Will se debruçou sobre a amurada, admirando a paisagem. Entre seus olhos e o mar: duas gaivotas, marolas, sinais de paixes, e o Won-Tolla no canto do olho, içando as velas e ronronando para longe da poita. Uma brisa salgada jogava cabelos clareados pelo sol no rosto do menino. Will nem percebeu.
Passos. Suaves, mas perfeitamente audíveis sobre o sussurro marítimo. Um homem alto de cabelos negros curtos se aproximou sem qualquer encenação.
— Uma semana, William. —, disse ele.
Foi só isso. Tirou um cigarro do bolso da camisa azul e um isqueiro do bolso da calça. Pôs o cigarro na boca, as mãos em concha. Não abriu os olhos. O punho fechado de Will atingiu com força seu rosto desprevenido.
— Fuck you, Raven.
Foi tudo o que o jovem Will Grant conseguiu formular. Encarou por alguns instantes o homem estupefato, com olhos intensos que contiam algo pior do que o soco e o olhar. Depois apoiou-se outra vez na amurada, com o mesmo olhar fixado no horizonte. Entre seus olhos e o mar: cinco gaivotas, marolas, um barco pesqueiro, uma canoa; e o Won-Tolla, no centro da imagem, de velas içadas, se afastando suave da frota que sempre escoltara. Will levou a mão aos cabelos, tentou debalde prendê-los atrás das orelhas. Pouco compridos, volumosos demais. O homem atrás dele pôs o isqueiro no bolso, pegou o cigarro do chão, se levantou, guardou o cigarro no bolso, limpou com as mãos a camisa e a calça, arrumou o cabelo com as pontas dos dedos. Quando terminou, pegou outra vez o cigarro e o isqueiro, e pôs o cigarro na boca. Will, saiu andando em direção à proa. Andando primeiro, enquanto Raven guardava o isqueiro com pressa e tirava o cigarro da boca para perguntar aonde ele ia; depois, correndo, enquanto o homem tentava se aproximar. Por fim, em disparada irracional, por sobre cabos, âncoras, redes, por entre caixotes, por baixo de velas e escadas e cabos e roldanas de todos os tamanhos, sem destino ou direção; apenas queria correr, correr, fugir, e quando acabou o barco pulou tolamente para o cais, e sequer sentindo a dor da queda correu pelos píers, pelas docas, pela praia, por galpões; alcançou a cidade, percorreu ruas e ruelas, enfiou-se em becos, atravessou salas de visitas, cruzou praças, ilhas de avenidas, estacionamentos. Parou de correr quando pulou um muro sem calcular a altura e viu-se a rolar ladeira a baixo, passando ao seu lado árvores e bancos de uma praça notavelmente íngreme, até que parou num baque doloroso contra uma falsa seringueira, rodeada de grossas raízes. Seus olhos perderam o poder do foco, e os pensamentos foram ficando cada vez mais confusos. Sentiu uma dor aguda vinda de seu joelho direito, que derramava na terra rios de sangue. Seu pulmão parecia queimar, e era difícil respirar. O ritmo cardíaco foi baixando, e todo o corpo ficava mais insinsível. Entre ele e a morte, apenas: um par de gaivotas, um pingente de espada, uma tornozeleira; e o Won-Tolla, no centro de tudo, desaparecendo por trás da ponta do Farol.
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