quinta-feira, 28 de maio de 2009

E essas coisas

Eu me pergunto o que estou fazendo aqui. Esperando o próximo fim de semana, a próxima aventura trivial num mundo extremamente mágico; o próximo beijo. Quem sabe se fechar os olhos haverão dragões. Os dragões estão todos mortos neste mundo. Mas quem sabe, se eu andar e andar e andar, eu consiga chegar num lugar onde há dragões. Balanço a cabeça e me concentro na próxima tarefa. Mas minha mente cheia de perguntas não se concentra em nada. Os dragões estão mortos neste mundo, e sinto tremenda saudade de haverem dragões.
E sigo: tento lembrar quem eu era, ter qualquer lembrança, qualquer vislumbre, mas a lida te endurece e rareia o cabelo e avermelha a pele e antes que tomemos conta estamos velhos — velhos como macaco velho, sabidos, antigos e maus. Se passar tempo demais, pode acontecer, morremos. Se passar tempo demais viramos poeira por dentro. Agora mesmo estou cuspindo fuligem. Agora mesmo estou procurando ajuda, e não vejo ninguém.
Deve ser assim que os velhos se sentem, sozinhos, quando todos os seus amigos estão mortos ou senis. Deve ser assim que se sentem rodeados por crianças que sabem tudo e por um mundo que não compreendem. Como um estrangeiro, como um prisioneiro, sonhando de noite e de dia com aquela casa enorme da sua infância. Eu também tenho uma casa enorme na minha infância. E eu sinto tanta saudade daquela casa...
Parece que todos os meus amigos estão mortos, só que quem foi embora fui eu. Eu não vejo casa vazia, eu não vejo casa nenhuma. As coisas que eu faço, as tarefas, as perquisas, eu sou como aquele empregado que detesta seu trabalho e trabalha pra sobreviver. Eu nunca sei por onde começar, cada vez mais eu não entendo nada, eu procuro, eu preciso de ajuda, estou cansada de estar sempre sozinha. Mas quem sabe não estamos sempre sozinhos o tempo todo, e apenas eu não perceba porque eu sou eu e vejo apenas através de meus próprios olhos. Estou tão cansada de nada nunca dar certo.
Estou como que lutando uma guerra em terra estranha, não posso voltar enquanto não vencermos, não posso abandonar essa batalha; morrer seria mais honroso; quero voltar para casa, nunca mais estive em casa, sinto falta de tudo lá, e lá sempre haverá dragões... Como tenho mêdo! Tenho mêdo de não poder voltar, tenho mêdo de lutar para sempre; e se a guerra nunca acabar? As pessoas aqui são estranhas, mas aos poucos vou fazendo amigos. Aos poucos, muito, muito devagar, eles vão entendendo que sou ao mesmo tempo como eles e completamente diferente. Aos poucos também vou pegando a manha deste modo de vida, quando não estou gritando de desespero no meu quarto, vou entendendo as sutilezas e as belezas desta terra, e vou me tornando eles, mais e mais. Quando voltar para casa quem sabe eu terei habilidades úteis para emprestar aos meus conterrâneos. Ou será que ao voltar para casa, minha mudança terá sido tamanha que mesmo lá serei apenas diferente?
Olho para trás, o caminho de casa não existe, eu haverei de andar por léguas sem fim em busca desse lugar sagrado, eu andarei o mundo à procura de mim. É preciso que o tempo dure pra sempre para que eu possa encontrar meu lugar. De onde eu venho, existem pessoas que vivem para sempre. Assim eu poderia ver tudo, encontrar tudo, eu quero conhecer tudo e estar em todos os lugares. De onde eu venho, é esse o sonho de todas as crianças. As crianças crescem para viver assim.
Aqui, não, aqui somos todos guerreiros, não posso me distrair com bobagens porque ainda tenho muito o que aprender para poder lutar bem. Essa guerra é a minha vida. Aos poucos vou começando a entender que a vida é assim mesmo, que é aqui que vivemos, que é isto o que fazemos; aos poucos vou esquecendo de anotar o caminho de casa, aos poucos vou me afastando mais e mais e mais. Depois daqui, para onde será que eu vou? O mundo é imenso, e eu não tenho mais casa, eu devo percorrer o mundo inteiro, é isso que eu sou.
Eu sinto que estou perdendo tempo. Acho que estou atrasada. Vejo meus colegas fazendo projetos, pesquisas, participando de concursos, trabalhando. Eu não posso fazer nada disso, eu me dedico inteiramente a esta guerra. Esta guerra é a minha vida. Contra quem estamos lutando? Pelo quê estamos lutando? Eu não pergunto nada, apenas sigo as ordens. Eu não posso desistir da minha batalha. Mesmo se eu nunca vencer, continuarei lutando, continuarei tentando, até que seja o fim de tudo. De nós. Mas se eu não viver para sempre, enquanto eu estou nesta guerra eu estou para sempre morta. Tenho medo de um dia estar velha e cometer suicídio. Tenho medo de um dia ficar inconsciente.
Outra coisa de que tenho mêdo é de nunca encontrar o caminho de casa...

4 comentários:

Utak disse...

Não temos outra opção além de olhar pra frente e derrubar o inimigo. E se responsabilizar por essa batalha. Essa luta, cada um luta também, creio eu. Eu, pelo menos, luto e vejo os outros lutarem. Luto sozinho também, muito difícil pra mim, mas luto sozinho. Se pudesse, lutava em grupo, mas não tenho verdadeiros irmãos, não tenho verdadeiros parceiros, ainda não. É difícil estar sozinho, mas estar sozinho é apenas mais uma batalha a se ganhar. O que eu posso te dizer é que sinto a mesma coisa que você, talvez menos intensamente, mas que é uma batalha que cada um tem que lutar...

É como eu digo: se a vida nos dá limões, é contra eles que teremos que lutar.

Utak disse...

Sei que não é muito novo o que eu disse, mas é exatamente isso que é. Mesmo que isso não justifique sua batalha, o que a justifica é que a única coisa que você pode fazer é batalhar, e tentar aprender o máximo durante ela, porque a próxima com certeza vai ser mais difícil.

Bruno K disse...

sabe marina, creio que você está em casa, imagino. a única coisa é que você nota que sua casa não é como você imaginava. estás notando mais detalhes reais nela.
a casa ideal a que tu te referes provavelmente é como você via quando era criança.

você tem a sensação de que no mundo, em algum lugar, talvez na república tcheca, tenha alguem mais semelhante a você (amigos em potencial)? eu muitas vezes penso que há essa possibilidade para mim. no caso romantizo que haja uma loira intelectual sensível na frança, da qual eu poderia me aproximar...

mas há as fronteiras físicas sempre. e sempre há as fronteiras temporais para as saudades do "lar" antigo. no caso eu tento crer que a partir de mim mesmo eu posso recriar a minha "antga casa". que o modo como vejo a vida só depende de mim, e que isso define como chegar ao mabiente que existia naquela casa.
podemos ter saudades de amigos antigos. mas todos mudam...
espero não ter escrito um texto

longo e chato.

e respondendo uma pergunta tua de longa data, não te considero uma adolescente retardada que escreve em blogs. como tú vês eu me interesso por teu blog.

Rafael F. disse...

Tem textos seus que alcançam alguma coisa. Alguma coisa além deles mesmos, ou seja lá qual for a metafóra. Já percebeu isso? Ou será que é da minha cabeça?