domingo, 19 de setembro de 2004

Só pra Saber Ser...


Hoje é dia de guerra. A guerra, de todos os outros dias. Hoje, como todos os outros dias. Eu observo no cone brillante uma carta caindo de uma gota d'água. Um rei de paus tocando a mesa suavemente. Não entre nos bares, esqueça os amigos... Tomo um gole de saliva grossa, sedenta. Suspiro e me sinto só.

Hoje é dia de trégua. Da guerra, a guerra da vida, a disputa do dia inteiro. Eu sempre queria te ver hoje, mas hoje também, tenho medo. Talvez a distância seja mesmo uma vantagem. Hoje não vou querer ver ninguém.

Estas lágrimas estão atrapalhando a minha visão das teclas. Estão molhando meu rosto. Amor um mal, que me mata e não se vê. Estão estravasando uma dor que não transborda. Essa dor que não tem nome, um não sei quê, que nasce não sei de onde, vem não sei como e dói não sei por quê... Essa dor que não tem palavra. Há uma qualquer coisa no meu dentro, doendo sem doer. Será que dá para entender uma coisa que não se é? Pois hoje não me sou.

Hoje eu me sinto apenas solitária. Só. Há uma dor, uma dor que eu nem sinto direito. Mas o quê? Eu estou tão tranqüila. Minhas mãos se movem rápidas, mas sem razão. Meu corpo dói. Minh'alma chora. Tem algo de fundamentalmente errado nisso tudo. Mas o quê? Qualquer coisa que eu sinto e não entendo. Dá pra entender? Quelquer coisa que doa e não se sinta...

Coisas que passam pela minha mente, sem motivo, sem fundamento. Lembranças meio vazias: como coisas realmentem antigas, não existem mais. Houve um tempo em que eu não acreditava em amor. Realmente não acreditava. O amor me parecia completamente incompreensível e absurdo; talvez tão estranho quanto o sexo, só um pouco menos nojento. Mas no meio do tempo, cheguei à conclusão de que, se eu não gostava de boneca, tinha que amar alguma coisa. E o quê eu amava? A natureza! A música, a dança, a poesia... Mas principalmente a natureza, que de música e poesia eu nem tinha muita noção. Aí, pela primeira vez eu comecei a gostar de um menino, eu tinha uns sete anos... Não foi sério, eu não senti nada, mas ele era lindo. Minto: senti ciúmes. Foi a única vez que senti ciúmes concientes e verdadeiros em... dez ou doze anos. Depois, eu não consegui entender: por que conseguia gostar de três meninos ao mesmo tempo (isso eu tinha uns dez anos)?; no fundo, eu dizia que gostava, só pra não me encherem o saco. Aí veio o ginásio, que foi ao mesmo tempo céu e inferno.
Na verdade, tudo continuou tão infernal como sempre; mas talvez eu tenha me adaptado o suficiente para gostar desse inferno. Comecei a adorar baladas, talvez até porque as pessoas adoravam me ver dançar.[NOTA: o que a gente chama, ou chamava de balada, é mesmo aquela festa de quatorze e quinze anos (porque eu não vou a uma há tempos) onde se toca música com ritmo forte, pulsante, letras meio sem sentido, mas que estranhamente refletiam todos os meus sentimentos no momento, e melodia questionável... que começa às onze e termina às seis... onde não dá pra conversar sem gritar, direito, então a gente só dança!]
Eu dançava como uma salamandra drogada. Me equilibrava no não-equilíbrio. Cantava aquelas músicas olhando nos olhos do cara que eu mais queria no momento, sabendo que ele nem ia ver, por mais que ele olhasse pra mim. Desligava a mente, me explodia no arrebatar de todos os sentimentos, não pensava em nada. Minto: sempre pensei demais. Mesmo em baladas, quando só uns dez por cento da mente funcionava de verdade. Mesmo assim, eu curtia pra caramba. Ser livre, mesmo que por um segundo, por uma madrugada, chegava em casa fedendo, nojenta de mim, cansada, mas sempre ficava até o fim da festa, ria, não tinha medo de quase nada. Nunca 'fiquei', nunca bebi mais que um copo de... alguma coisa com vodka e pêssego, isso na pior dessas festas.

Eu não acreditava em amor. Assim como não acreditava na humanidade, não acreditava de verdade no amor. Não acreditava em casamento, não acreditava em monogamia. Não consegia entender como alguém poderia desejar apenas uma pessoa.

Sinceramente, como eu fui tôla. O tempo todo, desde que nasci.
Um belo dia descobri em mim um sentimento que destruía tudo o que eu sentia: não era mais um amor de amigo, não era mais amor de irmão, também não era simpatia, nem admiração, nem atração sexual. Todas essas coisas eu entendia! Mas um belo dia eu descobri um cara que não era meu amigo nem meu irmão, não era meu ídolo, não era meu perceiro, eu nem achava ele bonito (na verdade, só descobri que não achava ele feio quando ele falou que era) nem queria beijá-lo nem nada. Eu não estava apaixonada por ele; mas o que senti só pude chamar de amor.

Mas, meu Deus, como fui tôla!
Se eu achei que tinha mudado alguma coisa, desde a primeira vez que achei quis um cara especial, na primeira série, na primeira quadrilha, gente, como eu pude ser tão estúpida?!

Por que a gente não pode simplesmente desencanar, desistir dos nossos objetivos, ficar com o que for mais fácil, tentar ser feliz, por que a gente precisa realizar nossos sonhos?!

Toda quimera se esfuma
como a brancura da espuma
que se desmancha na areia.


Estas lágrimas estão atrapalhando meu raciocínio.

Por que sempre tem alguém que sai perdendo...?

Eu ouço sua voz, sua voz, ecoando no abismo, gritando meu nome.
Demoro a perceber que é só o vento nas folhas.
É o vento nas folhas, como posso chamá-lo de "só"?!
Quando eu te escolhi, você era só um cara estranho.
Agora parece óbvio porquê eu gosto de você.
Mas não é. Você não é. Não é! Você não pode ser tudo aquilo que elas acham que você é.
Porque quando eu te escolhi eu não conhecia nada disso.
Vi só sua doçura, só isso. Só isso. Droga.
Homem nenhum pode ser tão perfeito quanto vento nas folhas.
No entanto, no entanto...

Nenhum comentário: