quarta-feira, 29 de abril de 2009

Minha mãe e um orc.

O Diogo e o Ugo vieram me contar as histórias do jogo de RPG de sábado, algo sobre uma clériga de Lena, um orc bárbaro, um elfo perdido e um pseudo dragão contra um mago malvado. Bem. Aí contaram a parte em que o dragãozinho tentava tirar a concentração do mago, e ele gritava umas coisas tipo:

"Imagina um orc pelado! Agora imagina sua mãe pelada! Imagina um orc comendo sua mãe pelada!"

Estou dizendo isso tudo porque depois de ouvir isso algumas vezes foi umpossível não visualizar (mas sem muitos detalhes — uma mãe genérica com mais ou menos o mesmo tipo físico da minha e um orc genérico com cara de orc genérico fazendo sexo), mas eu meio que não tive nenhuma repulsa particular pelo pensamento, nenhuma esperada resposta emocional capaz de realmente me tirar do sério com uma imagem dessas. Por um lado, isso me pareceu normal, afinal, imagens não têm nada de especial e a gente não deveria mesmo ficar muito impressionados com as coisas que a nossa imaginação produz, seja o que for. Por outro lado, achei o fato de essa ser uma imagem que teoricamente deveria me causar qualquer coisa, e o fato de não ter causado nada, meio curioso, e resolvi elaborar uma explicação. A minha explicação é a seguinte:

Em primeiro lugar, eu até entendo a dificuldade de imaginar que os pais sejam seres humanos e façam sexo, mas eu não tenho essa dificuldade. Pra começar porque meus pais não dão a menor abertura para idealizações infantis — já faz anos que eles nos tratam como adultos exatamente no mesmo nível deles, inclusive pedindo conselhos (e inclusive muitas vezes só nós filhos conseguimos manter calma suficiente para resolver algumas questões familiares); depois, porque meus pais falam de antigos namorados, dos nossos namorados, de sexo e do que eles pensam sobre todas essas questões sem grandes tabus, sabe? mas sem entrar em detalhes, também, porque no fundo ninguém quer fazer o papel de melhor amigo com os pais enquanto isso puder ser evitado. É uma questão de manter as funções separadas. E em segundo lugar, sexo é uma coisa natural, bacana e que em geral traz mais bem do que mal, e na real acho que todos deveríamos fazê-lo. Apesar de eu não gostar de pornografia eu não acho que sexo seja uma coisa nojenta. (*na verdade, eu só acho nojento mesmo coisas que não combinam: por exemplo, boca e bile não devem ser combinadas. definitivamente.)

Por outro lado, eu também não imagino orcs como bichos nojentos. Desde que houve a reversão dos conceitos de bem e mal, e se abriu a possibilidade de considerar qualquer criatura como fundamentalmente neutra, ou como uma possibilidade biologicamente plausível, os monstros clássicos se tornaram menos monstruosos para virarem apenas criaturas um pouco grande, um pouco feias, um pouco más, mas não conceitualmente horrendas como eram antes. O que quero dizer é que o orc não é intrìnsecamente feio. Ele só é um orc. Eu imagino o orc como um homem grande, gordo, muito musculoso, de pele preta ou cinza (a menos, é claro, que eu passe muito tempo jogando warcraft...), como aqueles grandes porcos de criadouro, com uma fuça meio estranha, narinas maiores que o normal, uns dentes de javali e orelhas de porco apontando para cima. No geral, um porcão bípede, mas não necessariamente feio. Até porque os porcos não são feios, eles só são porcos. E eu convivi com homens musculosos minha vida inteira (eles não são especialmente raros) e sei que eles podem ser bonitos. É só olhar pros super-heróis da DC. Ou pra um vilão. De qualquer forma, eles estão por aí. Então, se pra mim o orc é só um homem grande, ele pode ser legal também. Eu não imagino um Uruk-hai, nem uma criatura diabólica, eu imagino um homem-porco. Acho que um orc tem até potencial para ser sexy. Por isso, também não tenho problemas pra imaginar um orc fazendo sexo.

Cheguei a pensar que talvez, como isso dos pais tem a ver com complexo de Édipo e tal, eu deveria pensar pelo lado de "meu pai e uma orca"... Bem, não sei, ainda não é o tipo de coisa que me deixaria perturbada, ainda mais se fosse uma orca bonitinha.

Estou dizendo isso porque o orc é uma criatura típicamente masculina, ele é meio que o estereótipo do homem sem características femininas, o bruto que aparece nas histórias pra beber, quebrar cadeiras, urras, cheirar mal, e usar sua força para estuprar mocinhas descuidadas. Ok, não quero ofender os homens, mas estou dizendo que ele é uma criatura sem leveza, sem suavidade, sem delicadeza, sem sentimentalismos. Ele só tem características 'masculinas', as características mais brutas, dos homens que não querem ser chamados de viados, do machismo violento. Nada a ver com o "homem moderno", o "homem sentimental", que tenta encontrar equilíbrio entre razão e emoção. Não, o orc é um homem duro, sem palavras doces, que acha que emoção é coisa de donzela e de poeta. E que não respeita ninguém, quer dizer, só respeita o orc mais forte.

E a orc fêmea seria o quê? A mulher do orc? Mas a mulher do homem forte pode ser tanto a dona de casa com fibras de aço fazedora de filhos quanto a gostosona destruída. A mulher do orc ou é um orc ela mesma, ou é um nada. Mas tentemos imaginar o orc não como conceito, mas como espécie possível: o homem musculoso, de cor esquisita e com nariz de porco, só isso. A mulher-porca é uma imagem usada sempre para personagens feias, gordas de seios caídos que se vestem de modo a ressaltar seus defeitos, têm cabelo desgrenhado, são sujas e dentuças (com exceção da super-pig, é claro). Mas imaginemos uma porca limpa, uma porca asseada, bonitinha. Não é adorável? Agora imagine um orc sorrindo e uma orc mulher-porca sorrindo de volta, e nós temos um lindo casal monstruoso! Oh yes! E eles vão formar uma linda família numa linda casinha na Improbable Island até que um herói venha derrubar sua porta, cortar suas gargandas com uma motosserra e roubar todos os seus bens. Mas isso é outra história.

4 comentários:

Utak disse...

E eu achava que minha imaginação era fértil. Você poderia plantar bananeira e ficar lá pra sempre...

Diogo disse...

Boca e bile é algo realmente estranho...

Mas bem, eu não sei até que pontos as pessoas imaginam coisas, mas sei que não são muitas as pessoas que ficam realmente transtornadas com essas imagens.

Na verdade esse é um desses estoriótipos que as pessoas constróem, que nem o suco do bandeco, que nínguem sabe doque é feito.

Ah, sobre os orcs, oque eu imagino que tornem os orcs monstruosos seja a cultura deles...

Charles Bosworth disse...

Em geral eu acho o RPG curioso porque ele tem toda uma linguagem do século XIX. Já repararam?
Por exemplo, a palavra raça, usada para descrever os diferentes povos. Tá bom, é diferente do uso no nosso mundo, mas é curioso como o RPG se desenvolveu a partir de livros e discursos escritos no final do XIX e começo do XX (estou pensando no Senhor dos Anéis principalmente).
E a idéia de que os orcs são irremediavelmente cruéis e brutais é parte disso. Você não pode imaginar um orc bonzinho. Porque a cultura dele não permite, ou porque a raça dele não permite; qualquer que seja a explicação é uma explicação meio ultrapassada hoje em dia. Ninguém mais pode dizer que todos os germânicos são bárbaros e rudes seriamente. Quer dizer, ninguém admite que a raça ou a cultura criem povos onde todos seguem o mesmo tipo e são iguais (como os orcs, que são todos guerreiros; ou como as visões imperialistas, de que os nativos são todos preguiçosos). Hoje em dia é mais comum a noção de que existem sim germânicos fracotes, africanos industrialistas bem-sucedidos, indianos eruditos. Mas não existe um orc sensível, um orc bardo (não conta os que gritam), um orc mago...

lp disse...

Interessante o comentário do Chaules.

E você discorreu bastante tempo sobre o tema... haha