sábado, 9 de outubro de 2010

Irmão de Caça

Lembro da primeira vez que te vi de pé à beira deste meu mar, de como foi bonito e emocionante. Nunca cheguei a te encontrar, nunca cheguei a falar contigo à beira deste mar. Mas vi que você via; te via às vezes passando ao longe, navegando, domando as velas negras do Sonho, cavalgando vento e ondas. Você cresceu sem mim. Eu estive longe.

Eu estive longe a correr pelas florestas, pelas dunas, pelos espinheiros, eu estive matando monstros e demônios e me cobrindo de sangue. Você esteve conquistando o mundo, longe e perto de mim. Eu passei um tempo longe naquela cidade-fantasma que construí com tamanho carinho e para a qual chamei todos os meus novos amigos, aquele lugar de sonho onde as coisas não se destruíam. Você veio uma vez, olhou para tudo aquilo com curiosidade, depois torceu o nariz, deu de ombro e me chamou para uma aventura no mar, qualquer coisa mais instintiva do que aquela farsa. Eu até fui... mas voltei, saudosa, teu mundo não é mais meu e eu voltei a construir minha cidade, fiquei aqui, sim, sem dúvidas, e feliz até, até o dia em que Ele veio e com um pousar no chão fez tudo virar brasa, fez a cidade arrasada virar pedra, vir ao chão. Aí eu chorei.

Eu chorei e me enterrei junto aos escombros, vazia e fraca, lembrando todas as ruínas que já deixei para trás. Mas o Castelo Abandonado agora é um paraíso de ramos e flores comendo as paredes e derrubando vidraças - tudo se renova - e a À Entrada da Caverna nem existe mais. Eu fiquei aqui, junto a estes escombros, olhando as pedras e as dores e as memórias destruídas, tudo tão caro e tão inútil, tanta dor, e nem sei se um dia você entenderá do que estou falando. Eu olhei para as minhas pedras, machucada, e sequer havia ali a beleza da destruição, a dor da morte, o Sangue. Ele olhou pra mim, imperioso, e eu ao me humilhar bati no fundo da minha ruína e voltei com um jorro de raiva; e pela primeira vez eu lutei contra ele e o expulsei. A cidade estava vazia, já nem parecia cidade, as pedras eventualmente seriam só pedras e eu poderia passar por aqui novamente. Veja, há até uma pequena flor nascendo desta fenda junto aos meus pés!

Então eu saí da cidade, mas você estava tão longe... Eu tinha um mundo de terras a atravessar, e você continuava a navegar, lugares onde eu nunca tinha estado. Tudo pareceu tão diferente agora que a ilusão tinha acabado. Por um tempo eu fechei os olhos e evitei voltar aqui, evitei pensar nestas terras, nesses mares, nas nossas aventuras... Você voltou e tentou me chamar, mas eu tinha tanto a reconstruir, tanto que eu deixara degenerar, e ao mesmo tempo tantas coisas novas que eu precisava criar, erguer, firmar e povoar que eu disse, tantas vezes, não. Suas aventuras eram alguns dos meus sonhos! Mas eu já não sou exatamente aquela pessoa que eu costumava ser, e existem coisas e pessoas às quais eu não posso dar as costas.

Eu queria que tudo se encaixasse, que a gente pudesse ir caçar juntos, mas me parece que por agora nossas caçadas serão em nichos diferentes. Mas não desista, irmão, que ainda voltaremos a correr juntos, que ainda lutaremos na mesma arena. Não me esqueça ainda.

Don't write me off just yet.

Um comentário:

hitaisaka disse...

oi.
achei seu blog só hoje.

li esse post e me lembrei de coisas que ouvi em minha viagem à ibiuna.

montei imagens fortes na cabeça.

ideias se formaram.

eu vi a reação dele quando leu seu texto.

só posso te dizer obrigada.