sábado, 11 de junho de 2011

Chão

Sabe, a USP é um dos lugares de que eu mais gosto na vida. Vivi tanta coisa lá e é um lugar tão bonito. Às vezes, quando acontece de eu passar muito tempo indo pra lá sempre de carro, eu sinto falta de ir a pé, atravessar a praça do relógio, pisar nos cimnhos pisados nas alamedas das ilhas, observando a todas aquelas pessoas que passam por mim, estudantes, professores, vendedores de comida, funcionários da limpeza ou da administração, diretores, passantes.

Devem existir lugares melhores no mundo, em outras cidades, em outros países, em outros continentes. Talvez outras universidades, ou talvez lugares selvagens, ou parques temáticos, eu casas de pessoas que ainda não conheci, ou mesmo casas de pessoas que já conheço, ou colinas mineiras, ou... Mas a usp é minha casa, e vai ser por mais algum tempo ainda. Lá eu me sinto mais gente do que em qualquer outro lugar. Lá o que eu faço é de verdade. Lá sou mais competente do que jamais serei na casa dos meus pais, sou mais ambiciosa do que jamais serei nos lugares selvagens, sou mais humana também, e a usp tem um efeito mágico em mim de fazer o futuro parecer um pouco mais possível. E também tem todas essas lembranças boas, me convencendo de que eu sou gente afinal.

Sabe, quando eu ando pela cidade, eu me sinto quase sempre uma estranha nesse formigueiro humano. Eu estou cansada e não há lugar em que se possa descansar. Se eu deito num banco, vêm um cara dizendo que é proibido deitar. Se eu sento na calçada, vem um cara dizendo que é proibido sentar. E não tem lugar pra correr, e é proibido subir em árvores, e é proibido pisar na grama, e vão tomar no cu todos vocês; no final do dia eu estou sozinha, nenhum desses lugares me pertencem, em nenhum deles eu sou querida, e eu não posso sequer ir embora. É muito melhor simplesmente andar e andar, até chegar num lugar onde eu esteja sozinha, eu e as coisas inanimadas, porque as coisas inanimadas não me rejeitam.

Houveram lugares na vida que me acolheram: as praças perto do colégio, a Cajaíba, Paúba, um ou outro bairro residencial... E, bom, a USP. Acho que a USP é mais especial porque ela não é a praça perto do colégio, ela é o colégio. E eu não ando por ela apenas com meus amigos mais íntimos, mas com todos os que estiverem aqui. Até gente que nem estuda aqui! Porque aqui eu posso jogar RPG, jogar baralho, subir em árvores, dormir no chão, beber, dançar, namorar, brigar, construir coisas, destruir coisas, comer fruta no pé, observar animais selvagens (inclusive corujas e preás), cantar, assistir peças de teatro, ver filmes, comer, trabalhar, virar a noite, correr, discutir assuntos muito diversos, fazer amigos, assistir aulas diversas, entrar em palestras, passar oito horas no computador, começar qualquer assunto sem ser taxada de nada (é claro que isso é com as pessoas certas), conhecer gente muito diferente de mim e ainda me sentir em casa...

Acho que por isso, o fato da USP ser um lugar tão ridiculamente perigoso à noite me dói muito mais. A gente meio que mora aqui, a gente vive aqui e eu pretendo viver aqui por muito tempo ainda. E eu gostaria de poder correr por todas essas ruas como se elas fossem corredores da minha casa, com mêdo apenas das quedas e dos animais perigosos, e não da cidade lá fora, a Selva Humana que é muito mais assustadora que qualquer outra selva. *sigh*

É claro que eu gostaria que a cidade fosse um lugar mais público, que as ruas fossem um pouco mais nossas. Mas eu sinto muito forte essa necessidade de que as ruas que já são nossas sejam boas para nós.

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