Acho que uma parte disso é um erro, já que as pesquisas feitas com incentivo público nas universidades públicas são as responsáveis pelos maiores avanços a longo prazo nas questões de interesse da população carente. Outra parte disso é causada por uma visão extremamente individualista - porque o único benefício reconhecido do estudo é aquele para o estudante, que pode se tornar uma pessoa mais capacitada e no futuro conseguir empregos melhores - e utilitarista - ou seja, não se enxerga a importância da manutenção da comunidade científica em si. Ao que me parece, a aparente utilidade prática da pesquisa científica serve para obscurecer a natureza artística e cultural da ciência. Seria mais coerente, eu acho, que programas de pesquisa em algumas áreas de ciência teórica abstrata fossem financiados por programas de incentivo a cultura. Porém, como supõe-se que a ciência é útil, passa-se a se exigir que ela seja valorizada apenas enquanto é perceptivelmente útil.
De um ponto de vista mais prático porém, eu acho que o cerne da desconfiança com as instituições científicas é justificado. Se uma sociedade sustenta uma instituição que não se preocupa em criar benefícios para a sociedade, essa instituição se torna como um mosteiro, ou como talvez fossem algumas antigas universidades, ou bibliotecas, lugares onde o conhecimento é armazenado e mantido vivo e refinado, que têm a própria continuação e aperfeiçoamento como seu único objetivo. Eu adoraria viver numa universidade assim, mas eu não sei até que ponto eu acharia justo investir numa instituição cujos frutos são intangíveis para quem a sustenta.
A universidade que temos hoje é composta em grande parte por artistas que se dedicam apenas à sua arte, mas em outra grande parte por pessoas sonhadoras que desejam que sua pesquisa torne o mundo melhor. Algumas dessas pessoas se envolvem com projetos de extensão, que é o meio oficial de devolver para a sociedade os benefícios do estudo, algumas voltam-se para o ensino, e algumas procuram projetos de pesquisa que possam ser utilizados no futuro, por pessoas mais empreendedoras, para tornar as coisas melhores. Mas esse esforço é inútil se não houver quem aplique e distribua esse novo conhecimento. Muitas vezes, existem forças poderosas trabalhando justamente contra a aplicação do conhecimento. A universidade se torna um núcleo de resistência a uma cultura destrutiva... Mas uma resistência passiva pode ser simplesmente ignorada. É preciso uma articulação com as ruas.
Tudo isso pra dizer que muitas vezes os temas que mais me apaixonam na ciência muitas vezes me parecem incapazes de transformar o mundo de verdade. Isso me frustra, e me leva a investir cada vez mais energia em coisas cujo resultado eu possa ver. Talvez eu não seja a pessoa mais apropriada para fazê-las, mas pelo menos eu acho que elas precisam ser feitas. Mudar o mundo nos detalhes já é melhor que não mudar nada. Talvez isso faça de mim uma pessoa errada para pesquisar matemática: meu amor por ela é grande, mas eu tenho dificuldade de ver a importância do que eu faço por amor. Especialmente se quase ninguém pode compartilhar comigo a beleza do que eu estudo. É como escrever uma história e não poder contá-la a ninguém.
2 comentários:
Esse texto me faz lembrar que talvez seja com você que eu deva conversar sobre ciência e as possíveis utopias que se pode almejar por dentro da academia. Talvez não seja pra agora, mas guarde contigo essa intenção.
Eu tenho a impressão que todo conhecimento vai trazer benefícios para a sociedade, mas que alguns levam mais tempo que outros.... Mas não tem como ter certeza disso.
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