quarta-feira, 15 de setembro de 2004

Íris

(Ninguém disse que o vermelho não pode transformar o azul em verde...)

Hoje eu vi um menino de olhos verdes.
Sim, verdes. Verdes como não deveriam-no ser. Verdes.

Eu não sei porquê estavam verdes. Posso apenas imaginar; mas sabemos (ou eu imagino que saibamos) que minha imaginação é sempre em favor da minha satisfação -- e assim, eu imagino somente o que eu quero que seja a verdade, com maior força quanto for maior a chance de ser verdade. E dessa forma eu imagino a melhor das hipóteses, e espero sinceramente que seja a verdadeira -- e dessa forma esqueço qualquer outra possibilidade, para o meu próprio bem.

Afinal, na minha ignorância fiquei a apenas olhar para ele, admirando a dor do seu olhar verde meio perdido, meio abandonado. Eu via nesses olhos um resquício de poder realmente grande, com o qual se sustentava bravamente da compreensão humana, tigre solitário do qual ninguém teve de sentir dó. Mas era um tigre confuso, críticamente destacado da paisagem e ao mesmo tempo à mercê das ondas do mundo, quebradas suas certezas e seus sonhos, como se, contra tudo e todos, pudesse ter se apaixonado por uma corça.

(Sim, uma corça. A corça é um animal que nunca vi, e pouco ouvi falar. Mesmo assim, penso nela com bastante freqüência, e não sei porquê. E acho que, se um tigre e uma corça partilhassem o mesmo espaço geográfico, o tigre fatalmente encararia a corça como uma presa em potencial)

Eu queria segurá-lo, perguntar o que estava acontecendo, pois por mais de um momento ele me pareceu completamente indefeso. Mas não pude. Tive mêdo. Tive medo de que ele mesmo não quisesse ser segurado, talvez porque isso apenas aumentaria sua fragilidade. Como aquele menino de Menino Deus, que começou a me bater, com muita força, quando perguntei porquê ele estava chorando. Ficamos agressivos quando estamos deprotegidos. Matamos qualquer coisa que se aproximar de nós.

Mas ainda há qualquer coisa de divino, um sentimento qualquer que quebra todas as regras. E nesse sentimento, o dia transcorreu naquele mar de verão, cuja cor não era a do céu, aquela cor de alma desnuda e aquele olhar, "não fujas não, que a gente já não tinha mêdo...", e eu queria protegê-lo, queria ampará-lo, apesar de ali entào ser mais uma lembrança que uma visão. Pois isso tudo foi antes, muito antes.

Durma, meu anjo. Eu te protegerei, até que a morte me carregue para junto de ti.

Não. Está errado. Essa frase é bonita, mas está errada. Seria mais certo dizer: "eu te protegerei, até que a morte te traga para junto de mim."
Mas isso foi depois. Bem depois....

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