Isto foi quinta ou sexta passada... Depois de você me dar um bolo, e de eu procurá-la para me consolar e de ela me procurar por sua causa. Depois de conversar com ela. Eu tive dois ou três sonhos com ela, cada um mais interessante que o anterior. No primeiro sonho, duas semanas atrás, logo depois de conhecê-la, eu decidia que eu não me interessava mais por homens, por causa dela. Neste sonho...
Era uma casa de praia ou algo assim. Havia várias garotas, amigas de amigos, que haviam me sido apresentadas naquele dia. Lindas (como as garotas que você me apresenta costumam ser, não?). Eu queria seduzi-las, queria tocá-las, todas ou uma de cada vez, enquanto nós estávamos sentadas no chão dessa espécie de cabana num sítio. Elas... não sei, talvez elas refutassem meus sinais. Ou talvez elas aceitassem-nos, mas levemente, sem compromisso, sem -- sem darem-se, entende? Frustrada, eu me afastei, alguém -- um homem, talvez ele, talvez você -- me chamou. Esse homem me chamou debaixo do batente da porta, um lugar escuro, entre a sala e a varanda, e, das sombras, me ofereceu algo para tomar -- um beijo, talvez -- e me disse: "Com isto, você vai sair deste sonho e sonhar com aquilo que você mais deseja." Eu sorvi (um beijo?) cheia de dúvidas, curiosa, queria mesmo descobrir meu maior desejo, mas será que essas coisas mágicas funcionam? Saí da cabana, lá fora fazia sol, era bonito, minha mãe e meus irmãos -- ainda meio crianças -- conversavam alegres e despreocupados ao redor de uma daquelas mesas de madeiras pesadas que meu avô (foi mesmo meu avô?) fez a partir de caixotões tirados de navios (ou era outra a história?). Ao lado de minha mãe, que vestia aquele vestido de flores rosas que ela ainda tem, estava meu primo, o Urso. Meu coração se apertou um pouco com a visão, saudades, compreensão, mas que sonho mais óbvio.. É claro que ao lado deles, sentada em cadeira de praia, usando biquíni desconjuntado de tecidos engruvinhados (um sutiã com um motivo complexo, verde escuro, uma calcinha preta, por exemplo) e um chapéu de palha, estava minha tia, jovem, magra, meio vermelha de sol e coberta de pintas, com o cabelo castanho comprido e ondulado, falando alguma coisa naquela voz dela -- aquela Voz que ela tinha. Do lado dela a Puca com cara de senhora, aquele cabelo comprido de Branca de Neve, um vestido longo sério e primaveril, nada parecida com a imagem que eu tenho de verdade dela. Que grande mágica, esta, eu pensava meio amargurada, enquanto iam aparecendo os outros personagens desta cena idílica, Max, Sé, Rita... Mêdo e saudade -- que previsível! -- virei a cara e fui na outra direção. O sonho atrás de mim silenciou, eu sabia que estava acordando, quando vi a moto na minha frente meu primeiro pensamento foi "Agora não, estou acordada, não vou mais conseguir descobrir meu maior desejo de verdade!"
Montei na moto -- uma moto grande para mim, com tinta metalizada, design agressivo e... e uma cestinha de bicicleta, dessa que nossas bikes tinham quando a gente era pequeno e ia passear em Santo Amaro, ficar dando voltas no campinho de futebol. Montei na minha moto linda e disparei, saltando da varanda, descendo a escada, atravessando um jardim suspeitamente parecido com o da minha avó morta, subindo uma ladeira que era mais um muro para sair no caminhozinho (que de fato existia na casa da minha avó) que ia levar a (a casinha de telhado em V onde dormia a empregada) o Castelo.
Eu ri comigo mesma agora que eu sabia que eu estava num sonho, e mais que isso, que eu era A Lôba, que meus poderes super-heróicos me permitiriam vencer qualquer desafio, salvar todos os meus amigos, e ser admirada, reconhecida e às vezes respeitosamente temida. O Caminho era reto, estreito e longo, dentro de uma Mata Atlântica escura, como numa trilha que fazemos por lugares bonitos e conservados. Por essa estrada passavam umas pessoas tristes, do lado direito, em fila única, mas afastadas em intervalos irregulares, porque caminhavam sozinhas. A pessoa logo à minha frente, eu vi quando decidi ultrapassá-la, era ela. Ela usava um capuz, mas por baixo do capuz eu vi seu cabelo tão loiro que brilhava como num quadro do Rembrant. Mas não era ela, ela. Ela estava triste, mas eu não. Eu sou invencível. Eu chamei-a para subir na moto comigo, trocamos algumas palavras, na minha frente, pelo lado esquerdo, vinha um caminhão pela outra mão. Urgi; ela subiu, de túnica mesmo, e disparamos, desviando das pobres pessoas que tinham que aguentar o caminho e o aperto do caminhão. Disparamos, e no final daquela trilha reta estava O Castelo, alto, cheio de torres imponentes, um castelo Disney só que negro, numa perspectiva estranha como num quadrinho, para ressaltar o portão enorme na frente (aliás, falando em portões, me lembre de contar a história do jogo dos Pôneis). Na frente do portão, estavam os Guardas, um vestindo uma armadura de placas lisas de madeira, e o outro usando uma armadura estranha, que tinha bolas ocas como seios no peito, e no cinturão tinha uma tora de madeira que queria significar um pênis gigante. Tive a impressão de que esse guarda tinha peitos, mas não achei que fosse uma mulher.
Estávamos numa casa de campo de algum tipo, com quartos de visita e armários vazios. Fomos lutando com os guardas, usando paus contra os bastões e a armadura deles, casa adentro. Eu e ela nos separamos, havia um terceiro homem, e ela estava lutando com ele enquanto eu lutava com os dois guardas -- uma luta estranha, ritual, que foi misturando danças sexuais envolvendo a estranha armadura-arma que ele usava, aquele pênis gigante ora servia como um bastão ou um porrete, ora como um pau. Até que o outro guarda, o do peito plano, apareceu gritando e fazendo um escarcéu, que eu era uma vadia, que queria roubar o homem dele (acho que então eram um casal gay), e querendo me bater, me matar, briguei com ele (eu sou invencível) enquanto o convencia de que não, seu maluco, é só uma dança-luta-ritual, não estamos fazendo sexo, puxa vida. Subjuguei o casal de guardas e fui procurar por ela, que estava tentando assassinar um homem, batendo nele e jogando coisas de vidro na cabeça dele. Tentamos impedi-la, eu e -- outro homem -- tentamos convencê-la de que ela não precisava matar, nós nem estávamos entendendo o que estava acontecendo. Ela jogou um aquário gigante na cabeça do moço desacordado, e a cabeça dele rolou pelo chão. Eu me desesperei por um momento, mas ela começou a chorar de novo, disse que era de mentira, o moço de verdade estava escondido (desacordado) debaixo da cama, ela nem coragem de matá-lo tinha, que merda ter tanto ódio e sequer conseguir dar o troco que merece.
E como costuma acontecer com os sonhos interessantes, esse também nem acabou, e eu acordei.
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