domingo, 12 de outubro de 2014

Compaixão

A pessoa do outro lado da mesa disse que os movimentos grevistas da USP eram "uma falta de patriotismo!"

Eu não seria a pessoa apropriada para questionar isso porque eu tenho a impressão de que usar a palavra "patriotismo" já é começar errado. Quando eu penso em nações patrióticas eu penso na Alemanha nazista. Pra não ficar muito <i>reductio ad Hitlerum</i>, eu penso também nos exércitos, todos, em jovens dando suas vidas para matar outras pessoas jovens. Eu penso em guerra. Eu penso na ditadura militar brasileira querendo que todo mundo ficasse quietinho e exaltasse o Brasil no hino nacional. Pra mim quem exige patriotismo é gente que apóia a ditadura, é militarista, é querer que não se critique um governo, que se aceite ser governado sem questionamentos. É uma palavra que não me traz boas impressãos.

Pra falar a verdade, eu tenho esse impulso de dizer que patriotismo é uma coisa errada. É errado porque significa amar à patria mais que aos outros. E se é pra "amar ao próximo" e ter compaixão e etc, é pra amar a todos, e a todas as coisas vivas, independente de onde elas estejam. Não é pra amar ao seu vizinho mais do que a um estrangeiro. Quando o padre diz pra amar o próximo, ele não quer dizer que é pra amar só quem está perto, entende, é só uma força de expressão. Inclusive se você pensar na imensidão do universo todas as pessoas da terra estão bem pertinho. Mas é claro que se aparecerem aliens na terra você pode tentar amar a eles também. Compaixão significa empatizar com todas as criaturas. Não é pra respeitar o parecido e cuspir na cara de quem é diferente.

Acho que passar tempo com gente católica acaba ativando minha criação católica e eu fico pensando sobre todas essas coisas. Se você pensar a Bíblia soa o tempo todo como um clubinho bairrista. É pra amar seu vizinho e Deus vai destruir seus inimigos. "O povo de Deus", dizem os religiosos, quando não "o povo escolhido". Os filhos de Abrão. Não admira muito que tantos povos tenham feito guerras por "terras prometidas". Mas ao mesmo tempo quando Cristo morre na cruz ele não condena nem mesmo os infiéis romanos que o matam. Hoje em dia fala-se muito nisso, nessa compaixão. Eu penso um pouco na compaixão que me foi ensinada, e acho que é uma compaixão que tem algo de budista, nesse jeito de ter respeito e amor por todas as coisas. As nações e as bandeiras não fazem sentido, porque todos somos um perante o sagrado ("sob Deus" ou "no amor de Cristo", ou o que você quiser). Nesse sentido o patriotismo é um tanto anti-cristão, ou é uma religião em si, uma heresia de certa forma. Acho que os papas medievais concordariam comigo.

Por outro lado, se não fosse toda essa conotação facista que a palavra "patriotismo" tem, eu falaria sobre como os rebeldes, os grevistas, são na verdade os maiores patriotas. Porque amar ao seu país não significa amá-lo quando ele vai bem e abandoná-lo quando ele vai mal, nem significa amá-lo todo o tempo e ignorar seus problemas. Amar seu país significa lutar para melhorá-lo e fazer dele o melhor país possível. Os professores universitários em greve querem de fato que sua universidade seja a melhor possível, que haja professores o bastante para dar todas as aulas, e que as contas da universidade sejam abertas para que todos possam garantir que a universidade está sendo bem-gerida. Muitos deles estão em greve apesar do custo que isso tem para eles (apesar do esforço contra isso, quase sempre o custo da greve de professores é maior para os professores do que para reitores e governantes - que ultimamente têm tentado dar a entender que eles nem ligam). Pode-se discutir quão adequado e eficiente é esse método, nesse caso, mas dizer que greves são antipatrióticas, que um povo está contra sua pátria, é fingir que esse povo não compõe a pátria. A impressão que eu tenho é que patriotismo em si é antipatriótico, porque o patriotismo não faz bem pro povo. Eu diria que querer extingüir as divisas entre as nações pode ser patriótico.


Nenhum comentário: