo.