quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

Uma Vírgula.

Eu diria que o ser é apenas parte do não-ser, mas eu não acredito nisso. Ser em si é a razão de tudo o mais. A textura dos troncos das árvores, o cheiro da terra roxa e das folhas jovens que nascem nela, o sorriso do desconhecido diante de um gesto de simpatia, tudo isso justifica nosso desejo incontrolável de viver. Por viver.
Sinto-me como uma criança, que descobre um inseto novo, que faz planos complexos e os esquece em poucos segundos. Semana passada eu vi o meu primeiro louva-a-deus, e ele não era tão assustador quanto parecera. Durante essa semana que agora acaba, peguei o hábito de andar de ônibus, fiz um amigo, desenhei, fiz compras na Teodoro.
Mas tudo está ainda muito pela metade.
Sou uma criança que tem mêdo de errar, que só arrisca quando está sozinha, muito longe do olhar da mãe — porque a mãe, veja só, a mãe percebe todo erro muito logo, mas os desconhecidos acham que você sempre sabe o que está fazendo. Não conto mentiras, mas também não conto verdades. Respondo o mínimo, que quanto menos se diz menor é a chance de falar algo que ofenda ou fira. Mas será que o silêncio pode também causar uma má imagem?
Não acredito nas pessoas, porque sei que todas são más, por dentro ou por fora. Mas também são todas boas. Sou uma criança que precisa de carinho, compreensão, contestação, respeito, espaço, explicações. Para mim nada é óbvio, nada é simples, tudo tem um sentido profundo por trás. É preciso haver respeito, esforço, beleza, delicadeza, empatia, sutileza, aparência. É preciso valorizar o silêncio, a nudez e o ímpeto. E, principalmente, não se pode desprezar o café-da-manhã. Por mais que a noite seja a soberana dos sentidos e sentimentos, o café-da-manhã é a medida das coisas da alma.
Acho que a maior beleza da infância é a maneira como tudo se aprende. É preciso estar disposto a aprender, e cada coisa nova (e há tantas coisas novas!) é uma pequena aventura. É delícia a pequenez das coisas, tudo miúdo, conciso, sutil. A pequenez não admite desleixo, devassidão. A pequenez tem que ser imensa, rígida, estudada. Quando não se puder fazer nada, observa-se. Eu observo, olho, admiro. A visão é uma dádiva. Sempre que possível, faze um desenho de observação. Verás que as árvores são mais estranhas do que aquele serzinho plástico que desenhas. Admire. Não há perigo em olhar.

Não sei se há mais o que dizer. Quero fugir daqui onde tudo me assusta.

Vou sentir saudades, vou morrer de falta de ti, Gato. Me cativaste sem perceber e eu não sei mais viver sem ti. Não seja egoísta, não desapareça. Por favor.

Por favor, meu amor, não me abandone, que sou criança e não suporto solidão...

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